Capítulo 23

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Tyler

Quando conversei com Dr. Newman, praticamente invadindo seu consultório sem aviso prévio, eu estava atormentado com a ideia de não saber exatamente o que dizer a Rafaella. Eu não posso admitir que quero proteger Italia das acusações de dois assassinatos nos quais ela parece absurdamente culpada. Ela me pediu pra acreditar nela, e eu estou tentando fazer isso, contra toda minha ética de trabalho.
Entretanto, como a própria Rafaella sabe, não seria a primeira vez.
– Por que alguém procura a dor, Dr. Newman? Não é só lógico que a gente se preserve de sentir dor, como um mecanismo natural de sobrevivência?
– É lógico e natural, Tyler. Mas existe prazer na dor. Um atleta que testa seus limites até excedê-los está sentindo dor pelo objetivo do prazer. – o velho diz já recuperado do susto que eu dei, invadindo seu espaço desesperadamente. – A concessão de particularidades é uma dor que causamos em nós mesmos pelo prazer da companhia de outros. Quantas vezes você renunciou dolorosamente as coisas que queria por causa de Sasha?
– Muitas. – respondo dando razão a ele. – Entendo seu ponto, doutor. Mas estou falando de outra coisa, estou falando sobre sexo. Sadismo, masoquismo, essas coisas.
– Eu não sou um terapeuta especializado neste campo, Tyler. Minha análise pode ser tão profunda quanto a sua nestas questões. – ele arruma os óculos e me encara largando o lápis. – Está envolvido em atividades desta natureza?
– Mais ou menos, doutor. Embora tenha acontecido, estou na verdade investigando um caso onde a suspeita é praticante de bondage e dominação.
– Nem tudo é um desvio de conduta, Tyler. Como eu disse, há um prazer na dor, mesmo que seja incompreensível, cada um reagirá de um jeito. Entretanto, se a dor é utilizada para mascarar qualquer outro sentimento, pode haver uma situação patológica. – eu me ajeito na poltroninha e penso que agora ele começou a falar minha língua.
Foi exatamente o que aconteceu comigo quando pedi para Italia me bater na primeira vez que fui sua vítima em Safeword. Eu usei aquela dor para esconder os meus reais problemas. Depois tive que lidar com eles, com ela me cutucando. Apesar de me ajudar a entender o que se passa comigo, é a mente intrigante dela que eu quero desvendar.
– É possível que alguém não se lembre conscientemente de eventos, mas que eles apareçam em sonhos, doutor?
– Completamente. A mente humana é compartimentalizada, Tyler. Muitas vezes o próprio consciente resolve “esconder” as memórias dolorosas como forma de preservação. Mas estas memórias estão lá, acessíveis a outro pedaço do cérebro que pode buscá-las em determinados momentos. – ele parece feliz com meu interesse.
Os sonhos de Italia são a clara identificação do que ele me disse, embora eu não consiga saber exatamente do que ela se lembra conscientemente, porque ela nunca vai me dizer, a forma que ela age quando acorda não é de alguém que se lembre dos horrores que ela parece ver durante a noite.
– E alguém pode usar conscientemente a dor para amenizar o pavor destas memórias que ela não sabe que tem?
– Pode. As teorias mais modernas já não confirmam, mas antigamente se acreditava que todas as pessoas que se engajam em atividades masoquistas faz justamente isso: Recupera-se de algum trauma inconscientemente através de mais sofrimento.
– O senhor acha que é possível dizer que uma pessoa pode odiar a outra sem saber o motivo exatamente?
– Acho possível. Amamos as pessoas sem saber os motivos, Tyler. Até mesmo quem não merece. Por que não faríamos o mesmo com o antagonista do amor? Mas sempre há um motivo, mesmo que...
– Inconsciente. – termino a frase do velhote e ele me dá um sorriso.
Estou ficando bom nesse negócio.
