Lia
De todas as coisas que passam pela minha cabeça quando entro na pista de dança em Safeword, a que eu menos quero pensar é em como posso resolver minhas pendências com Tyler e na razão pela qual isso me afeta tanto. As respostas que ele precisa dançam na minha cabeça tanto quanto a multidão que se chacoalha ao som da música eletrônica e tento desviar delas tanto quanto dos meus próprios sentimentos.
Saí da delegacia com um nó na garganta. Eu não posso culpar o homem por estar fazendo seu trabalho e nunca vou ter a benevolência de Rafaella Sanchez. Talvez eu mereça ser presa pelo que aconteceu com Gavin. Seria a forma mais fácil de pagar meus pecados, e quem sabe fosse até menos doloroso. Eu não quero sucumbir às sombras dentro de mim, ao que me faz querer distanciamento dos meus problemas, mas talvez eu precise mesmo encarar minhas culpas de frente.
Porém o que está mais claro é que eu só queria que ele confiasse em mim porque gosto dele. Tyler não rastejou ridiculamente aos meus pés. Ele é um homem traumatizado, diferente e eu queria mais dele, simplesmente porque nosso tempo juntos reanima em mim alguns sentimentos que já foram bonitos. Eu admito que gosto de Tyler, talvez não para namorar, como Erin sugeriu. Mas sua companhia me acalentava, até hoje pelo menos. Até ser intimada a cutucar feridas antigas, que eu prefiro deixar esquecidas.
Sinto uma crescente necessidade de estar no lado B da minha vida, enquanto todo o resto, o que me faz humana, é mecanizado e automático. Cada vez mais o que me sacia é a entrega ao meu lado depravado e sem limites, como se esta, em roupas mínimas e sede de dor, fosse a verdadeira eu.
Meu pai sempre dizia, nas poucas vezes que conversamos durante a minha vida, que criar um animal selvagem como se fosse de estimação é garantia de que ele mesmo irá te matar enquanto você estiver distraído. Italia Bianchi esteve distraída por tempo demais enquanto a Viúva Negra se alimentava dela, fingindo uma dormência calculada.
Comecei a praticar dominação como um passatempo sexual. Então virou a forma de vazão dos meus sentimentos não resolvidos, a execração das minhas dores. Agora parece um tsunami me engolindo sem chance de fuga. Eu ia a Safeword uma vez por mês, depois duas, depois semanalmente e agora parece ser o único lugar onde me sinto bem, onde eu possa pertencer.
Erin anda comigo, carregando os olhares que se viram para nós enquanto aperto os enforcadores nas mãos. Eu subo as escadas para o camarote e engulo uma dose de Kraken sem nenhuma dificuldade. A bebida gelada parece um balde de gasolina em uma fogueira que já queima vivdamente.
A loira dança e a música não para, enquanto encosto o corpo no metal do parapeito para observar os frequentadores. A noite está especialmente animada, há várias pessoas interagindo em brincadeiras sexys e há mais pele do que roupas à mostra. Eu sorrio instintivamente, como se minhas preocupações estivessem dando espaço ao efeito do álcool no meu cérebro.
Victor deve estar especialmente feliz. Uma casa cheia sempre rende bons lucros. Erin me mostrou orgulhosa a publicidade direcionada ao celular dos cadastrados na casa mais cedo, dizendo que a Viúva Negra estaria em Safeword esta noite. Ela está mesmo. Mais do que nunca.
As mãos de Erin envolvem a minha cintura e ela me abraça por trás, dançando comigo. Suas mãos percorrem o tule preto que cobre meu corpo, e as pessoas mais próximas de nós erguem os olhares.
– Escolhendo sua vítima, Viúva Negra? – a voz divertida me provoca.
– Sempre, meu amor. – coloco as mãos sobre as dela enquanto ela percorre meus seios.
É neste momento que avisto Tyler no bar, entre o mar de gente são seus olhos negros que prendem minha atenção. Meu interior se revira e minha face se fecha. Há uma eletricidade entre nós que me impede de desviar dele, mesmo que eu queira.
