Lia
Andar pela rua com Tyler pela manhã é inusitado, pra dizer o mínimo. Eu não passo tanto tempo com um homem desde a faculdade, há pelo menos uns onze ou doze anos. Meus domingos geralmente incluem me exercitar com Erin, quando ela não está de plantão, e recarregar as energias para a semana de trabalho e diversões mundanas.
A lanchonete fica próxima ao hotel, e suponho que ele coma sempre ali, pois a garçonete o cumprimenta com alguma intimidade. Ele é um homem atraente, com barba e cabelos densos e negros, que combinam com seus olhos, tão escuros que não é possível ver sua pupila.
Tyler é forte o suficiente para estufar a camiseta de manga comprida que ele usa de forma a fazê-la apertada, junto com os jeans que marcam seu traseiro deliciosamente redondo e perfeito. Ele é alto, pelo menos um tanto a mais que eu, mas sua constituição física faz com que eu me sinta ao lado de um gigante.
– Bem vindo, Tyler. – a mocinha em uniforme azul e branco é toda sorrisos quando nos sentamos um de frente para o outro nos sofás altos com a mesa no meio.
– Bom dia, Annelise. – ele sorri e ela fica corada.
– Café? – ela mostra o bule em sua mão, dando-nos duas xícaras.
– Sim, por favor.
Ela olha pra mim e apenas aceno com a cabeça, olhando o cardápio com um sorriso debochado no rosto.
– Posso adoçar pra vocês? – Annelise prestativa oferece e nós dois recusamos, então ela se retira.
– “Posso adoçar seu café com a minha boceta de mel, Tyler?” – afino a voz e falo efusivamente.
Ele ri mais do que deveria.
– Ela só estava sendo gentil. – ele defende sua fã sem muita convicção.
– Uhum, ela quer ser gentil com seu pau. – tomo meu café. – Estou com medo de Annelise ter cuspido na minha xícara.
A gargalhada dele ecoa no lugar quase vazio, ainda é mesmo muito cedo para um domingo.
– Alguém precisa ser gentil com o meu pau. – ele reclama olhando o cardápio.
– Quase, eu disse QUASE, fiquei com dó de você agora, Tyler. – olho pro lado e Annelise está plantada ali novamente com seu sorriso efusivo.
Fazemos nossos pedidos e ela anota sempre com a mesma cordialidade ensaiada, exceto quando Tyler a encara diretamente. Aí vejo seu rosto corar levemente. Ele a provoca fazendo isso algumas vezes e lembro de Erin dizendo que gostaria de namorar alguém seriamente. Minha cabeça lembra da loira dizendo, sem todas estas palavras, que sua cabeça precisa de um pouco de normalidade.
Talvez a minha também grite por isso de vez em quando. Sem o impulso destrutivo que me motiva a ser quem Victor descreveu, alguém perigosamente sem limites. Eu estou feliz sentada à mesa com um homem com quem dividi a cama. Se eu pudesse sentir isso todos os dias, talvez me acostumasse com a ideia. Não acho que quero isso com Tyler, ou qualquer pessoa que já conheça coisas sobre mim que não posso apagar de suas memórias.
Tento focar mais no sentimento do que na pessoa, já que parece mais importante o “como” do que o “com quem”.
– Você conseguiu dormir bem? – ele me pergunta curioso. Faço um sinal positivo com a cabeça. – Achei que pudesse ter estranhado a cama ou a companhia.
– A cama e a companhia foram boas, pirata. Eu fiz qualquer coisa que tenha deixado você preocupado?
– Não. – ele endireita o corpo inconscientemente. É um blefe.
O que eu fiz? Sonhei com algo provavelmente. Odeio dormir em lugares estranhos, ou acompanhada, pela imprevisibilidade do meu comportamento noturno.
– Eu não sei quando me porto pior. Se é dormindo ou acordada. – brinco e sua expressão se suaviza. Ele sai da defensiva.
