Capítulo 15

10 2 0
                                    

Meu corpo estava quente demais e corri minha mão por ele afastando as gotículas de suor que me tomavam a pele. Meu cérebro se recusava a despertar e eu me esforçava pra abrir os olhos sentindo a claridade forçando minhas pálpebras. Era um calor estranho, um calor com cheiro de terra seca misturada a café fresco e ovos com bacon. Um calor que deixava meu corpo dolorido e sensível.

Espreguicei me esticando o quanto podia e me assustei quando minha mão se chocou contra algo que não deveria estar ali. Abri os olhos imaginando onde estava, mas o susto só durou um momento, já que as lembranças da noite anterior rapidamente me tomaram a mente, me arrancando um sorriso preguiçoso e um leve gemido de prazer.

Ele realmente cumprira com a palavra e me presenteara com a noite mais sensacional de toda a minha vida. Claro que eu ainda precisava analisar se fora a calma suave alternada com arroubos de loucura, a minha ansiedade e quase impaciência alternada com a tranquilidade e paciência extrema dele ou simplesmente meu cérebro pregando uma peça e me fazendo acreditar que toda a emoção e sensação que eu sentira naquela noite não era somente a aventura que eu me dispus a viver. Mas isso no momento não me importava muito, eu me sentia feliz, leve e satisfeita de uma forma tão prazerosa que nada poderia estragar meu dia.

O cheiro de comida e café fresco invadiu novamente o quarto e meu estômago reclamou com barulhinhos vergonhosos. Sentei na beira da cama e tentei me levantar, mas não consegui, minhas pernas estavam ainda moles e meu corpo doía em lugares que eu nem imaginava existir.

Resolvi esperar alguns segundos para recuperar as forças e olhei o quarto. Não era um quarto que poderia se dizer "tipicamente masculino". As janelas tinham cortinas presas por um grande laço dando um ar delicado em contraste a madeira rústica. Uma penteadeira branca com pequenas flores desenhadas fazia conjunto com os armários e o gaveteiro. Um cabideiro de madeira portava vários chapéus e duas camisas jaziam jogadas por cima deles. A cama era do tipo super king, com uma cabeceira de mogno e aos seus pés um baú, também de mogno, davam um ar clássico ao quarto, mesmo que em volta dele vários pares de sapatos se misturassem. Meus olhos voltaram ao gaveteiro, onde vários porta-retratos se espalhavam de forma desordenada. Minha curiosidade falou mais alto que a falta de força de minhas pernas.

Cobri meu corpo nu com o lençol e me aproximei das fotos observando-as com cuidado. Fotos de família. De todos os tipos, como uma linha do tempo. Victor casando, sua esposa grávida, eles juntos com um bebê no colo, depois eles juntos com um garotinho sorridente e outro bebê no colo, e mais um. Os meninos já maiores.

Uma leve pontada de ciúme me tomou, mas rapidamente foi esquecida quando meus olhos encontraram o porta-retratos onde Victor e os filhos, agora já grandes, pousavam sorridentes em torna da esposa de Victor que, claramente, já estava doente naquela foto.

Me senti mal por ter sido curiosa e por aquela pontada de ciúme, era como seu eu tivesse invadindo a intimidade dele de uma forma ilícita, mesmo que fosse de conhecimento público toda aquela história – já que a imprensa fez questão de publicar cada foto deles saindo do hospital, abraçados quando a notícia da partida dela chegou ou saindo com pesar da cerimônia de despedida, não me senti bem por não ter contido minha curiosidade, não me senti bem ao realizar que ele também tinha suas dores, suas mágoas e não era só o famoso violeiro com um charme extremamente sedutor.

Mesmo tendo passado a noite com ele ali, eu não tinha esse direito, ainda mais quando naquele momento eu não conseguia entender com qual Victor eu passara a noite. O Violeiro charmoso e reconhecido nacionalmente ou o pai de família. Afastei aquele pensamento da minha cabeça e me arrastei pra fora do quarto seguindo o cheiro do café fresco até encontrar um Victor de shorts, camisa polo e chinelos mexendo algumas panelas no fogão.

- Dia, moça! Achei que só acordaria na hora do jantar! – Ele me sorriu de forma ampla e sinceramente feliz, aquecendo meu coração e me fazendo me sentir mais culpada do que estava.

