Tyler
A Viúva Negra solta meus braços e pernas das amarras, ainda se movimentando nua pelo quarto envidraçado. Eu levanto da cama e tiro a camisinha com cuidado. Devo ter gozado litros e litros que estavam há meses em mim. Minha cabeça parece até mais leve, embora meu corpo doa como se eu tivesse sido atingido no peito por um touro.
Olho para meus punhos e tornozelos. Está bem explicado como Gavin Linden conseguiu suas escoriações. Não estou achando que deva ter sido com ela. Já que o colega disse que ele estava o mês inteiro agindo estranho e ela não repete os parceiros, pode ser que Gavin tenha estado com qualquer pessoa do clube.
Eu penso tudo isso numa fração de segundos. Olho a morena colocar a roupa em silêncio e não sei exatamente como agir. Minhas roupas ficaram lá fora no camarote. Necessariamente não acho que as pessoas ficarão ofendidas se eu sair pelado andando por aí. Vou parecer melhor ajustado do que com roupas, na verdade. Mas não é meu modo preferido de me apresentar.
Pensei diversas atrocidades sobre quem gosta de apanhar ou sofrer qualquer tipo de violência, e confesso que fiquei assustado com o tesão tão rústico que senti enquanto a Viúva Negra me batia. Das duas uma: ou a violência num ambiente controlado pode ser absolutamente sexual, ou eu estou mais maluco do que eu imaginava.
Meu alívio psicológico foi quase instantâneo quando ela deixou de me ameaçar para realmente me causar dor. Eu me senti feliz em algum nível, além de excitado ao extremo. É como se eu tivesse finalmente sido punido por ter sido um péssimo marido, um profissional duvidável e alguém condenável.
É como ser uma criança que se sente desculpada depois do castigo por alguma coisa que tenha aprontado erroneamente. O Dr. Newman com certeza vai ter uma teoria comportamental intensa a desenvolver pra explicar o conforto mental que eu sinto neste exato momento, em que meu maior dilema é sair andando pelado por aí.
O cheiro da gata, a imagem de seu rosto enigmático, a sensação de seu corpo me apertando com a boceta mais deliciosa que eu já comi na vida e a dor intensa sem poder me mover foram uma combinação surreal pra mim. Meu problema está na minha cabeça, nas expectativas que eu criei sobre quem eu devo ser.
Meses de terapia e eu me descubro como uma porra de livro aberto num quarto de clube de sexo, depois de ser açoitado como um bicho e ter fodido com a mulher mais desejada da noite. Caralho, parece o melhor dia que eu tive em séculos.
– Está tudo bem? – a mulher termina de colocar o body de veludo que cobre seu corpo delicioso.
– Não sei dizer. – me levanto esfregando os punhos e ela me olha nos olhos.
– Você precisa de um drink, pirata. – ela diz isso sem nenhuma emoção na voz.
Ela deve ter entrado no piloto automático, na parte que é igual para todos os caras com quem ela fode desse jeito.
– Como você consegue fazer isso toda noite? – minha cabeça sabe que é o caminho errado, mas já saiu da minha boca. Foda-se, ela não vai me ver novamente mesmo.
Ela abre um sorriso que parece empinar ainda mais seu nariz delicado. A gata vira puro deboche na minha frente e sai do quarto tão dona do lugar como quando me trouxe aqui. Ela está sentada em seu trono no meio da selvageria quando chego para pegar minhas roupas no camarote. De alguma forma eu pareço mais interessante para as mulheres do lugar agora que ela me tocou com seu toque de Midas da depravação.
É como se eu tivesse sido marcado com um signo devasso que permite que eu seja parte de um mundo onde as pessoas corrompem o prazer com dor. Minha cabeça gira em pensamentos controversos. Uma parte de mim, ortodoxa, quer que eu continue achando que sexo é algo especial entre duas pessoas. Outra parte de mim, mais instintiva, quer que eu implore à Viúva por mais cinco minutos de espancamento.
