Capítulo dois

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1980

Depois daquela loucura de ir embora para o Mato Grosso, com a febre de 1978 e 1979, em que prometiam riqueza para quem fosse viver naquela terra, tudo o que aconteceu foi que a maioria quebrou a cara, como meus pais que perderam todo o dinheiro que tinham, investindo numa serraria em um povoado. O sonho se desfez e 1980 chegou como uma dura realidade.

Depois de seis anos morando com os parentes, retornei para o seio de minha família. Minha mãe estava grávida do quarto filho. Não conseguia me bater, mas continuava me odiando. Gritava comigo o tempo todo. Meu pai estava em transição. Não tinha trabalho fixo. O dinheiro havia acabado. Então, fomos morar num distrito. Havia escola perto de casa e eu costumava colecionar notas cem nas matérias. Alguns diriam tirar dez. É regionalismo ou modismo. Meu irmão mais novo, na época, não estava gostando de ter um irmão menor que ele. Não queria perder o posto de filho caçula. Esse menino nasceu para odiar. Sempre estava de mal com a vida, mas tinha uma inteligência fora do comum. Ele tinha cinco anos nesa época.

Em março, meu irmão mais novo nasceu. Eu esperava tanto que fosse uma menina dessa vez. Queria uma amiga, uma companheira. Talvez fosse muito bom ter uma irmã. Quando minha mãe chegou do hospital com o bebê, eu corri para o carro perguntar:

____ É menino ou menina? Deixe eu ver.

____ É menino. ____ minha mãe falou.

____ Ah! De novo?

Mas, com o passar dos dias já tinha me afeiçoado a ele. Quando estava com três meses, começou a balbuciar "du du". E eu afirmava que ele queria ser chamado de Dudu, embora o nome dele fosse complemente diferente. E assim foi. O apelido ficou. Ninguém o chama pelo nome.

Ficamos meio ano morando nesse distrito; após, fomos para o município. Uma cidade pequena, mas que tinha boas escolas.

Eu estava cursando a sexta série. E descobri que uma das meninas da minha sala era minha vizinha. A Rosi. Nós nos tornamos super amigas. E somos amigas há trinta e oito anos. Brincávamos sempre e íamos ao colégio juntas. Estudamos a sexta, a sétima e a oitava série juntas.

1981-1982

Quando completei treze anos, meu pai começou a me tratar mal também. Ele pegou o costume de, por motivos banais, como não encontrar os seus documentos, ele pegava o cabo do ferro de passar roupa (que na época era removível e vinha com um plug) e dava nas minhas pernas até quebrar o plug. E fazia feridas horrendas, além de hematomas. A partir dessa época, ele agia dessa forma. Não podia mais contar com ele. E quando ele me batia, eu ainda tinha que ouvir sermão da minha mãe, aprovando o que ele fazia. Isso me causava uma profunda tristeza e eu ficava cada vez mais fechada em mim mesma. Parecia uma concha me protegendo das assolações. Foi uma época em que eu chorava muito, pois queria a atenção e o amor dos meus pais.

O mais incrível de tudo: eu era extremamente obediente e tinha um medo pavoroso, porque a qualquer momento poderia levar umas pancadas.

Minha mãe continuava a ser professora e sustentava a família. Eu cuidava dos meus irmãos, principalmente do Dudu, que era bebê. Além de limpar a casa e fazer almoço.
Minha mãe não me ensinava a fazer comida, eu aprendia sozinha. Então, fazia batatinha todo dia, porque amava batatinha e amo até hoje. Então, chegou um dia em que ela ficou furiosa comigo, porque não queria mais comer batatinha. Então complicou, porque eu não sabia fazer muita coisa. Tive que ir me virando.

Sabe o que mais eu desejava nessa época? Eu desejava ser filha adotiva e encontrar meus verdadeiros pais. Imaginava que seria uma grande alegria. Que seriam bons pais e que por um infortúnio da vida tiveram que me colocar para adoção.

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