– É ele? - Erin pergunta e só assinto com a cabeça. – Parece que seu veneno é mais forte quando você repete as figurinhas.
Dou um sorriso irônico. Quero cravar as unhas em Tyler e fazê-lo gritar dolorosamente. Eu não preciso esconder que estou insatisfeita com ele. Minha vontade é castigá-lo impiedosamente.
– Vá buscá-lo pra mim. – falo alto, e Erin me encara divertida.
Ela pega um dos enforcadores que estão pendurados no parapeito à minha frente e desce as escadas com um sorriso fascinante no rosto, a vejo abrindo espaço como se Moisés abrisse o Mar Vermelho e Tyler continua me encarando. A loira nem imagina que ele queria conhecê-la, e chega perto dele sem nenhuma palavra, colocando a corrente ao redor de seu pescoço. Ele nem hesita, deixando-se levar enquanto desço as escadas.
Exatamente no centro da pista há um pequeno palco com dois postes de dança, onde as pole dancers mais ou menos especialistas nesta arte animam a noite. É ali que encontro os dois guardiões da minha insanidade. Erin transfere a corrente para minha mão e o olho com fúria.
– Lia… – ele coloca a mão na minha cintura e eu bato nela com força.
– Cala a boca. – é a primeira vez que uso minha frase costumeira com ele.
Um dos garçons se aproxima de mim e faço uma pequena encomenda.
– E continue com a música. – completo. – Ele vai gritar mais alto que ela de qualquer forma.
O jovem me olha atônito e só concorda.
– Suba. – aponto o palco.
Tyler está relutante.
– Suba ou vá embora. – ninguém pode dizer que não fui flexível.
Ele pondera por alguns minutos, mas me olha como se não conseguisse ir, mesmo com todos seus sentidos o dizendo para sair correndo. Então ele sobe. A este ponto muitos já pararam de dançar e um círculo se abriu ao redor de nós.
Eu subo com ele e seu rosto me acompanha enquanto dou uma volta em torno dele.
– Você gostou de me expor, Tyler? – digo encarando seu rosto. Chego a ficar rouca de exasperação.
Ele nem tenta me responder para que eu não o mande se calar novamente. O garçom volta com minha bebida e uma caixa e deixa ambas na ponta no palco.
– Tire as roupas. – ordeno e Tyler me olha com ódio. – Você pode ir embora se quiser. – dou-lhe duas. – Amanhã eu te apresento Erin oficialmente e é isso.
Ele bufa e arranca a camiseta e os jeans. Seu corpo musculoso é uma visão sob as luzes frenéticas. Tyler parece ainda mais gostoso quando termina de ficar completamente nu. A multidão delira e eu rio tomando um gole de rum. Algemo Tyler entre os dois postes, uma mão de cada lado, fazendo com que ele fique de braços abertos, rendido a mim e a todos que estão no clube. Não chega nem perto de como me senti exposta em seu interrogatório hoje.
Eu dou uma primeira chicotada ardida em suas costas e ele se balança para frente. Não escuto mais a música ou os gritos. Minha mente me leva a um estado fleumático às intervenções externas. Bato novamente, com força e só o que consigo ouvir é o grito de Tyler. Passeio o chicote em seu corpo, dando a volta por ele. Paro em sua frente e levanto as sobrancelhas.
– Qual é a palavra de segurança?
– Gavin Linden. - ele fala entre os dentes, me provocando.
Puxo o ar com fúria para os pulmões e levanto o braço, acertando seu ombro. O couro estala na pele negra reluzente em suor e ele espreme a face em dor.
– Que tal Sasha?
– Você me curou desse mal algumas noites atrás. Tem que fazer melhor do que isso.
– Rafaella quem sabe? – falo e ele prende a mandíbula.
– Ainda é um assunto sensível.
– Vai se foder, sua doida. – aí está, raiva e frustração. – Italia, então.
– Não me lisonjeie tanto, seu merda. Não acho que eu tenha perturbado você metade do que a dupla dinâmica já conseguiu. – passo o chicote entre suas pernas, brincando com suas bolas. – Você gosta disso? Deve gostar, já que deixa elas brincarem o tempo todo com sua masculinidade.
