Capítulo 27

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Tyler

Rafaella me mostra todos os registros de clínicas da região de Chicago e São Francisco, onde os pais de Italia moram. Nenhuma delas tem qualquer registro sobre ela e a gestação que ela diz ter terminado. Erin esteve na delegacia e prestou depoimento, dizendo que a amiga esteve com ela durante toda a madrugada enquanto alguém decepava a língua de Clark Dickens. Em seguida falamos com o pessoal da divisão de pessoas desaparecidas.
Mason Chadwick realmente desceu do ônibus na rodoviária, foi ao seu seminário de esportes por três dias e na sexta feira fez ligações para o número de informações. Ele solicitou aos atendentes do serviço os telefones e endereços de três pessoas. Gavin Linden, Marcus Sinclair e Clark Dickens.
Ele se encontrou com Gavin no dia 18 de novembro, em um bar. Os registros mostraram que os dois saíram bêbados e aparentemente bem do local. Nesta noite Mason dormiu na casa de Gavin. No domingo ele usou o cartão de crédito para ir até a casa de Clark num Uber. De acordo com o registro do Uber de volta, ele passou apenas quarenta minutos na residência de Clark. A mesma coisa aconteceu quando ele visitou Marcus. Meia hora bastou para que os dois colegas tivessem botado a conversa em dia.
A passagem de Mason estava marcada de volta para Marion, sua cidade, na terça feira, 22 de novembro, ele então remarcou para o outro final de semana, exatamente quando Gavin foi morto. Sua esposa disse em depoimento que ele estava empolgado em reencontrar a antiga turma de faculdade e por isso prolongou a estadia em Chicago. Eu não duvido disso nem por um minuto quando os detetives nos mostram imagens de Mason parado do outro lado da rua do prédio de Italia, em todos os dias da semana.
Ela é indiferente à presença dele, saindo e chegando enquanto ele a vigia, segue e conta os tempos que ela passa nos locais. Ele inclusive foi à Safeword e como seu nome não importava pra mim na época, não dei importância a ele na lista de frequentadores do lugar.
Mas cruzando as informações, lá está ele, Mason Chadwick, vendo Italia açoitar, humilhar e transar com outros homens. Ele não a abordou como Gavin. Pra mim ficou claro que Gavin deve ter contado sobre o encontro recente com Lia no Gathering, no Halloween. Isso deve ter dado um nó em Mason, despertado nele uma vontade de vê-la. Tanto que ele não havia buscado informações sobre ela até seu encontro com os amigos. Imagino o tipo de perversão que Gavin falou para que Mason se dispusesse a passar dias na rua, no frio, em busca de observar Italia e ainda mais, qual seria o objetivo dele em fazê-lo com tanta persistência.
Até a sexta, dia 25 de novembro, a rotina de Mason foi a mesma, até comprar um aparelho de celular descartável e à noite sumir, nunca mais retornando ao hotel. No sábado Gavin foi morto.  Mason continua desaparecido desde então, sem nenhum registro de sua imagem, sua frequência em qualquer local diferente que seja monitorado. Nada. O cara virou um fantasma. Bem, espero que só figurativamente.
Eu achava que Mason pudesse estar morto, mas quando tomamos conhecimento de sua rotina durante a permanência em Chicago, até mesmo Rafaella acredita que ele pode ser nosso criminoso, tendo revisitado não somente os amigos, mas também seus sentimentos por Italia. Minha teoria é que Gavin tenha se gabado sobre ter ficado com Italia, despertando um ciúme em Mason. As visitas a Marcus e Clark talvez não tenham sido tão frutíferas, mas ele marcou sua presença, quem sabe para garantir que eles mantenham bem guardados os segredos do passado.
Embora Lia pareça mais suspeita, ela não teve motivos ou encontros com Clark Dickens. Seguindo a ordem das visitas, eu e Rafaella vamos visitar Marcus Sinclair. Ele é um analista de dados dedicado, e não me surpreendo muito quando descubro que ele trabalha, convenientemente na mesma empresa que Italia. Ele nos recebe tranquilamente e nos afasta do local de trabalho, onde seus colegas podem nos escutar.
– Sr. Sinclair, Mason Chadwick o procurou em sua casa este ano. – Rafaella afirma e Marcus concorda com a cabeça.
– Foi num domingo, se não me engano. Eu estava passeando com Sora, minha cachorra, quando ele chegou. – ele dá um pequeno sorriso.
– Nome interessante. – digo estoicamente.
– É uma pequena cidade da Itália. Uma homenagem justa. – ele explica e um arrepio me percorre.
– Homenagem a que exatamente? – Sanchez espreme os olhos pra ele.
– Passei férias ótimas por lá há dois anos. – ele dá de ombros. – Muito vinho e comidas excelentes.
