Capítulo 2

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Chicago, 31 de outubro.

Lia

Um homem fantasiado de espantalho me assusta assim que viro a esquina, dou uma gargalhada e um pulo num sobressalto. Minha fantasia de noiva cadáver é esvoaçante o suficiente para fazer parecer que meu gesto foi maior do que o real. Exageros e fantasias são a marca registrada do Halloween e eu adoro os dois, em proporções quase iguais.
Continuo correndo pela calçada com o som repetitivo do salto das minhas botas no cimento. Sempre estou atrasada para encontrar Erin, mesmo que tenhamos a tradição de passar a data mais arrepiante de Outubro juntas. Quando entro no bar, cheio de gente fantasiada de forma temática, ela chacoalha os braços pra mim de uma mesa alta. Seu corpo está em uma minúscula fantasia de vampira, um vestidinho preto curto e uma capa vermelha, com meias arrastão e botas altíssimas. Ela parece mais uma stripper do que um ser imortal sugador de sangue. Faço este comentário e ela revira os olhos pra mim, entediada.
– Você só apareceu pra me ofender? – sua voz é agressiva.
– Desde quando te chamar de vadia promíscua é uma ofensa? – rio me sentando no banco em frente à Erin depois de abraçá-la.
– Vou reformular, você só veio pra jogar verdades na minha cara? – ela repete a expressão chocada e ri me jogando uma bola de guardanapo.
– Aparentemente sim. Isso e dançar ridiculamente, e beber até que eu não me lembre se gosto mais de doces ou travessuras. – pisco pra ela enquanto a garçonete se aproxima. – Um Gin Sour, por favor.
A presidiária anota meu pedido e mais um mojito para Erin, em pouco tempo ela volta com nossos copos e mais dois drinks.
– O zumbi e o padre no outro lado do balcão acharam que seria bom vocês se hidratarem esta noite. – a garçonete brinca e Erin estica o pescoço para enxergar os rapazes.
– Diga ao padre que eu só bebo sangue, por favor. – Erin coloca os drinks de volta na bandeja dela.
Acho graça da perspicácia dela. Somos amigas desde a faculdade, quando fomos obrigadas a dividir um quarto no dormitório. Eu e Erin fomos às melhores festas da Universidade de Chicago durante os anos que convivemos diariamente e, pra mim era impossível não encontrar diversão ao lado dela. Seu jeito é despachado e inteligente, me arrancando de qualquer mau humor. Ela se formou em medicina e depois passou alguns anos em Boston para concluir a especialização.
Meu diploma diz que sou advogada, mas trabalho com relações internacionais numa empresa de tecnologia. Parece mais complicado do que é realmente. Como quase tudo na vida.
A garçonete leva os drinks de volta e nós começamos uma nova conversa sobre o último encontro desastroso de Erin com um rapaz de um aplicativo de namoro. Ela é linda, com olhos azuis incrivelmente profundos e uma boca de deixar qualquer garota com inveja, seu cabelo longo e loiro e seu corpo escultural sempre fizeram dela uma mulher desejada. Provavelmente não é o primeiro drink que ela rejeita na noite, mas é o primeiro que faz o zumbi e o padre acharem que devem se aproximar da nossa mesa.
– Com licença. – o padre inicia.
– Eu e minha amiga estamos conversando. – digo educadamente.
– O assunto é tão importante que não podem nem dar atenção a um velho amigo? – o zumbi soa familiar, embora eu não consiga identificá-lo somente com isso e sua maquiagem disfarce sua aparência.
– Qual velho amigo? – Erin franze o cenho.
– Erin Campbell e Italia Bianchi, eu reconheceria vocês duas em qualquer lugar, a dupla mais animada da Universidade. – seu tom é assertivo e até mesmo contente, mas eu e Erin claramente ainda não o reconhecemos.
– Me desculpe, mas como zumbi fica difícil saber quem você é. – busco inutilmente na memória o reconhecimento da voz dele.
– Sou eu, Gavin. Gavin Linden. – suas mãos param no próprio peito. “Mim Tarzan, você Jane.”.