– Acho que acordada você é um pouco pior, Italia. – ele dá um sorriso simpático.
– Não me chame assim.
– Eu adoro o seu nome. É exótico e vibrante, combina com você. – o encaro com uma careta descontente. – Como você quer que eu te chame? Viúva Negra?
– Lia. – simples e pronto.
– Sem graça demais pra você. – ele suspira enquanto enrolo um guardanapo nos dedos. – O que você faz, Lia?
– Denovo com as perguntas, Tyler? – respiro fundo e o encaro. – O que importa o que eu faço?
– Estou conversando como uma pessoa normal.
– Qual parte da nossa interação te deu a ideia que eu sou remotamente normal? – a ironia me toma de assalto.
– Provavelmente o sono. – seu sorriso vitorioso sobre mim é escancarado.
Ele sabe algo sobre mim, uma vulnerabilidade incontrolável. Prendo a mandíbula com força na expressão mais rancorosa que eu consigo.
– Relaxa, Viúva Negra. Estou falando que a coisa mais normal que eu te vi fazendo foi dormir. Pelo menos você precisa disso como o resto dos mortais. – ele brinca.
– Quando você vai implorar pra Sasha te aceitar de volta? – ataco como uma defesa, não consigo evitar. Tyler me olha raivoso. Se eu estivesse usando uma calcinha, ela ficaria encharcada só com este olhar.
– E por que você acha que eu vou fazer isso?
– Porque você está morando num hotel, Tyler. Você não admitiu sua vida de divorciado o suficiente para achar um lugar decente pra morar porque espera poder morar na sua casa antiga. Quão normal é isso?
– Preciso ir ao banheiro. – ele levanta irritado e se afasta.
As palavras dele sobre normalidade e as concepções de Erin sobre quem deveríamos ser, as pessoas triviais que namoram e se relacionam com outras, me causam uma pequena inquietação.
Vejo Tyler andar pela lanchonete sob o olhar de admiração de Annelise e não consigo me ver como ela, me interessando romanticamente por um homem que vai me fazer todos os tipos de perguntas, mesmo que ele me faça eventualmente feliz.
Pego a bolsa e coloco uma nota de cinquenta sobre a mesa, debaixo da xícara de café, então saio o mais rápido que posso da lanchonete. Entro numa estação próxima de metrô e me distancio de Tyler e seu interrogatório matinal. Durou pouco a minha ponderação sobre o “normal” até que algo que estava latente em mim começasse a doer.
Procuro a chave de Erin na bolsa e abro a porta de seu apartamento. As roupas pelo chão me denunciam que ela não está sozinha e espio na porta do quarto. Há uma mulher e um homem deitados com ela na cama.
Filha da puta, tenta me convencer que eu preciso considerar um relacionamento comum e se enfia num ménage na primeira oportunidade.
Deito no sofá da sala comendo uma tigela de cereal e pego no sono até que o trio tenha decidido voltar ao mundo dos vivos. Não é difícil deduzir que a festa continua no quarto de Erin, com música alta, risadas e gemidos. Eu odiaria ser vizinha dela.
Vejo o homem atrelando seu corpo ao de Erin, que está de quatro na cama com o rosto enfiado em meio às pernas da outra mulher. Sempre admirei a forma que Erin faz sexo, admitindo que seu desejo é ilimitado, e assim, seu prazer também. A garota é uma morena saída da capa de qualquer revista de boa forma. Seu corpo é escultural e ela deixa Erin percorrê-lo com as mãos, enquanto geme na língua da loira mais sensual de Chicago.
Só a visão disso já deixaria qualquer homem em ponto de enlouquecer, mas o sujeito ainda está tendo o privilégio de socar seu pau dentro dela. Eu sei como Erin gosta, e não é como ele está fazendo. Entre os gemidos de todos, eu me aproximo dele pelas costas e percorro seus braços com minhas mãos. Passado o susto inicial de ser tocado, ele empalidece quando vê meu rosto.