– É você que gosta de brincar com testículos, Italia? Gostou de enfiar um na boca de Gavin?
Um arrepio e um breve enjoo me percorrem. Estalo o chicote entre as pernas de Tyler e ele se contorce de dor.
– Cala a boca. – ordeno e ele me encara. – Você se orgulha de ser um homem admirável, Tyler? Era este seu maior desejo? Que olhassem pra sua vida invejável com sua esposa e pensassem: “Aí está um homem direito.” – bato nele novamente e vejo minhas palavras finalmente fazerem efeito.
O ponto fraco de Tyler são as coisas que ele acha que falhou na vida. Ser um homem à moda antiga é uma delas. Ele suspira com força.
– Fala a palavra de segurança, Tyler. Porque estou louca pra ver você fracassar em suportar isso aqui também. – aproximo bem o meu rosto do dele e aperto suas bolas na minha mão.
Tyler grita com uma cólera absurda, seus olhos se enchem de lágrimas e seu corpo inteiro fica tenso. Ele tem a expressão transtornada e quando para de gritar vejo sua pele se arrepiar e seu pau ficar completamente duro. Olho ao redor e as pessoas estão animadas com a selvageria, Erin aplaude com o olhar. Percorre a extensão do pau de Tyler com o chicote e dou uma pequena batida nele. Sua ereção persiste e ele fecha os olhos, levantando o rosto, numa tentativa inútil de se controlar.
Bato nele novamente, desta vez na barriga definida, onde já perdi minha boca algumas vezes. Ele controla a reação de seu corpo com maestria.
Aponto outro rapaz e ele sobe no palco, completamente excitado dentro dos das calças.
– Ajoelhe-se. – ordeno e ele cumpre na mesma hora.
Encosto minhas costas em Tyler e afasto a calcinha lateralmente. Tyler respira fundo como se quisesse absorver meu cheiro e uma mão minha o masturba. Eu o seguro firme entre os dedos, para cima e para baixo causando uma aceleração em seu coração, que ouço atrás da minha cabeça.
Erin me dá um sorriso triunfante apesar de eu saber que Victor vai me recriminar depois por estar fazendo isso em público. Agarro os cabelos do homem ajoelhado à minha frente e enfio sua boca no meio das minhas pernas, rebolando em sua língua. Tyler rosna atrás de mim e sua respiração se torna descompassada. Gemo espalhando minha lubrificação na boca do sujeito, que agarra minha bunda com força, me mordendo ligeramente a região do clitóris.
– Ele é excelente com a boca. – levanto a cabeça na direção de Tyler. – Você vai adorar, machão.
– Não. – ele fala duramente, quase tão duro quanto seu pau.
É impossível contar o número de pessoas já engajadas em atividades sexuais na pista. De masturbação ao sexo em si, quase ninguém permanece incólume ao que está acontecendo.
Saio lentamente do meio dos dois e empurro a cabeça do homem até o pau de Tyler. Ele me olha incerto e receoso.
– Você pode sair agora se quiser. – não sou tão fodida da cabeça ao ponto de forçá-lo a fazer isso, mas ele sabe que sua única chance comigo é cumprindo minhas ordens. Teoricamente, a escolha é dele.
Ele abocanha o pau de Tyler com força. Agora sim escuto os gritos, os gemidos e todas as interjeições que vem da pista. Se sobrepondo à música alta. Tyler não quer gostar. Mas gosta. Seu corpo responde, se impulsionando pra frente, como se ele fodesse a boca do homem de um jeito instintivo.
Sua alucinação é tão forte que reconheço a expressão de gozo em seu rosto e vou por trás dele, segurando a corrente do enforcador em seu pescoço e soltando devagar meu peso na direção do chão, para provocar uma leve privação de ar, o suficiente para que ele tenha um orgasmo arrebatador. Tyler grita descontroladamente.
O êxtase é geral ao vê-lo gozar. O homem em sua frente cospe fazendo uma ânsia visceral e Tyler desaba de joelhos no chão.