A conversa foi esclarecedora, e saio do consultório dele melhor educado sobre o comportamento de Italia. Está claro pra mim que ela sofre, em seus pesadelos, por alguma coisa que ocorreu na faculdade. Envolvendo Gavin, Mason e Clark. A princípio eu achei que fosse apenas relacionado ao bebê que Mason não quis, mas depois de ouvi-la implorando a ajuda de Clark em sonhos, acredito que houve algo mais grave.
Isso pode ajudar a defesa de Lia. Mostrar que Gavin e Clark não foram bons com ela. Obviamente isso vai acontecer se eu e Rafaella não conseguirmos achar mais ninguém como suspeito. Eu continuo achando que Mason pode ser a resposta para tudo, que ele pode estar por trás destes crimes porque, como os amigos machucaram Lia, podem ter feito algo contra ele também. Quero acreditar que Italia não os matou. Mas se chegar ao ponto de precisar prendê-la por isso, ela vai precisar confrontar estas memórias que a perturbam o sono.
Eu repasso tudo isso na minha cabeça, arrumando minhas coisas para organizar minimamente o quarto do hotel. Tenho algumas visitas em apartamentos para locar na próxima semana e se ainda estivesse falando com Lia, mandaria uma mensagem agradecendo pela iniciativa de me mostrar, violentamente, que eu precisava aceitar o fim do meu casamento com Sasha e seguir em frente.
Porra de mulher maluca, que virou minha vida inteira de pernas pro ar, literalmente. “Pernas pro ar” me fazem lembrar que Greg a deixou amarrada de ponta cabeça por três horas. Qualquer que seja a dor para a qual ela busca alívio, é uma dor consideravelmente grande. Tão grande quanto o tesão que ela ainda provoca em mim, mesmo sabendo que ela não é nenhum pouco certa da cabeça.
Meu coração até dispara quando ouço as batidas na porta. É um disparo de adrenalina no meu corpo, uma memória reavivada da noite que ela veio atrás do meu sexo pra acalmar a besta que mora dentro dela. Abro a porta meio exasperado e Rafaella me encara com seriedade.
– Me desculpe aparecer assim. – ela diz ensaiando um sorriso.
Meu estômago parece flutuar dentro do meu abdômen e embora eu tente controlar, minhas mãos tremem absurdamente.
– Não tem problema. Está tudo bem? – meu corpo continua parado na passagem da porta e meu cérebro grita “Vá embora.”.
– Eu só estou descontente com a forma que temos agido ultimamente. – Sanchez me olha inquisitiva e reparo em seus cabelos ondulados sobre os ombros.
Ela fica linda com as mechas soltas e com roupas informais, completamente sem maquiagem e usando somente a pele morena e o sorriso amplo. Eu aponto o interior do quarto e ela entra, embora eu saiba que o cheiro de cigarro a incomoda, ela não diz nada.
– Você quer dizer com a forma que EU tenho agido, certo? – começo a conversa difícil.
– O que está acontecendo, Tyler? – ela se senta na cama e vou ao mini bar.
– Quer tomar alguma coisa? – ofereço me servindo de vodca.
– O que você for tomar pra mim está ótimo. – sirvo mais um copo.
– Eu estou tendo que lidar com coisas que eu não pensava, Lella. Na terapia, na minha própria vida.
– Isso tem a ver com a investigação sobre sua conduta? Eu me sinto tão culpada, Ty. – ela dá uma pausa para a vodca.
– É tarde demais para voltar atrás agora, Lella. Eu estou tendo um ano difícil com a condicional, Sasha e toda essa merda.
– E com Italia Bianchi? – ela bebe um pequeno gole.
– Também. – eu suspiro.
– Você está dormindo com ela, Ty? – Rafaella se encosta na cabeceira da cama, com a bunda bem no meu travesseiro. Lá se vai mais uma noite de sono.
– Não mais, Lella. Eu prometo. – termino minha vodca e sirvo mais uma.