– Parece que você a fode melhor com meu pau na sua bunda. – sussurro num sorriso, reconhecendo-o da noite em Safeword.
– Caralho. – ele não consegue parar de se mover e eu seguro seu quadril.
Ele estremece, preocupado que eu vá repetir minha peripécia, eu apenas o ajudo a se mover, mexendo meu quadril por trás dele, aumentando o prazer de Erin, cujos gemidos abafados melhoram consideravelmente. Ele também aproveita e passo a mão em sua bunda, sentindo-o contrair-se inteiro.
– Por favor, não. – farejo o medo em sua voz.
Meu corpo inteiro se aquece e abro espaço com meus dedos.
– Por favor, não. – ele pede denovo, puxando o ar com força, eu espalmo a mão esquerda sobre a lombar de Erin, fazendo uma leve pressão que a leva a empinar a bunda.
– Lia... – a voz de Erin me chama sofregamente e meu dedo médio direito escorrega para dentro dele.
Ele goza instantaneamente, junto com Erin. É uma cena linda.
O prazer anal dos homens é muito maior do que das mulheres, indiscutivelmente, o preconceito também. Nunca conheci um homem que não tivesse uma fascinação natural em foder uma mulher por trás, mas poucos se dispõem a brincar com esta zona erógena em seus próprios corpos.
Eu gosto de expô-los ao limite. Não apenas provocar prazer, mas fazê-los questionar tudo o que vem depois sobre suas próprias sexualidades. O prazer não conhece opção sexual, ele acontece indiscriminadamente quando estimulamos uma parte do nosso corpo. É idiotice prender isso a rótulos que damos a nós mesmos e acabar perdendo boa parte do que nossos corpos poderiam sentir.
Ele continua gemendo, mesmo depois que seu corpo já amoleceu por completo.
Este orgasmo está acontecendo agora em sua cabeça e não mais no seu corpo. É isso que eu faço. Transformo o que acontece fisicamente numa experiência cerebral, e o que é reservado ao pensamento numa evasão corpórea. Isso só é possível ultrapassando gloriosamente os limites chatos que Victor quer que eu tenha.
Me debruço sobre o corpo do homem e ele parece muito satisfeito. Encosto os lábios nos dele levemente.
– Você está bem. – afirmo e mesmo assim ele concorda com a cabeça.
– Eu nunca gozei assim.
– Isso é bom, não é? – sorrio vendo meu reflexo em seus olhos.
– Eu quero comer você. – ele pede.
– Não estou na lista de convidados desta festa. Foi só uma participação especial. – pisco para Erin me levantando da cama.
– Te ligo mais tarde, meu amor. – ela promete quando beijo sua testa.
Saio do quarto rindo sozinha. Acho que estamos a salvo de qualquer problema com este homem. Quase ligo para Victor na mesma hora para tranquilizar o medroso, e me lembro de seu jeito assustado quando falou sobre a intimação para uma lista de frequentadores de Safeword. Na hora eu estava brava com ele e não dei importância, mas algo em mim se arrepia.
Tomo o rumo da minha casa finalmente. O dia começa a anoitecer e quando chego no meu apartamento, como qualquer bobagem e vou para a cama assistir um filme. É a minha velha rotina de descanso até que Erin me ligue para contar os detalhes sórdidos de sua aventura a três.
– Você podia ter ficado. – ela diz em meio a uma risada ótima depois de contar que praticamente teve que expulsar os convidados de sua casa.
– Não esperava que fossem recomeçar tudo. Eu só descansei e então fui embora.
– Algo importante aconteceu? Você precisava de mim? – ela parece preocupada.
– Não. Claro que não. Embora eu sempre precise de você, não era nada sério.
– Victor realmente pisou na bola com você.
– Esqueça isso, Erin. Eu não quero que você brigue com Vic por minha causa. – solto um suspiro.
– Não é brigar.