Pego a mão do rapaz que está no chão e dou um beijo em sua boca, encharcada com o gosto de Tyler. Então desço com ele do palco em direção à Erin.
– Solte Tyler e peça a Victor que o mande embora. – ela assente e rumo para um dos quartos privados.
Meu novo amigo é gostoso e me come excepcionalmente bem, é isso ou eu estou num estado tão elevado que gozo incessantemente com suas estocadas em mim. Talvez seja porque o cheiro de Tyler está nele. Talvez seja porque eu fiquei extremamente excitada em punir Tyler, descarregar nele as minhas questões, e leva-lo além de mais um de seus limites. Ele era tão certo das convicções do que o fazem um homem que ter outro homem chupando seu pau foi uma catarse. Admitir que gostou disso é uma catarse das imensas e não espero que ele o faça, embora eu saiba que ele gostou. Mas primordialmente, eu me sinto vingada por ele ter me colocado contra a parede.
Saio da área mais privativa e o segurança me avisa que Victor quer me ver. Subo até seu escritório e assim que entro um dos garçons me entrega um Kraken gelado. Eu sei o que ele vai me dizer. Sei de cor todo o texto que ele tem sobre a privacidade e os malditos limites. Mas ele começa de outro jeito.
– Quem diabos é Gavin Linden, Italia?
Meu queixo vai ao chão. Este filho da puta continua me incomodando mesmo depois de morto.
– Por que a pergunta, Vic?
– Tive que responder um livro de perguntas sobre ele para a polícia, e seu nome apareceu. Continuamente.
Só pode ser um pesadelo. Definitivamente. Eu até rio em deboche.
– Quem te interrogou, e quando?
– Esta tarde, uma detetive bonita, morena.
– Rafaella Sanchez?
– Esta mesma. Ela perguntou sobre as gravações do clube, conheceu o lugar e me fez diversos questionamentos. Ela ameaçou conseguir um mandato para os vídeos. Isso seria um pavor. Não posso deixar que nada nestes vídeos vire evidência, ou estaria arruinado.
Minha espinha sente um arrepio gelado de cima a baixo que me faz contorcer o corpo.
– Victor...
– Não quero explicações. Eu confio em você. – Há, toma essa Tyler McKenzie. – Eu só quero te avisar que não é só a minha reputação que vai ser ferida se eles pedirem as gravações.
– Obrigada pelo aviso. – me levanto esperando o discurso moralizante e ele me dá um breve sorriso. – Nada a dizer sobre hoje?
– Eu poderia. Mas você já sabe o que eu penso, Italia.
– Victor, sei que é muito para pedir, e você sabe que eu não pediria se não fosse importante. Mas poderia dizer à polícia que eu estava com você no dia 26 de novembro? Não em Safeword porque eles têm as listas e vão ter as imagens. Mas com você.
Ele me encara com estranhamento e torce os lábios.
– Eu poderia, mas eu contei hoje a eles que eu estava com Erin. Eles não vão acreditar se eu me lembrasse de repente que você estava lá.
– Claro... Eu não fiz nada errado.
– Não precisa explicar, Italia. Por favor.
– Ok, boa noite, Vic. – dou a volta na mesa e beijo seu rosto. Ele dá um tapa ligeiro na minha bunda.
Erin me aguarda no vestiário e trocamos de roupa antes de ir embora. Ela não para de falar sobre Tyler e a forma como ele se portou animalescamente sob meu estímulo. Eu rio da empolgação dela e a abraço no caminho do táxi.
– Mal posso esperar para vê-lo na festa amanhã. – ela ri entrando no carro.
– Nem eu. – reviro os olhos imaginando que Tyler deve ter reconsiderado o convite para a festa depois de hoje.
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Safeword
RomansaQuando o detetive Tyler McKenzie é chamado para investigar um homicídio parecia que nada poderia ficar pior em sua vida. Como ele mesmo vai descobrir, as aparências enganam, e as coisa sempre podem piorar. Ele entra no submundo do sexo em Chicago, a...