– Que ótimo. – alivio minha expressão. – O senhor está ciente que Mason Chadwick está desaparecido? O viu mais alguma vez desde este domingo que ele o procurou?
– Meu Deus, isso é sério? – ele empalidece.
– Sim, Sr. Sinclair. – Sanchez aponta uma cadeira e ele se senta.
– Ele parecia ótimo no dia, me disse que voltaria para a cidade onde mora, pra esposa e filhos. Trocamos uma conversa rápida porque eu estava de plantão naquele dia e um dos servidores foi derrubado numa tentativa de invasão. Eu me desculpei com ele e vim correndo para a empresa.
Entendi somente que ele precisou sair da companhia de Mason, isso explica honestamente que não tenham ficado mais tempo juntos.
– Não marcaram pra se ver novamente? – pergunto e sua negação é instantânea.
– Tínhamos coisas em comum durante a faculdade, detetive McKenzie, mas o companheirismo é tão forte quanto dure o tempo de convivência. Hoje temos pouco em comum. Eu mantive pouco contato com eles depois da faculdade. Vi Gavin algumas vezes ao longo dos anos e soube que Clark estava envolvido com drogas, infelizmente.
– E com Italia Bianchi e Erin Campbell? Algum contato recente? – Rafaella levanta as sobrancelhas. Sei que quando ela faz isso está querendo ser levemente intimidadora, e consegue. Marcus faz inconscientemente uma expressão surpresa.
– Eu gostaria de ver Erin novamente. Ela era incrivelmente linda e uma companhia divertida com seu humor impagável. Italia trabalha nesta empresa, mas eu raramente a vejo, não somos amigos ou íntimos. Eu sei que ela está aqui porque cuido da segurança dos computadores da empresa, inclusive do dela. Porém eu duvido que ela reconheça minha existência.
– Sr. Sinclair, onde estava nas madrugadas de 26 de novembro e 15 de dezembro? – Rafaella pergunta para cumprir o protocolo.
Marcus pede licença e vai até sua mesa.
– Estava em casa em 26 de novembro, mas em sobreaviso caso algo desse errado na empresa. No dia 15 de dezembro eu estava aqui. Houve um chamado às duas da manhã e eu tenho minha entrada registada na portaria se quiserem verificar.
– Não será necessário agora, Sr. Sinclair. Durante sua conversa com Mason ele perguntou algo sobre Italia Bianchi? – digo vendo-o pensar um pouco.
– Ele quis saber se eu a via ainda, com qual frequência, se eu sabia onde ela morava. Achei que estivesse querendo revê-la, mas estranhei por ele não ter somente procurado nos registros públicos seu endereço, como fez comigo, Gavin e Clark.
– É possível que a Srta. Bianchi não quisesse ver o Sr. Chadwick pelo seu conhecimento dos fatos? – Rafaella introduz o assunto da faculdade.
– Muito possível. Eles não terminaram o relacionamento em bons termos.
– Como foi? – ele é o único amigo de Mason da época que pode dar informações sobre o que o grupo sabia e parece disposto a falar, finalmente.
– Mason tinha um relacionamento intenso com Italia. Eles eram definitivamente o casal mais incrível da faculdade, mas não era raro que eles brigassem muito, por ciúmes das duas partes. Perdi as contas das vezes que eles terminaram e reataram o namoro, sempre no meio de muitas festas. Ela e Erin aproveitavam todas, e isso enlouquecia Mason.
– Como era o relacionamento de Gavin com Mason na época?
– Eles eram dois brutamontes em uma competição por testosterona. Eu fazia parte do time de futebol americano, mas era um bolsista, minha cabeça estava em tirar boas notas e garantir um futuro, já que minha origem era diferente das deles.
Marcus parece um bom homem, honesto e humilde.
– Gavin e Italia se davam bem? – Rafaella questiona e ele dá um sorriso cínico.
– Gavin gostaria muito de se dar bem com Italia. Mas era algo que ele não conseguiria se dependesse dela. Ele não queria Erin porque tinha esperanças que um dia Italia reparasse nele.
– É um quadrado amoroso. – Sanchez brinca ironizando a história.
– Tente pentágono, detetive. – Marcus sorri com Sanchez.
– Clark também gostava de Italia? – é a vez de Lella ficar assustada.
– Não. – Marcus ri. – Eu gostava de Erin. Clark é egocêntrico demais pra gostar de alguém além de si mesmo.
O comentário mais efusivo dele a respeito de Erin do que de Italia faz todo sentido com esta revelação.
– Mas Erin só tinha olhos para Gavin, e Gavin só tinha olhos para Italia e Italia só tinha olhos para Mason.
– Aconteceu algo mais grave entre Mason e Italia? – tento saber o quanto ele sabe sobre a suposta gravidez de Italia.