- Dia, moço. – Respondi no mesmo tom que ele, disfarçando todo meu incomodo.

- Eu deixei uma camiseta pra você na cama, você não viu? – As pestanas longas se batiam alegremente e as marcas de expressão se acentuavam com o movimento. – Você tá parecendo uma lenda pantaneira se arrastando por aí nesse lençol branco.

Eu abri o lençol mostrando que não havia visto a camiseta e Victor passou a língua nos lábios de um jeito extremamente sexy.

- Vem aqui me dá um beijo de bom dia, moça! – Pediu daquele jeito manso e arrastado com que falava.

Eu dei a volta no balcão da cozinha e me aproximei apoiando meu corpo em suas costas e enchendo a área de beijinhos.

- Bom dia, moço! – Victor largou a colher que segurava, desligou o fogo e se virou me abraçando e me dando um beijo longo e carinhoso.

- Bom dia, moça! Agora vai colocar a camiseta que eu deixei pra você antes que essa casa se encha de marmanjos. – Ele se virou pro fogão rindo e eu saí dali quase correndo, arrastando o lençol pelo caminho e fazendo som de fantasma.

Ao sair da cozinha e antes de chegar ao quarto, avistei meu vestido e minha lingerie jogadas pela sala, entrei rapidamente e catei minhas roupas, certamente seria melhor estar com elas do que com uma camiseta de Victor quando os tais marmanjos chegassem.

Parei alguns segundos para observar as paredes recheadas de Discos de Ouro, reportagens e fotos de Victor em shows. Uma delas me chamou a atenção mais que as outras. Era uma reportagem de um jornal de grande circulação e a manchete dizia. "Victor Aster, violeiro, galã e celebridade.". Celebridade, aquela palavra sempre me causava arrepios. Sacudi a cabeça e foquei em trocar de roupa antes que, como dissera Victor, a casa se enchesse de marmanjos.

Entrei no banheiro ligado ao quarto e me troquei. Aproveitei pra lavar o rosto e tirar o resíduo de maquiagem que ainda tinha por ali, principalmente a faixa escura em baixo dos meus olhos, o que deve ter tornado ainda mais real a tal lenda pantaneira que ele me comparara quando cheguei à cozinha.

Umedeci os cabelos, abaixando algumas mexas que insistiam em permanecer de pé e roubei um pouco da pasta de dente que estava ali, usando meu dedo como escova. Olhei novamente minha imagem no espelho, apesar do meu vestido estar bastante amassado, eu estava bem melhor agora do que quando entrei.

No meio da confusão de calçados encontrei um chinelo de couro e os calcei, Victor devia calçar muito, já que eu calçava 41 e sobrava bastante chinelo no meu pé. Ri sozinha pensando na velha teoria idiota que comparava o tamanho do pé de um homem ao seu outro tamanho, e ri mais ainda quando cheguei a conclusão que no caso dele a teoria estava muito correta.

- Tá se divertindo sozinha ou meus sapatos te disseram algo muito engraçado? - A voz de Victor soou atrás de mim e eu dei um pulo tamanho o susto que levei.

Olhei pra ele com cara de culpada, sentia minhas bochechas vermelhas de vergonha.

- Não exatamente, mas foi bem próximo disso. - Respondi me aproximando e o abraçando pela cintura.

- Não vai me contar? - Os braços dele me apertavam de uma forma gostosa. - Eu fiquei bastante curioso pra saber o que te deixou tão vermelha.

- Humm... - Resmunguei contra o peito largo, pensando se contaria ou não. - Sabe aquela velha máxima que toda regra tem uma exceção?

- Sim. - Ele respondeu afastando a cabeça e me olhando com a sobrancelha levantada e um ar compenetrado.

- E sabe aquela teoria que compara os pés dos homens ao tamanho .... - Eu ergui as sobrancelhas sem completar a frase.

- Sim! - A voz agora continha uma ameaça de risada.

- Então... - Me afastei dele e tomei a direçãoda cozinha. Parei e olhei pra trás, Victor estava apoiado no umbral da portacom os braços cruzados, aguardando minha conclusão. - Você não é a exceção àregra. - Falei jogando os ombros pra cima do jeito que ele fazia pra confirmaruma fala ou ação.    

Amanhecer em CançãoOnde histórias criam vida. Descubra agora