– Ah, claro, Gavin! – Erin abre um sorriso. – Você era da pequena entourage do Mason Chadwick. Eu me lembro de você.
O nome Mason Chadwick me traz lembranças. Ele era um esportista nato, quarterback do time de futebol americano da universidade, o Chicago Maroons, mas seu talento verdadeiro estava em tardes tórridas de sexo e erva no meu quarto. Devo ter passado alguns meses com Mason, embora agora não me lembre exatamente quanto tempo isso durou.
Mason tinha amigos que pareciam continuar no colegial o cercando o tempo todo, como se ele fosse uma espécie de macho alfa, ou qualquer coisa do tipo. Eu lembro de Gavin, Clark e um outro cujo nome é um branco completo. Eles eram autointitulados “O quarteto fantástico”, então este último devia ser a mulher invisível, já que eu falhei em lembrar sua alcunha.
– Mason, Gavin, Clark e tinha um outro. – digo como se tentasse lembrar.
– Marcus. – Gavin me ajuda.
– Certo. Marcus. O Quarteto Fantástico! – dou um meio sorriso e ele parece exageradamente inflamado.
Erin solta uma gargalhada e toma o restante de seu mojito.
– Então, senhoritas, agora que estamos novamente familiarizados, podem aceitar os drinks? – o padre coloca os copos sobre a mesa.
– Este é meu bom amigo Fred.
– É um prazer, Fred. Você dança dentro desta batina? – Erin desce da banqueta e coloca o braço ao redor do ombro do padre.
– Melhor do que você nesta capa.
– Ah, disso eu duvido. – ela quase vira todo o conteúdo do copo comprado pelos nossos “novos velhos amigos” e sai puxando Fred para o meio da multidão.
– Ela continua sendo a estridente e você a séria? – Gavin observa tomando o assento de Erin, embora eu não tenha dito que ele podia se sentar.
– Você acha que isso é um elogio à minha personalidade ou está só tentando ser inconveniente mesmo? – sinalizo o pedido de mais um Gin Sour à garçonete e ela me dá um sinal positivo.
– Você não gosta de ser séria? – sua boca disfarça o desconcerto, mas seu sorriso fugiu do rosto com a minha frieza.
– Você gosta de ser um babaca?
– Eu sinto muito por tê-la incomodado, Italia. Só achei que, sendo Halloween você não se importaria em ver um fantasma. – Gavin brinca e se levanta meio frustrado.
Eu suspiro e olho para a pista. Fred está atracado a Erin pela boca. Ou é um beijo desesperado ou ela está fazendo o exame de laringe mais diferente que eu já vi. A vadia passou dez minutos comigo e vai passar o resto da noite com um padre meio bêbado. Parece que a noção péssima de tempo de Erin também faz parte da nossa tradição de Dia das Bruxas, ano passado era um Indiana Jones, no outro um caça-fantasma.
– Gavin. – chamo antes que ele se afaste muito. – Sinto muito. Talvez seja o azedo do drink. – aponto para o Gin Sour.
Ele volta e me levanto da banqueta, pegando em sua mão até a porta de trás do bar, por onde as pessoas geralmente escapam do barulho para fumar e conversar ao ar livre num beco sem saída. A brisa fresca arrepia meus braços e respiro profundamente olhando a lua. É particularmente poético que haja uma lua cheia no céu. Muitas pessoas acreditam nas energias lunares e toda essa boataria sem sentido, mas qualquer um tem que admitir que lua cheia e Halloween fazem uma combinação absolutamente genial.
– Você não quer dançar? – Gavin me segue pelo beco até estarmos um pouco distantes das outras pessoas.
Me viro pra ele em silêncio.
– Você é um zumbi e eu uma noiva cadáver, Gavin. Se você estivesse morto e milagrosamente vivo no minuto seguinte, ia querer dançar? – levanto as sobrancelhas pra ele.
– O que você sugere? – ele abre os braços, meio confuso.
– Você nunca foi muito brilhante. Cada vez eu me lembro mais de você. – sorrio me encostando na fria parede de tijolos atrás de mim.