– Deve ter acontecido. Italia sumiu por um tempo e Erin um dia entrou no refeitório enchendo Mason de tapas, jurando que se ele magoasse a amiga dela novamente ela o machucaria seriamente. Eu a segurei enquanto os outros três riam dela. Francamente, era quase um carinho que Erin fazia em Mason com a força de seu corpo contra ele.
– Você sabe o que foi?
– Não. Eu era da turma de Mason, mas nunca fui o favorito dele.
– Por quê? – Lella parece interessada na história.
– Porque eu não adulava Mason por qualquer idiotice que ele fizesse. Nem concordava com tudo, confrontando-o sempre que podia.
– Você parece um homem sensato. – elogio e ele agradece. – Obrigado por sua ajuda, por enquanto.
Nos despedimos de Marcus e torço para ver Italia pelos corredores, embora estejamos longe de seu andar. Minha ansiedade por vê-la é crescente, especialmente depois que ela saiu arrasada de dentro do distrito nesta manhã. Meu juízo está longe de estar intacto. Tenho dois homicídios e um desaparecimento pra me preocupar, mas o que consigo pensar é só como ela deve estar se sentindo.
No fundo eu sei que ela deve ter corrido para Greg e seu Shibari punitivo. É o modo que Lia consegue lidar com suas frustrações e estou apenas começando a entender desse mundo e da forma como ela vive. Mas gostaria de estar com ela, colocar meus olhos em sua figura, somente para ver como ela reagiu ao interrogatório.
– Não acho que Marcus saiba o suficiente para que Mason venha atrás dele. – Rafaella conclui assim que chegamos ao carro.
– Prefiro pedir uma viatura na frente da casa dele mesmo assim. – manobro para sair da vaga e ela manda uma mensagem ao nosso capitão.
Desde esta manhã ele quer acompanhar nosso progresso de perto para reportar a Alex Grandville. Aparentemente o promotor acredita que Rafaella está se envolvendo pessoalmente no caso, desenvolvendo uma hostilidade prejudicial por Italia Bianchi.
– O que ela tem, Ty? – Rafaella me pergunta após um suspiro.
Quero me fazer de desentendido, porque, caralho, não quero falar sobre Italia antes da minha sessão com o Dr. Newman, senão vou estender o assunto para os minutos que tenho com ele.
– Você dormiu com ela e bastou para ficar hipnotizado. Mason tem uma vida respeitável em Marion e quando volta para perto de Italia Bianchi começa a agir como um retardado. Gavin trepou com ela, provavelmente muito mal, num dia e no outro estava lambendo as pegadas dela pela cidade. O que ela tem, por favor, me fala, porque eu não entendo.
Isso que Rafaella nem conheceu Gregory, o Adônis vivo na Terra, que também seria capaz de qualquer coisa por Lia, apesar de seu discurso de “pisando em ovos ou na merda” e “não se envolva, parceiro”.
– Ela é enlouquecedora, Lella. Eu não consigo nomear quais são os adjetivo que a fazem tão intrigante. Mas ela é uma foda deliciosa com tons de desatino e sensações que nunca senti antes. – respondo e Rafaella me encara como se estivesse falando grego, tão grego quanto o próprio Adônis.
– Por quê? O que ela faz? – aí já é demais. Nem a pau eu vou contar que senti prazer com outro homem, e que enforquei Italia num orgasmo maravilhoso. Nem que ela usou a própria Rafaella pra provocar minha cabeça.
– Não sei, Rafaella. Ela trepa com mulheres também, por que você não vai a Safeword agora que ela não é mais sua principal suspeita? – brinco rindo, mas a imaginação de Lella e Lia juntas me causa uma excitação persistente e eletrizante. Eu daria tudo pra ver isso.
– Eu não trepo com mulheres, Ty. – ela sorri olhando pela janela do carro. – E não acho que eu gostaria de ser amarrada, espancada e xingada pra me sentir excitada.
– Você só pode saber se gosta de algo quando se permite experimentar. Além do mais você pode só observar.
– Eu não acredito que possa me sentir à vontade observando pessoas fazerem sexo com dominação e masoquismo.
– Eu nunca achei que ser chicoteado pudesse me dar qualquer sensação além de uma dor filha da puta, mas não foi bem assim.
– Porra, Tyler, é como se você fosse alguém completamente diferente.
– Pode ser que eu seja, Lella. Eu não sinto mais falta de Sasha, nem culpa por ter me apaixonado por você.
– Você ainda está apaixonado por mim, Ty?
Esta resposta não é simples. Talvez estejamos como os jovens da Universidade de Chicago há anos atrás. Lia gostando do seu “cara”, eu gostando de Lia, Rafaella gostando de mim. Acho que é exatamente isso que ela está prestes a dizer, dependendo da minha resposta. Finalmente Lella me quer, e eu estou envolvido demais com outra pessoa para corresponder isso, embora meu coração ainda a tenha num lugar especial. Ela é a mulher mais atraente que eu conheço.