Visto-me com ela me olhando. Começou humilhante, foi bastante humilhante, e termina, vejamos, com um pouco mais de humilhação. Eu iria embora caso tivesse qualquer juízo, mas decido que é a segunda e última vez que piso neste lugar, então é melhor tomar mais uma cerveja e aproveitar a minha noite de celebridade, já que todos me olham com interesse.
Não dirijo mais a palavra à Viúva Gata, porque o negro aqui sou eu, e desço de seu camarote com pessoas me apalpando e passando a mão como se eu fosse uma subcelebridade por ter trepado com a celebridade.
Se serviu pra qualquer coisa além de um gozo fenomenal, esta experiência está me mostrando que eu sou até que são perto dessa gente deturpada. Tomo minha cerveja com calma, próximo ao bar, tentando não ligar para os olhares sobre mim, tentando pensar em como descrever tudo isso na terapia. Não vai ser fácil, nem que eu esconda os piores detalhes.
Algum tempo passa até que eu decida sair do inferno disfarçado de clube noturno chamado Safeword. Recobro minhas coisas do armário e pago a conta, devolvendo a pulseira eletrônica. Deve ser o material mais resistente do mundo por não ter se quebrado com as amarras da Maluca Negra, ou Viúva Gata, ou qualquer que seja o nome dela.
A noite está gelada, e eu não sei que horas são. Incrivelmente pegar meu celular para checar mensagens ou as horas não foi a primeira coisa que eu fiz. O velhote psicólogo diria que foi mais um progresso. Um dos seguranças da casa está na calçada com uma garota. Eu quase não a reconheço vestida completamente, mas seu cheiro ainda está em mim vividamente. Ela me olha de um jeito nada convidativo, me impressionando com sua habilidade em falar com os olhos. Enfio as mãos nos bolsos da calça e dou dois passos na direção contrária onde estão alguns táxis encostados, cumprimento o motorista e entro no carro.
Eu nunca dormi tão bem, ou tão profundamente. Me atraso para o trabalho e quando chego Rafaella já está agitada com as novidades sobre o caso. Parece que os peritos em tecnologia têm informações coletadas no celular de Gavin, além de estarem prontos os exames toxicológicos. Alguns dias de marasmo e no único em que eu relaxo um pouco, tudo acontece.
– Você está um lixo. – Sanchez me elogia logo que chego. Não dei nenhuma atenção pra minha aparência. Até onde eu sei posso estar comum fio seco de saliva cruzando o rosto.
Entrego o café que comprei pra ela.
– Você está ótima. – me sento em frente ao computador.
– Então, os rapazes da tecnologia passaram uma lista de contatos frequentes de Gavin Linden, assim podemos identificar quem são seus amigos mais íntimos. Também encontraram algumas ligações no dia da morte. – ela dá uma pausa para o café. – Parece que foram feitas de um telefone descartável.
– Ou seja, qualquer um com 50 dólares poderia ter entrado em contato com ele.
– Não ajuda muito mesmo. Porém pode ser tenhamos uma pista sobre o cartão que estava nas coisas dele. Um escrito... – ela procura alguma coisa sobre a mesa.
– Safeword. – poupo o trabalho de Rafaella e seus olhos castanhos fitam os meus.
– Isso. Parece que é um clube de sadomasoquismo, algo meio esquisito assim.
– Eu sei. – digo esfregando o rosto.
– Você sabe? – sua expressão de pergunta é inconfundível.
– Eu fui lá civilmente. – digo como se não fosse grande coisa. – Não investiguei nada ou mencionei Linden. Foi um reconhecimento de terreno.
– E como foi?
– Interessante... mas estranho.
– Não me surpreende. Quão fodido alguém precisa ser pra gostar de objetos estranhos em orifícios corpóreos, imobilização e dor? – ela dá um riso de desprezo.
– É. – só consigo concordar enquanto a memória do chicote da Viúva estalando no meu peito me dá uma excitação incontrolável.