Não estou mesmo. Minha consciência está bem tranquila com esta afirmação, embora eu pense em vestir Italia no meu pau pelo menos três vezes ao dia.
– Ty, seja honesto comigo, por que você acha que ela não matou Gavin e Clark? – ela termina a dose de bebida e se levanta para me trazer o copo.
Até penso em dizer “Veja bem, quando dormi com ela seus sonhos fizeram parecer que alguém queria matar ela, e não o contrário.”, mas não seria um argumento convincente para Rafaella Sanchez. A mulher precisa de mais do que isso.
Também acho que dizer toda a verdade sobre o que Lia sente por Gavin a mostra mais culpada do que inocente. Coço a cabeça certo que estou encrencado. Então lembro de Lia chorando à noite, pedindo ajuda a Clark. Seu medo é tão evidente e suas reações ao nome de Gavin tão viscerais que eu entendo algo crucial neste momento.
– Italia tem medo de Gavin, Clark e Mason, Rafaella. – óbvio que tem. Não sei como não associei isso antes, mas o que existe nos sonhos dela não é consciente, como me explicou o Dr. Newman. Aquilo não é ódio, como ela traduz quando está acordada. Aquilo é pavor. Medo em sua forma mais crua.
– Medo?
– Ela tratou Gavin mal, como lixo, o humilhou. Mas ela basicamente fugiu dele por um mês. Ela estava apavorada em vê-lo tanto quanto recusou qualquer contato com Mason depois da faculdade com repulsa.
– Achei que ela somente desprezasse o sujeito por ter se arrastado por ela. – Lella serve mais uma dose.
– Eu acho que ela não conseguiria estar a sós com Gavin Linden em um ambiente sem sentir um medo que a aterrorizasse.
– Mas por quê?
– Esta é a pergunta de um milhão de dólares. – a observo atentamente enquanto ela se move pelo quarto.
– Se soubemos o porquê podemos inocentar ou acusar Italia Bianchi de uma vez. – ela conclui se sentando novamente na cama.
– Vamos falar com Mason Chadwick e Marcus Sinclair. – digo com uma vontade cruel de fumar.
Eu tive tantos sonhos com Rafaella neste quarto. Quis tantas vezes que ela pudesse me enxergar, estar comigo nesta cama onde agora ela descansa seu corpo divinal, que não consigo nem contar nas duas mãos. Eu tive que enfrentar que fui um filho da puta por ter transado com Rafaella ainda casado, e um bastardo maior ainda por ter me apaixonado por ela irresistivelmente.
O Tyler bom moço, certinho e homem de família me fez ficar até impotente por tantos julgamentos que fiz de mim mesmo. Eu me culpei tanto, e isso fez com que eu errasse ainda mais, em um efeito dominó que culminou com pensamentos suicidas e autodestrutivos.
Eu não sou o homem que eu pensava que eu era. E eu aprendi a abraçar meu lado obscuro e entender que ele é parte da minha natureza humana. Eu falho. Constantemente. Eu gosto de coisas recrimináveis. Eu posso até bater em alguém por puro prazer. Eu posso apanhar pelo mesmo motivo.
Eu quis tanto Rafaella, cruelmente me torturando por não poder querer, que já não sei o que sinto por ela. Mas pelo menos não sinto mais culpa.
– Já devíamos ter falado com Mason esta semana. Se não fosse a morte de Clark, teríamos ido. – Rafaella concorda. – Tem falado com Sasha?
– Que se foda a Sasha. – dou uma risada desproporcional, Rafaella não entende a minha libertação de Sasha.
Ela me olha atônita.
Eu avanço sobre Rafaella na cama, e beijo sua boca. Ela agarra minha nuca enquanto seu corpo deita com o meu por cima e minha língua encontra cada canto de sua boca com uma excitação proeminente. As mãos pequenas de Lella tiram meu moletom e camiseta de uma só vez e ela beija meu pescoço.
