Tyler
Ser expulso de Safeword a pedido de Italia nem foi o ponto baixo da minha noite. Eu não consigo, por Deus como não consigo, entender como ela me manipula a fazer exatamente o que ela quer, mesmo que seja para me humilhar completamente. Ela me avisou para ficar longe dela, não posso mentir que não fui avisado. Decidi contrariar as ordens da Viúva Negra e ela me castigou com requintes de crueldade.
Tanto que, mesmo tendo prazer, eu me sinto torturado. Minha vontade é matá-la, lenta e dolorosamente. Tomo mais um gole de rum com as mãos trêmulas. A filha da puta não brinca. Quando ela diz algo, é melhor obedecer. Eu fui a Safeword. Por que diabos eu fui naquele antro de desatino esta noite?
Para contrariar Italia?
Pra consolar meu ciúme em saber que ela ia trepar com outra pessoa? Quem sabe eu devo ter achado que se ela me visse, desistiria de estar com outro homem. Que imbecil! Que completo e perfeito idiota eu sou. Ela não só ficou com outro homem, como o fez ficar comigo.
Um arrepio revira meu estômago e bebo mais um pouco para aplacar a sensação que volta a incendiar meu interior. Eu quero matar Italia. Juro que quero. Mas antes quero sentir seu corpo no meu. Quero o gosto de seu suor na minha língua.
Caralho de mulher. Inferno de mulher. Nunca me senti assim tão equivocado, mas tão inclinado a continuar errando. Deve ser por isso que ao sair do clube de sexo onde ela arregaçou a minha dignidade, eu subornei seu porteiro, aquele simpático que ficou feliz em me conhecer, arrombei a porta de seu apartamento e estou me embebedando com seu rum.
Baguncei os livros dela em busca do livro de faculdade, jogando tudo no chão com raiva. Folheei as páginas, conhecendo um pouco da vida de Italia por imagens de uma mulher que ela não parece ser hoje em dia. Quero descobrir qual foi o virar de chave que levou a garota com olhar divertido a se tornar uma pervertida que subverte a minha sexualidade como quer. E eu ainda aplaudo como um retardado ensandecido.
Eu cometi mais crimes numa noite do que na minha vida inteira e agora entro no banheiro dela, abrindo o armário e encontrando um frasco de Rohypnol. Que coincidência que esta vaca tenha em casa o mesmo medicamento que entorpeceu Gavin Linden. Não vejo a hora de ter um mandato pra entrar em aqui como autoridade, sem que ela me impeça com seu jeito arrogante e dominador.
Me olho no espelho e lavo o rosto. Ainda penso em como me vingar dela, ainda sinto a raiva mais enraizada do mundo. Mas seu cheiro no ambiente me atordoa um pouco a cólera. Volto para a sala e encho mais um copo de rum e estou sentado no sofá quando a luz se acende. Fixo os olhos na lareira e prendo a mandíbula puxando fundo o ar. Meu primeiro impulso é agarrar seu pescoço, mas ela adoraria ver isso acontecer, então me seguro, ainda de costas para a porta, sentindo meu corpo inteiro de contrair.
– Devo chamar a polícia? – a voz debochada me estapeia na cara. – Ah, você é a polícia.
Eu levanto do sofá sério e a olho intensamente. Ela dá um sorriso com a boca fechada que faz seus olhos brilharem divertidos.
– Achou o que você estava procurando? – Italia aponta a bagunça pelo chão.
– Eu odeio você. – minto pela primeira vez para Italia porque ela continua brincando com a minha cabeça. Se Rafaella e Sasha fazem malabares com minhas bolas, Italia faz com meu juízo.
– Eu odiei você hoje. – ela larga a bolsa e uma mochila no chão e se aproxima de mim. – Mas depois eu me senti melhor.
– Depois que se vingou de mim? Que me fez sentir humilhado?
– É. Você devia tentar qualquer dia. Alivia o fardo. – ela diz encarando meu rosto bem de perto. – São cinco e meia, pirata. Vá embora da minha casa, ou eu chamo a polícia.
– Eu não consigo tratar alguém como você me trata.
– Por favor, eu já te vi furioso, Tyler. Para com essa mania de bom moço. – Italia diz impaciente e me retraio.
