Conversar com Ernst e Pedro, me desculpar pela cena, foi a parte fácil. Ambos me abraçaram assim que eu cheguei ao hall do hotel, me encheram de beijos, disseram que estava tudo bem, mas que eu nunca mais fizesse aquilo e por fim, em tom preocupado, especularam sobre minhas razões ao sumir, mas eu não respondi, pedi que esperassem pelo dia seguinte, quando eu possivelmente as tivesse entendido.
Assim que eles deram espaço, Digão se aproximou, segurou minha mão e com uma postura muito séria olhou para Gi, Ernst e Pedro que permaneciam a minha volta.
- Agora é minha vez e, se me derem licença, vou conversar a sós com a menina aqui. – Digão falou sem dar espaço de resposta.
Nenhum dos três, aliás, nenhum dos quatro, já que eu me incluo nisso, contradisse ele. Digão me encaminhou até o restaurante do hotel, deixando Ernst, Pedro e Gi, plantados no hall observando a gente se afastar.
- Digão, eu preciso me desculpar com você, sei que aquele bilhete não foi o bastante, acho que vou me desculpar pelo resto da vida. Você e o Zé foram tão carinhosos comigo, tão queridos, e eu fiz um papelão daquele abandonando o show no meio... - Digão ergueu a mão e eu parei de falar.
- Não é por isso que estou aqui. - Digão segurou minhas mãos entre as dele de forma carinhosa. - Eu tenho idade pra ser seu pai, menina. A sua saída do show me deixou preocupado demais, eu garrei um carinho muito grande por você. Você é doce, sincera e transparente. Você cuida com carinho dos seus amigos, é atenciosa com todos, é extremamente educada... - Digão fez uma pausa longa me deixando agoniada. - Sabe, mesmo vendo isso tudo, eu também vejo uma independência exacerbada, uma necessidade de ter a vida ali sob controle a qualquer custo. Os riscos que você corre parecem ser calculados e quando acontece algo inesperado, que você não planejou ou que não possa controlar, você fica perdida, insegura, a deriva.
Eu o olhava boquiaberta. Digão acabara de me descrever com precisão, talvez mais precisão do que eu mesma fosse capaz. Minha cabeça girou e eu precisei fechar os olhos com força pra afastar aquele mal súbito.
- Bebeu um pouco demais, né? - Ele sorriu e se levantou indo até a recepção do hotel me deixando ali com meus pensamentos por alguns instantes. - Pedi um café forte, um sanduíche com muito queijo e uma Coca-Cola. Você provavelmente vai se sentir melhor agora, amanhã eu já não garanto nada. - Um sorriso surgiu no rosto dele antes dele voltar a sentar.
- Obrigada! - Agradeci num fio de voz.
- Sei que você não me conhece direito, mas é como eu disse, eu garrei um carinho especial por você no momento que te vi naquele palco, então, desculpa esse velho intrometido aqui, mas a idade já me permite algumas ousadias, como me meter onde não sou chamado. - Ele falava sério, com aquele sotaque forte, mas ao mesmo tempo era terno e delicado. - O que eu vi naquele fim de semana entre você e o Vitão, a ligação de vocês, a química foi tão forte que era quase palpável, eu e o Zé ficamos impressionados...
- Digão, você não precisa... - Eu não tinha ideia de onde ele iria chegar, mas eu estava com muito medo de ouvir o que ele tinha pra me dizer.
- Eu sei que não preciso, mas eu quero, deixa o velho falar, talvez te faça bem, talvez não, mas pelo que posso ver de você nesse momento, acredito que seja bom, tenha só um pouco de paciência. - Eu assenti e ele continuou. - Ficamos impressionados com o encontro de vocês por conhecer o Vitão há muitos anos. Vitão é quase um filho pra mim, eu o vi casar, vi os filhos dele crescerem e estava do lado dele quando a esposa partiu. O Vitão é muito discreto em relação aos seus sentimentos. – Eu encolhi os ombros sem entender e Digão tentou explicar. - A gente sabe que todo casal briga, mas nunca ouvi o Vitão comentar sobre uma briga que fosse com a Helena, muitas vezes eu só soube por que a Helena conversava com a Docinho e ela comentava comigo. Quando a Helena ficou doente, a gente começou a achar o Vitão mais fechado, demorou uns seis meses pra ele sentar conosco e desabafar. Vitão não é o cara dos desabafos, ele faz isso na viola, essa é a forma dele expressar suas dores e sentimentos mais profundos.
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Amanhecer em Canção
RomanceAlana é uma mulher independente e completamente dona do próprio nariz. Aos 38 anos, separada e com dois filhos já encaminhados, nada lhe escapa ao controle. Mantém sua vida sob total vigilância para que nada aconteça de forma diferente do que ela pl...