O caminho até o caramanchão foi feito em total silêncio, andávamos ombro a ombro, extremamente próximos, mas sem nos tocarmos. Ele me olhava, sorria e voltava o olhar o caminho. Eu o observava pelo canto do olho, esperava ele virar o rosto e o olhava também, sem sorrir, desviando quando ele ameaçava me olhar.
Assim que chegamos na "pista" a playlist de Pedro tocou um bolero e eu o olhei em dúvida.
- Podemos esperar voltar pro Xote se você quiser. - Eu disse imaginando que aquele estilo não fosse muito o dele. Mas a verdade é que eu estava arrumando uma desculpa para não dançar.
- Você não gosta de bolero? - A pergunta foi num tom curioso, quase engraçado.
- Gosto muito. - Respondi sincera.
- Eu posso não ser um pé de valsa como o seu amigo Ernst ou um profundo conhecedor de passos acrobáticos como o Pedro, mas... - Um sorriso maroto surgiu nos lábios finos. Victor pegou minhas mãos colocando uma delas em seu ombro e a outra levou junto com a dele apoiando-as juntas contra o próprio peito. Desceu a mão livre pelas minhas costas até parar na curva da minha coluna, baixou o rosto em minha direção quase tocando a ponta do seu nariz com o meu e disse me olhando nos olhos. - Se você não ligar pra isso, eu também não ligo... – Afastou o rosto novamente e sorriu com o cantinho da boca. – Não me importo com o ritmo, eu gosto mesmo é do abraço! - Me puxou contra o próprio corpo confirmando a própria fala e, como quem desfere um golpe fatal no inimigo, aproximou a boca do meu ouvido e sussurrou de forma sedutora. - Alana!
Ele notara o efeito que ouvi-lo falar meu nome daquela forma havia causado em mim. Ele era extremamente observador, tinha uma facilidade impressionante de ler as emoções, bem, ao menos as minhas, isso demonstrava uma sensibilidade extremamente aguçada, mas forma que ele usava isso contra mim só me deixava mais desconfiada. Podia ser só provocação, brincadeira, implicância ou uma forma de me fazer relaxar. Claro que podia. Mas podia ser um ardil para me envolver em sua teia de sedução e concluir seu plano inicial de me ter a qualquer custo.
Eu deixei escapar uma risada suave. Teorias de conspiração nunca foram o meu forte.
- É engraçado dançar comigo? – Victor perguntou me pegando de surpresa, não imaginei que ele tivesse ouvido minha risada.
- Não. – Eu respondi rápido. – Ri de alguns pensamentos que tive. Só isso.
- E esses pensamentos não podem ser divididos... Alana? – Ele respirou fundo e me olhou de forma intensa, usando novamente meu nome de forma provocativa. O movimento que a boca dele fazia ao dizer meu nome era tão sedutor que meu bichinho da desconfiança quase cedeu aquele gesto.
- Não. – Respondi depois de alguns segundos.
Victor não parou de dançar e não perdeu o ritmo enquanto falávamos e isso mexeu comigo de uma forma louca, era uma bobagem, mas era tão sedutor, tão encantador, tão romântico... Balancei a cabeça de leve espantando aquele pensamento.
A mão que segurava a minha junto ao peito ergueu meu rosto para que eu o olhasse nos olhos. Achei que ele perguntaria a razão do meu movimento de negação, mas ele não o fez, apenas sorriu. Quando eu baixei o olhar, ele apoiou o queixo no topo da minha cabeça, me abraçou com mais força e seguiu me embalando nos braços.
Era tão perfeito estar ali que eu deixei de lado minhas desconfianças e apoiei meu rosto no peito largo, me aconchegando a ele. Claro que ele notou minha mudança de atitude e também se aconchegou mais em mim, sua mão subiu pelas minhas costas até encontrar a base da minha nuca brincando com as pontinhas dos meus cabelos curtos e me arrancando leves arrepios.
Eu não sei dizer quanto tempo dançamos, mas sei que em alguns momentos ele se aproximava do meu ouvido e falava o meu nome daquela forma enlouquecedora. Às vezes meu nome era precedido de um suspiro, outras vezes de um aperto em minha nuca ou um leve puxar de cabelos.
Ele estava me seduzindo sem nenhum esforço e eu sabia disso. Eu não demoraria muito a deixar de lado o resquício de sanidade que ainda me mantinha lúcida, a dar um FODA-SE bem grande pro meu bichinho da desconfiança e a me entregar sem cautela ao charme inebriante de Victor Aster.
A súbita interrupção da Playlist para que o quinteto voltasse a tocar, me impediu de arrasta-lo para fora do caramanchão e implorar que ele falasse meu nome até que o desejo que ele acendera em mim corresse pra fora do meu corpo.
Victor me manteve em seus braços, mesmo sem música, e eu agradeci aos céus por isso, se ele simplesmente me soltasse à probabilidade de eu não ter forças para me manter em pé era grande. O problema é que prolongar aquele contato estava chamando a atenção das pessoas em volta e essa constatação me fez dar um passo pra trás de forma brusca, me afastando do corpo e do abraço dele e não foi uma sensação agradável, muito pelo contrário.
A minha decepção pelo afastamento provavelmente estava estampada no meu rosto e também no meu corpo, já que minha primeira atitude após me afastar foi cruzar os braços, numa pose que, para alguém não tão observador quanto ele, poderia ser traduzida como indignação.
- A proposta ainda está de pé. – Ele falou com um sorriso torto e uma voz firme.
– Aproveitar a festa, relaxar, tomar cachaça, tocar um viola, dançar uma moda, implicar um com outro e... ver pra qual rumo essa noite nos leva. - Tive que me esforçar um pouco pra lembrar suas exatas palavras.
- Eu estava pensando mais na parte final. – A boca de Victor se tornou uma linha fina dando um ar solene aquela frase e ele estendeu a mão na minha direção.
Mantive meus olhos naquela mão estendida e minha mente começou a listar minhas opções. Eu poderia negar a minha mão a ele e sair dali sem falar nada, mas aí seria muito grosseiro e eu odiava grosseria. Rir com cara de boba fingindo não entender o que ele propôs também era uma opção, mas aí eu estaria sendo extremamente covarde e eu odiava ser covarde. Aceitar a mão dele e deixa-lo me guiar pra onde quer que fosse não era uma opção que pudesse ser descartada, mas aí... Mas aí eu corria um grande risco de viver o que a vida me oferecia.
Estendi a mão e segurei na dele com firmeza. Queria que ele soubesse que eu não estava agindo por impulso, que eu tinha exata certeza do que queria, assim como ele parecia também ter.
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Amanhecer em Canção
RomanceAlana é uma mulher independente e completamente dona do próprio nariz. Aos 38 anos, separada e com dois filhos já encaminhados, nada lhe escapa ao controle. Mantém sua vida sob total vigilância para que nada aconteça de forma diferente do que ela pl...