Eu vim aqui pra que, exatamente? Ah, mais um pouco de humilhação. Objetivo cumprido. Me pego questionando o que estou fazendo e por que ainda não fui embora.
– Eu odeio você. – repito com desprezo, tentando me convencer das minhas próprias palavras.
– Ótimo, facilita as coisas pra mim.
– Eu odeio você. – meu tom aumenta e ela bate no peito como se dissesse “mais”. – EU ODEIO VOCÊ! – berro o mais alto que posso e Italia fecha os olhos, suspirando fundo.
Eu não quero a indiferença dela, não quero que ela simplesmente aguente, eu quero que ela retruque, que me desafie e enfrente como a gata selvagem que ela é. Quero enlouquecer Italia como ela me enlouquece, me testando o tempo todo, me levando ao limite da razão.
– Eu mereço, Tyler. – sua resignação me deixa boquiaberto. – Pode me odiar o quanto você quiser. Não muda o fato de você continuar voltando pra mais.
– Eu e quantos, Italia? Quantos mais são dependentes da tua doença? – o rum sobe até minha garganta, queimando meu esôfago. Eu agarro Italia e puxo seus cabelos para trás, fazendo-a levantar o rosto e me olhar. – Quantos?
– Se liberta disso, Tyler. Se liberta do bom moço, do cara que quer ser único, do homem de bem, das coisas que você acha que fazem alguém feliz. – ela sussurra no meu rosto. – Você acha que eu te levei pro fundo do poço? Você já estava lá quando eu te conheci, meu bem. Só que em vez de te enganar que você vai conseguir escalar pra fora, eu estou te oferecendo uma saída subterrânea. Aceite, Tyler.
Não entendo porque meu olho se enche de lágrimas. Fico ainda mais bravo com ela, mas meus sentimentos estão revirados, confusos e estou bêbado. Ela levanta os braços e coloca as mãos no meu rosto, fazendo um carinho inesperado. Eu me pego pensando por que não posso ser um cara leve e despreocupado, que curte a vida com distanciamento das questões que não consigo resolver. Dei voltas e voltas por meses com Dr. Newman, sem conseguir dizer nada do que eu sentia.
Depois de Lia me transformei num poço de sentimentos. Uma vez eu disse que ela podia ser psicóloga por me fazer descobrir todas as minhas dores psíquicas. Agora acho que ela poderia ser um membro do clero, exorcizando meus demônios. Mas um membro do clero bem depravado.
– Pare de brincar com a minha cabeça, Italia. – peço e baixo a cabeça em seu ombro.
– Eu paro. – ela acaricia minhas costas e a sinto tremer levemente. Ela é tão autocontrolada que não percebi que toda situação poderia deixá-la tão nervosa quanto eu.
– Eu vou embora. – digo fungando pelo choro. Finalmente entramos num acordo. Entrei com o surto e ela com a compreensão.
Está ótimo para uma noite que achei que fosse terminar comigo preso por matar Italia. Em vez disso, estou admitindo que eu gostei de tudo que ela fez comigo, do mais sórdido ao mais inocente. Nunca me conheci tão bem depois de saber do que sou capaz de pensar e de fazer. É como se ela me desmontasse e eu fosse obrigado a me consertar e isso exige uma tonelada de autoconhecimento.
Endireito o corpo e ela levanta os pés e se pendura no meu ombro até que sua boca encoste na minha. É a primeira vez que ela me beija devagar, encostando levemente a língua na minha, movendo devagar os lábios e me molhando com sua saliva. Envolvo Italia pela cintura e ela aperta ainda mais os braços finos em torno de mim. Há um gosto salgados das minhas lágrimas misturado ao rum e ao doce que vem da boca dela, e eu distingo cada um no tempo em que dura nosso beijo.
– Deite no sofá e durma. – ela diz saindo dos meus braços. – Quando amanhecer você vai embora.
Eu sei que ela só me beijou desse jeito pra me fazer sentir melhor, mais normal. E aceito essa caridade de Italia de bom grado. Factualmente, me sinto bem melhor do que quando cheguei, não achando mais tão absurdo ser alguém que gosta de dor e limites amplos no sexo, inclusive podendo admitir que receber sexo oral de um homem não mais abala minha masculinidade como há 10 minutos atrás.