– Está tudo bem. – garanto entrando no banheiro e olhando as marcas no meu pescoço pelo espelho.
– E o que vem a seguir?
– O de sempre, meu amor. – sorrio reparando nas olheiras.
– Até quarta então.
– Vamos nos falar antes de ir ao Safeword, ou você vai fingir que não existo por dois dias?
– Pretendia, mas tenho certeza que você não consegue ficar afastada de mim. – ela ri.
– Como uma lobotomizada eu vou te seguir por aí. – correspondo a risada.
– Como o zumbi Gavin. – ela brinca e meu estômago se revira.
– Por favor, pare de falar nele. – peço sentindo um calafrio.
– Cuide-se, meu amor. – ela pede.
– Sempre. – beijo o aparelho de telefone e ela faz o mesmo antes de desligar.
A semana não começa diferente de nenhuma outra, exceto que, quando chego na minha mesa há um pacote sobre minha mesa do escritório.
– Heather. – chamo a secretária e ela atende prontamente. – Quem deixou isso aqui?
– Chegou da portaria, Srta. Bianchi. Não saberia dizer.
Lógico que não. A única pessoa que penso é Erin, mas ela não teria tido tempo de pensar em qualquer coisa para me presentear ou surpreender visto seu dia cheio, em todos os sentidos. Me aproximo do pacote como se fosse uma bomba, esta é minha intimidade com presentes. Abro desconfiada. Há uma algema dentro, com um bilhete.
“Para te prender à mesa na próxima vez que formos tomar café. Com carinho, Ty.”.
Meu telefone toca sobre a mesa e o visor mostra um número desconhecido, atendo colocando o bilhete de volta na caixa e fechando antes de fazer um sinal para Heather sair.
– Você me deixou um presente, achei que deveria retribuir. – lembro desta voz no meu ouvido.
– Estou oficialmente assustada. Você sabe onde eu trabalho e meu telefone. Estou considerando me mudar de Chicago. – digo me aproximando da janela.
– Se você se chamasse Jane eu teria tido mais trabalho em finalmente achar no Google o que você faz e onde trabalha. – Tyler parece estar sorrindo do outro lado da linha. – Não é nada impressionante, por sinal, pra você fazer tanto mistério.
– Eu sei que não é, só não gosto de dar informações pessoais.
– Eu entendi. Entendi por que você não gosta da pessoalidade de nomes, até porque o seu é tão incomum que torna fácil pra qualquer um te achar. Seu trabalho tem tudo a ver com privacidade.
– Qual deles? O de tecnologia ou o de amarrar e torturar pessoas. – dou uma risada divertida.
– Os dois, realmente. – ele faz uma pausa como se tomasse ou comesse algo.
– Posso pensar em algo melhor pra fazer com seu presente em vez de me prender a uma mesa.
– Gostaria que me dissesse pessoalmente.
– Achei que você estava bravo comigo.
– Eu sempre estou bravo com você, Italia. Você me frustra, me desorienta e me machuca.
Eu sorrio.
– E aposto que está rindo ao me ouvir dizer isso. Mas eu sempre gostei de enigmas e você é um com pernas.
– Aparato de tortura e enigma com pernas, meus adjetivos continuam aumentando.
– Exponencialmente, uma lista longa como suas próprias pernas.
– Embora eu fique lisonjeada, com sua habilidade de perseguidor, pelo presente e pela vontade de usá-lo comigo, eu preciso recusar, Ty.
– Recusar qual parte?
– Tudo. – digo firmemente.
– Ok.
– Obrigada, Ty. – desligo.
Estoicidade e rejeição, e a semana está só começando.
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Safeword
RomanceQuando o detetive Tyler McKenzie é chamado para investigar um homicídio parecia que nada poderia ficar pior em sua vida. Como ele mesmo vai descobrir, as aparências enganam, e as coisa sempre podem piorar. Ele entra no submundo do sexo em Chicago, a...