– Sempre vou estar apaixonado por você, Lella. Eu só não acho que devemos fazer nada sobre isso porque ainda temos as investigações e a nossa relação de trabalho, e estou consertando minha cabeça pra que o Dr. Newman me libere para o trabalho sem restrições.
Um relacionamento com Rafaella só vai piorar todas estas coisas. Fico satisfeito em ter dito claramente o que eu acho. Não devemos fazer nada sobre isso.
– Certo. – ela concorda. – Só uma noite, Ty. – ok, ela não concorda tanto assim. – Me mostre o que ela faz.
Engulo em seco. É algo difícil de resistir e não respondo, porque eu quero dizer sim e não e proporções imensas. Quando dormi com Rafaella foi bom, mas nos sentimos tão culpados que foi ruim. Só quem já teve uma ressaca moral pós sexo recriminável pode entender o tipo de sentimento que tivemos. Nunca mais falamos sobre ou tentamos novamente.
– Vamos falar disso outra hora, Lella. Por favor. – é o que dá pra fazer.
Rafaella respira fundo e volta em silêncio comigo ao distrito, onde repassamos o depoimento de Marcus Sinclair e vou para a terapia em tempo.
Consigo não deixar que Italia monopolize a minha sessão, e conto ao doutor que tenho visitas a apartamentos e pretendo passar o Natal fazendo minha mudança do hotel para algum lugar que me faça sentir em casa. Também tenho a assinatura definitiva dos papéis do divórcio e será numa audiência pessoal, embora agora eu não tenha mais nenhum interesse em ver Sasha na minha frente, fui eu que insisti para que fosse assim.
Eu queria tanto Sasha de volta, que achei que ela reconsideraria seus sentimentos por mim caso me visse com o peso da saudade em seu coração. Isso preocupa o Dr. Newman. Era mais uma atitude autodestrutiva que eu tomaria. O tranquilizo a respeito deste encontro, no que depende de mim, “que se foda a Sasha”. Só quero começar o próximo ano numa paz que eu não reconhecia em mim há muito tempo.
– Fico impressionado com sua mudança de atitude, Tyler. – o velho me elogia com um sorrisinho no rosto.
Ele deve estar satisfeito com o próprio trabalho, mas na verdade o tipo de terapia de Italia e Greg tiveram grande parcela no meu progresso.
– Eu erro pra cacete, doutor. – digo reavaliando diversos dos erros, e continuo errando. – Mas aprendi a me perdoar também. Eu sou só humano.
– Com todas as imperfeições que agora você reconhece.
Concordo com a cabeça. Com todas e incontáveis imperfeições.
– Doutor, é possível se apaixonar por mais de uma pessoa por vez? Ou a ideia romântica do encaixe perfeito com uma única pessoa é sustentada pela psicologia?
– É complexo, Tyler. Encontramos defeitos e qualidades complementares em diversas pessoas ao longo da vida, isso faz com que elas nos atraiam de formas diferentes, às quais chamamos de amor, paixão, devoção, etc. Friamente é possível dizer que sim, é possível se apaixonar por diversas pessoas. Mas como somos todos uma diversidade de sentimentos, você acaba escolhendo aquela pessoa que você gosta um pouco mais, a diferenciando e renunciando às outras.
– É o cerne dos relacionamentos. – concluo.
– Justamente. Está apaixonado, Tyler?
Sorrio e aponto o velho, piscando, como quem diz “me pegou”.
– Pode ser bom pro seu novo ano, e suas novas resoluções. Mas eu recomendo cautela.
Porra, cautela? Ele nem imagina o tipo de coisas que me despertam a paixão ultimamente. Apenas dou uma gargalhada honesta e concordo.
– Pode deixar, doutor. – é o que respondo simpaticamente.
Saio da delegacia com uma vontade irresistível de ver Italia. Apesar de ter me distraído com toda a agitação o dia, a imagem dela chorando na sala espelhada do distrito retorna à minha cabeça de vez em quando. No caminho para o hotel eu ligo pra ela e após alguns toques a voz que me atende é ligeiramente mais aguda.
– Erin? – chamo após um “alô” desanimado.
– Oi, Tyler. – Erin responde. – Ela está dormindo.
– Queria saber como ela está. As coisas não foram muito bem hoje.
– Eu sei. Ela está bem...
– Bem mesmo ou “bem” depois de Greg?
– Você já a conhece o suficiente pra saber a resposta desta pergunta.
– É. – digo num suspiro. – Até outra hora, Erin.
– Eu digo que você ligou. – Erin fala atenciosamente e desliga.
Só consigo pensar nas marcas de corda que devem estar no corpo de Lia.

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