Lia me faz sentir uma aberração e agora me faz sentir comum novamente. Mas não pretendo voltar a aprisionar meus receios e minhas culpas dentro de mim. Não sei como vou continuar essa transformação daqui pra frente. Mas não posso fazer o que ela disse, ficar tentando escalar a parede do poço que me abriga no fundo.
Desabo no sofá e durmo profundamente, mais do que eu deveria. Não são nem seis horas quando ouço um grito apavorado e salto do sofá prontamente. Minha mão vai ao coldre por instinto, até que eu me lembre que não estou portando minha pistola ou sequer meu distintivo. Sinto o efeito do álcool ainda latejante no meu cérebro, me dando uma sensação torpe e enjoada.
Caralho, é como se eu tivesse lambido o asfalto da Avenida Michigan, em toda sua extensão, de tão amarga que está minha boca. Sigo os gritos pelo corredor e abro a porta do quarto de Italia. Ela se retorce na cama, num choro tétrico e alto. Meu coração dispara quando ela grita o nome de Gavin seguido de vários “nãos”. Eu não tento acordá-la, nem acalmá-la desta vez. Deixo que a alucinação vívida se concretize até que ela choraminga “Me ajude, por favor, Clark.”.
Clark? Eu fico repetindo este nome, com medo da ressaca esvanecê-lo da minha mente e subo na cama abraçando Italia até que ela pare de chorar. Caio no sono muito rápido junto com ela e o dia está mais do que claro quando abro os olhos com Italia se levantando para trabalhar.
Ela fecha uma camisa enfiada por dentro da calça social e coloca saltos nos pés. Admiro um pouco sua figura até lembrar que eu devo estar atrasado pra cacete. Levanto da cama e ela me observa pelo espelho onde retoca a arrumação de sua roupa.
– Ainda vai querer ir à festa? – bom dia pra você também e esfrego os olhos.
– Hoje? – tento me situar.
– Sim.
– Quero.
– Use uma camisa preta e calças pretas. Vou te passar o endereço às oito. Esteja no endereço às nove pontualmente, ou eu entro sem você.
– Vai me apresentar Erin? – pergunto andando pelo quarto em direção à porta.
– Sim. – ela me olha enviesado pelo reflexo.
– Socialmente, eu prometo. – digo antes de rumar para a sala.
O nome “Clark” ecoa na voz de Italia dentro da minha cabeça e quando chego na zona de guerra que eu instalei na sala, pelo o livro da faculdade de Italia do chão, folhando-o rapidamente antes que ela apareça. Há uma lista de alunos nas últimas páginas, idêntica à que recebi da instituição de ensino a pedido do promotor. Alguns Clarks estiveram na faculdade junto com ela, mas só um deles deve ser o cara do pesadelo, com certeza mais um amigo de Gavin e Mason.
Pego o celular para ligar para a central, ciente do meu atraso, e vejo pelo menos vinte ligações perdidas de Rafaella. Caralho, isso é péssimo.
Ainda perco tempo ao passar pelo hotel para trocar de roupa e pegar minha arma e distintivo, então vou ao endereço que Rafaella me indicou. É uma área ruim da cidade, com péssima fama e altos índices de criminalidade. Não é surpresa que ninguém tenha visto ou ouvido nada do homicídio que ocorreu ali. A casa é simples, pouco iluminada e típica de um usuário de drogas, com móveis de segunda mão e poucos objetos de valor.
Rafaella me olha feio assim que me paramento e entro na sala, onde o corpo de um homem está sentado no sofá, de pernas cruzadas e braços esticados. Se olhasse por trás, acharia que a cabeça tombada no encosto representa uma soneca e não um assassinato.
– Onde você estava? – Sanchez me olha nervosa.
– Desculpe. – é só o que eu posso dizer. Seria difícil pedir sua anuência se eu dissesse que estava chorando meus fantasmas pra fora do corpo nos braços da Viúva Negra.
Sanchez suspira decepcionada, como se pudesse ter ouvido meus pensamentos.