– Vamos pedir um mandato pra uma lista de frequentadores. Parece importante estabelecer se o comportamento alterado de Linden tinha algo a ver com suas idas ao Safeword. Já que esteve lá, você acha que é possível que o lugar desvie assim alguém que parecia não pisar fora da linha?
– Com certeza. – meu olhar é meio perdido entre as memórias da noite anterior e o que eu quero concluir sobre Gavin.
A verdade é que entendo perfeitamente o que o colega de trabalho dele quis dizer. Eu me sinto exatamente como ele descreveu, meio perturbado, mas estranhamente feliz.
– O exame toxicológico, por outro lado mostrou a presença de uma quantidade pequena de Rohypnol. – Sanchez me entrega alguns papéis. – Apenas. Nenhuma droga de qualquer outro tipo.
– Claro, o Sr. Comida Orgânica devia se tratar para qualquer coisa com fitoterapia e luz do sol. Eu vi os armários dele, nem aspirina ele tinha. – digo observando o laudo. A quantidade é realmente ínfima.
– Alguém o drogou com isso só para deixá-lo meio zonzo.
– Mas ainda consciente. – concluo e ela concorda com a cabeça.
– Se ele tomasse remédio pra dormir com certeza não seria tão pouco.
– E a concentração plasmática seria ligeiramente maior por causa da memória de uso.
– Isso só fica mais parecido com um filme de terror a cada segundo. – jogo os papéis sobre a mesa.
– Espero que não, McKenzie. Nos filmes sempre morre um policial da dupla protagonista. Eu quero continuar por aqui. – ela sorri e se senta em sua cadeira.
– Estamos procurando um assassino de uma bola só que usa telefones descartáveis e um vidro de Rohypnol no bolso. Caralho... – coço a lateral da cabeça e sinto o cheiro da gata no meu antebraço, mesmo depois do banho na noite anterior consigo sentir a carga aromática de vertiver e âmbar.
É como um soco na minha cara. Por mais que eu saiba que exorcizei um demônio ontem, não posso seguir esta religião. Aquele bando babando pela deusa de olhos verdes me lembrou em muito a legião acerebrada de zumbis que persegue os humanos em The Walking Dead. Eles comeriam a Viúva Negra se tivesse consciência de sua força como horda. Mas como é ela que manda, eles se recolhem a uma insignificância chancelada por ela todas as vezes que anda pelo Safeword como uma rainha, temida e adorada em proporções idênticas.
Meu pau tem um espasmo na calça quando lembro da visão de sua pele clara envolvendo a minha pele negra, mesmo com a camisinha, ainda mais na parte onde ela é incrivelmente mais rosada e úmida. Puta merda, eu aperto os dedos nos braços da cadeira, tentando guiar minha mente por caminhos menos tortuosos.
– Nesta sua aventura pelo submundo de Chicago... – Sanchez tomba a cabeça para o lado e saio do meu transe. – Você finalmente fez sexo?
– Não é da sua conta, Sanchez. – digo rápido e desvio o olhar. Rafaella me conhece bem e a mulher é quase um detector de mentiras humano.
– Ela te bateu, ou você bateu nela?
– Puta que pariu. – levanto da cadeira fugindo dos risos dela o mais depressa possível.
Na parte da tarde, conseguimos contato com alguns dos amigos de Gavin, os mais presentes em sua vida. Um cara em particular parece inconsolável, Fred Preston. Ele mal acredita quando digo que estou investigando a morte de Gavin Linden pelo telefone, me perguntando diversas vezes como isso aconteceu. Aparentemente ele está fora do país a negócios e quando partiu, no começo de novembro, deixou o Sr. Linden em perfeita saúde.
– Ele é meu melhor amigo. – Fred balbucia no outro lado da linha.
– Então talvez você seja a pessoa com quem eu devo conversar, Fred. – digo consternado por ter sido o portador das péssimas notícias.
– Eu sei. Claro. Só que eu estou em Bangladesh. E ainda tenho que ficar até o meio de dezembro. Eu volto a Chicago somente antes do Natal.