Meu coração dispara quando ela me permite tirar sua camiseta e cardigã e fecho os olhos quando ela abre minha calça, assim que fico ajoelhado na cama. A imagem de Italia me invade a cabeça na mesma hora que Rafaella corre as mãos gentilmente pela minha barriga. Abro os olhos e agarro os punhos de Lella, voltando pra cima dela, me acomodando entre suas pernas.
Os braços de Rafaella ficam presos pro alto pela minha mão. Eu beijo seu pescoço e dou leves mordidas em seus seios deliciosos. Ela dá um gemido contido e me pressiono contra o meio de suas pernas. Meus pensamentos me traem novamente e eu a seguro mais forte quanto ela tenta soltar os braços.
– Me solta, Ty. – ela pede e obedeço.
Beijo Rafaella com calma e viro na cama, deixando que ela suba em mim. Dou alguns tapas em seu traseiro assim que ela se inclina para me beijar e sorrio ao vê-la franzir o cenho. Ela me masturba e minha cabeça voa em sensações de um prazer delicioso.
Fecho os olhos e respiro fundo.
– Lia. – minha maldita boca fala e abro os olhos rapidamente. – Lella... – conserto tarde demais.
Rafaella se levanta da cama e cubro o rosto com as mãos. Caralho! Eu não canso de me humilhar.
– Lella, eu sinto muito. – digo decepcionado, arrumando minhas roupas ao levantar da cama.
Rafaella fica quieta, colocando as roupas num silêncio constrangedor. É terrível, e não sei o que fazer porque afinal do caralho das contas, eu chamei ela pelo nome de outra mulher. Uma que estou tentando provar que não me atinge e pela qual não tenho sentimentos. É uma merda.
– Tudo bem, Ty. Nunca fui eu. Eu sei disso. – ela fala magoada.
Porra, como assim? Por muito tempo Rafaella foi tudo. Eu menti por ela, eu dissimulei e enganei, eu estou sendo investigado por ela. E agora ela age desta forma magoada sem considerar que eu já provei inúmeras vezes que gosto dela?
– Lella, você sabe que isso não é verdade.
– Isso era mesmo um erro, Ty. Trabalhamos juntos. É um erro imenso. – ela limpa o rosto.
Eu tento abraçá-la, mas ela me empurra.
– Quem sabe se eu fosse doida, não é? Este é seu ponto fraco. Gente maluca.
– Pare, por favor, Lia! – tento me aproximar novamente e ela se afasta. Puta que pariu, chamei ela de Lia novamente, qual é a porra de problema com meu cérebro?
– Isso é ótimo. – Rafaella fala com ironia.
– Por favor, me desculpe. – imploro.
Rafaella me deixa chegar perto, só que me acerta um tapa bem no meio da cara.
– Caralho, Lella. – coloco a mão no rosto aturdido.
– Duas vezes, Tyler... Porra. – ela senta na cama e eu sento do lado dela. Somos a imagem de um desastre. Só me senti assim humilhado as vezes que não consegui uma ereção, mas a desculpa era a mesma: “isso nunca aconteceu comigo.”.
E não aconteceu mesmo. Em anos de casamento com Sasha, mesmo apaixonado por Rafaella, ela nunca dominou minha cabeça ao ponto de eu confundir os nomes.
Tenho uma noite infernal depois que Rafaella vai embora, considerando que minha cabeça boicotou uma noite com a mulher dos meus sonhos chamando-a pelo nome de outra mulher que não vou mais ter. Maravilha, Tyler. Quero me acertar um murro.
Pela manhã minha única satisfação é comer as torradas francesas na companhia da alegre Annelise, a única mulher da minha vida que ainda não me agrediu fisicamente.
Meu café é esplêndido e previsível, cheio das encantadoras risadas da minha amiga garçonete, até que eu empalideço ao ver a figura de Italia pedindo pra sentar ao meu lado.

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