Olho para o corpo do homem enquanto os legistas o fotografam e não evito uma careta ao ver o tanto de sangue que escorre de sua boca para o peito, meio das pernas e sofá. Meus olhos correm para seus punhos e como em Gavin, há marcas de amarras, suspeito que acharemos o mesmo em seus tornozelos na autópsia.
– Dra. Mirren. – chamo minha legista esquisita favorita e ela aponta a boca do homem.
– A língua dele foi cortada.
– Totalmente?
– Sim, completamente, e não está em lugar nenhum. Quem fez isso levou a língua de lembrança. – ela brinca.
– Ele estava imobilizado aqui no sofá, com os braços para trás. Está vendo a marca falha do sangue na camiseta e as marcas vermelhas nos braços? – ela aponta uma listra mais limpa do sangue que cruza o peito do sujeito. – Sugere que ele estava amarrado pelo peito, para ficar apropriadamente sentado.
– Pode ser que ele não conseguisse sustentar seu peso sentado? – concluo e ela me olha com um sorrisinho professoral.
– Justamente, detetive McKenzie. Típico de quem poderia estar entorpecido ou inconsciente.
Olho denovo o rosto dele. Os cabelos são meio compridos e loiros claros, mas ele parece judiado pelo vício em qualquer porcaria que vendem nas ruas. Seus olhos semiabertos me lembram os de Gavin, e esfrego o rosto.
– Qual é o nome dele, Rafaella? – me aproximo de Sanchez enquanto ela mexe em alguns papéis.
– Clark. Clark Dickens. – ela fala e eu tonteio na mesma hora.
A voz de Italia se repete nos meus ouvidos, “Me ajude, por favor, Clark.”. Puta merda, eu saio desgovernado de dentro da casa tentando respirar. Quanta coincidência seria que ela sonhasse com um Clark e outro Clark aparecesse morto?
Eu não acredito muito em vidência, também não creio muito em coincidências, não como esta. Aposto uma língua e um testículo que se eu olhar a lista de alunos da Universidade de Chicago novamente, vou encontrar Clark Dickens por lá.
– Está tudo bem, Ty? – Sanchez se aproxima de mim. – Está pálido.
– Estou ótimo! – com apenas três ou quatro horas de sono e no limbo entre a embriaguez e ressaca, quem não estaria radiante? – Como o corpo foi encontrado?
– Ligações repetidas do número de celular dele para a polícia. Rastrearam a localização e quando chegaram encontraram o corpo. Mirren diz que ele deve ter morrido entre uma e três da manhã. As ligações ocorreram às três.
Fui expulso de Safeword à meia noite, mais cedo que o horário que a Viúva Negra age. Ela deve ter trepado com o sugador de paus e ido embora, entre uma e uma e meia. Então chegou em casa às cinco e meia, com tempo suficiente para um pequeno atentado contra a vida de outra pessoa no meio tempo.
– Exatamente como o som de Gavin Linden acordando os vizinhos às três. – reviro os olhos.
– É. – ela suspira e coloca as mãos no bolso do casaco. – Isso leva a crer que foi a mesma pessoa.
– Estava pensando o mesmo, Lella. – meu corpo se arrepia inteiro e xingo mentalmente. Mais uma vez, Italia não tem um álibi. Mais uma vez eu suspeito que ela vai se negar a me dizer onde estava.
– Pergunte à sua amiga onde ela estava na noite de ontem. – Sanchez fala irritada, como se tivesse a vidência na qual eu não acredito.
Eu acendo um cigarro e o olhar de reprovação de Rafaella é como um soco em mim. Se fosse ontem, antes de Italia, eu jogaria o cigarro fora para não piorar o conceito de Sanchez sobre mim. Agora eu trago ainda mais forte e solto a fumaça pro alto. Estou bem comigo mesmo, surpreendentemente, apesar de achar que posso ter consolado uma mulher com duas mortes na conta ainda hoje mais cedo.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Safeword
RomanceQuando o detetive Tyler McKenzie é chamado para investigar um homicídio parecia que nada poderia ficar pior em sua vida. Como ele mesmo vai descobrir, as aparências enganam, e as coisa sempre podem piorar. Ele entra no submundo do sexo em Chicago, a...