Isso não me ajuda muito.
– Pode me dizer o que se lembrar, o que ache relevante, pelo telefone mesmo. Embora eu precise do seu depoimento pessoalmente quando você voltar. – tento facilitar nossas vidas. Vai que a sorte continua do meu lado.
– Agora eu não consigo pensar em nada. Você sabe, Gavin era um cara ótimo, legal e sem vícios.
– É, eu sei. – concordo.
– Estou em choque, detetive McKenzie. Talvez eu precise de um tempo para pensar se posso ajudar em algo. – ele parece realmente triste.
– Claro. Você tem o meu número. Me ligue caso pense em algo. Eu entro em contato com você em alguns dias.
– Ótimo. Obrigado.
– E, obviamente, sinto muito pelo seu amigo.
Desligo imaginando o quanto Fred possa realmente saber sobre Gavin. O mais próximo de um “melhor amigo” que eu tenho é Sanchez. E ela nem é um amigo. É uma amiga. Acho que posso ser oficialmente considerado um eremita e criar um idioma próprio se continuar assim nos próximos anos. Se eu morresse, ninguém saberia por onde andei.
Olho para o relógio e dou o dia por encerrado.
Passo num bar a caminho do hotel. Eu odeio beber quando estou dirigindo, mas penso que uma dose e um pouco de relaxamento a uma quadra do hotel não são uma receita de desastre. O barman pergunta qual é meu veneno e rio ironicamente. Meu veneno é o perfume da mulher com apelido de aranha. Eu queria que o veneno dela tivesse me matado de verdade. A Viúva Negra. Eu pareço um cafetão de novela mexicana, bebendo pra não lembrar da mulher que não vou ter nunca e pra completar meu ridículo absurdo, eu peço rum. O Kraken.
Basta um gole pra lembrar do seu hálito. Eu devia ter beijado aquela boca.
– Problema com a mulher? – o barman pergunta limpando o balcão ao analisar minha expressão.
– É assim evidente? – dou um sorriso e viro a bebida querendo voltar ao exato momento que ela arrancou minha roupa. Ou melhor, um pouco depois disso.
– Geralmente é. – ele enche o copo.
– Há um dia atrás eu não imaginaria estar num bar, rezando pra uma mulher sair da minha cabeça. Querendo esquecer o que aconteceu comigo e ficar só com a consequência dos fatos, entende?
– Não. – ele é honesto.
– Claro que não. Nem eu entendo. – termino a bebida e coloco algum dinheiro sobre o balcão antes de sair.
– Vá atrás dela. – o barman diz assim que abro a porta.
Eu, e todos os adeptos ao BDSM de Chicago.
Meu sonho não podia ser diferente, carregado dela, de cada sensação de dor e prazer que eu tive, intensificadas pela liberação do meu subconsciente. Eu a seguro em minhas mãos, deixando marcas com as minhas digitais em seu corpo. Quando trepamos ela não soltou minhas mãos e isso concentrou toda minha sensação tátil diretamente no meu pau.
Gozei como nunca. Devo ter ejaculado uma parte do meu cérebro pra fora do corpo, me transformando em mais um zumbi da horda Safeword.
Acordo tendo um orgasmo intenso, só estimulado pelo sonho erótico com a gata. Meu corpo estremece e minha voz sai forçada da garganta num gemido exagerado enquanto me contorço. Levanto da cama meio desnorteado e tomo uma chuveirada rápida antes de me trocar. Entro no carro ciente de que estou fazendo uma idiotice sem tamanho. Já passou da meia noite e não vou poder entrar no clube, mas minha cabeça não raciocina. Eu só quero vê-la denovo, nem que seja pra mandar sair da porra da minha cabeça.
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Safeword
RomanceQuando o detetive Tyler McKenzie é chamado para investigar um homicídio parecia que nada poderia ficar pior em sua vida. Como ele mesmo vai descobrir, as aparências enganam, e as coisa sempre podem piorar. Ele entra no submundo do sexo em Chicago, a...