Gavin entende a deixa e se aproxima do meu corpo, se encostando devagar em mim enquanto sua boca procura a minha no escuro. O deixo me beijar, encostando nossas línguas devagar e tombando a cabeça ligeiramente pro lado. Ele coloca as mãos ávidas na minha cintura e enfio a mão em sua calça, fazendo-o puxar o ar com força.
– Tem algum comentário sobre minha seriedade agora? – digo subindo e descendo a mão enquanto ele dá um gemido comprido.
– Eu sempre admirei você, Italia. Seu nome, sua aparência, seu jeito, tudo. – Gavin poderia achar que eu caio em qualquer papo deste tipo, ou pode estar falando a completa verdade.
Meu ceticismo me leva para a opção em que ele acha que precisa me adular pra enfiar o pau em mim.
– Cala a boca. – ordeno e dou uma camisinha pra ele colocar enquanto levanto o tule branco da saia . – Você já vai me comer, Gavin. Pelo amor de Deus, me coma calado.
Suas mãos seguram minhas pernas e as enrolo nele. Gavin entra em mim com força, rápido e ansioso.
– Mais forte. – peço em seu ouvido.
Ele repete meu nome como se estivesse em transe. Ele move o quadril pra frente e pra trás, quase freneticamente, gemendo exageradamente. Eu puxo seu cabelo e o faço me olhar nos olhos.
– Meu Deus, você é linda.
– Cala a boca, Gavin. – digo num sussurro e dou um pequeno tapa em seu rosto. – Mais devagar e mais forte.
Sinto seu corpo se enterrando no meu e finalmente a pequena dor no colo do meu útero é irradiada pelo meu corpo, eletrizando meus músculos. Suas mãos agarram minhas costas e me seguro em seus ombros, quando ele me força pra baixo denovo eu gemo alto. Gavin acerta exatamente meu ritmo e morde meu pescoço enquanto me devora no meio da rua, calado.
Meu orgasmo é breve, contido. É um prazer tão efêmero que Gavin ainda está pulsando num gozo visceral quando o afasto de mim e me equilibro com as botas no chão.
– Agora eu quero dançar. – digo voltando pra dentro do bar e o deixando com a mão apoiada na parede, recuperando o fôlego.
Encontro Erin sentada na pia do banheiro de braços cruzados assim que saio de uma das cabines. O sorriso dela é contagiante. Ela é a única pessoa capaz de me fazer rir por pura empatia.
– O palhaço está ali fora esperando você. – ela diz enquanto lavo as mãos e passo um papel na maquiagem do rosto.
– Palhaço? Não era um zumbi? – a olho pelo espelho.
– Lia, eu estou bêbada.
– Quer ir embora?
– Quero ir... – ela prende a língua com os dentes e levanta as sobrancelhas.
– Pervertida. – tampo seu rosto com a mão e a empurro.
Eu sei exatamente onde Erin deseja ir, ela nem precisa dizer. Saio do banheiro e Gavin me olha suplicante. Fred também estava aguardando sua companhia, como se estivéssemos num encontro duplo. Me sinto com dezesseis anos novamente.
– Estamos indo embora. – anuncio assim que Gavin tenta me beijar e desvio com sucesso de sua boca.
– Embora? – ele segura minha mão e continuo andando, seguida pelos três. – Italia, me dá seu telefone.
– Não.
– Pra onde você vai? Posso ir junto? – Gavin me puxa com um pouco mais de força.
Meu corpo se vira somente o suficiente para eu agarrar o rosto dele com força e fixar meus olhos nos seus. Puxo o ar e dou um sorriso irônico, então desisto do que eu ia fazer. Ele parece um bom sujeito e ainda está sob o efeito do que aconteceu lá fora. Um homem tende a se sentir emasculado quando a mulher age com mais assertividade e desapego do que ele, isso causa uma síndrome de Estocolmo temporária. Eu já vi tantas vezes que não me sensibilizo mais.
Não posso dizer o mesmo por Erin. Ela coloca a mão no ombro dele e sussurra em seu ouvido.
– Safeword.
Solto o rosto pálido de Gavin e vou para a saída com a vampira stripper.

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