Capítulo 26

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Lia

Sentar numa pequena sala no distrito policial de Chicago não é o ponto alto da minha vida. Fazer isso prestes a mentir me faz sentir nauseada, acuada como um bicho, ainda mais com a hostilidade natural que a detetive Sanchez tem apresentado quando me vê. Pior ainda depois de Tyler tê-la chamado pelo meu nome. Quando a vi no meu escritório parecia que estávamos medindo forças, mas em seu ambiente ela tem uma vantagem clara sobre mim, visto que quando ela me interrogou eu saí direto para a casa de Greg.
Uma mensagem de Erin me anima um pouco, a foto dela descansando no quarto de residentes do hospital, deitada com os cabelos dourados espalhados num travesseiro, num uniforme azul marinho que destaca a paleta ciano de seus olhos. Sorrio para o celular e recobro a expressão séria assim que Sanchez entra, seguida de Tyler.
Os dois parecem demasiadamente sérios, contidos. Eu por outro lado transpareço nervosismo, do tipo que não conseguiria controlar mesmo que eu fosse muito fria.
– Obrigada por ter vindo novamente, Srta. Bianchi. – ela diz por puro costume, já que nada em sua postura me faz crer que ela está feliz em me ver.
– Foi um convite irrecusável. – digo logo antes que ela espalhe fotos dos corpos de Gavin e Clark sobre a mesa.
– Reconhece seus amigos de faculdade? – ela parece bem contente em me fazer encarar os olhos sem vida dos dois logo cedo.
Engulo a saliva à força. O sangue vermelho vivo na foto de Clark me revira ainda mais o café da manhã dentro do estômago.
– Óbvio que sim. – é só o que sai da minha boca, mas desvio das imagens.
Tyler se senta numa das cadeiras à minha frente e tento não olhar pra ele.
– Clark Dickens foi morto há poucos dias, na madrugada de sexta feira. – Sanchez observa minha reação e por mais que eu tente me controlar, é impossível, um tremor gelado me assalta.
– Onde você estava neste dia? – Tyler atravessa a pergunta na frente de Rafaella.
– Eu fui a Safeword, saí de lá e fui para a casa de Erin.
– Tenho certeza que a Srta. Campbell vai confirmar esta história. – Sanchez é irônica. – Como você foi da casa dela para a sua?
Caralho. Há partes de uma mentira que não se confirmam sem outras mentiras.
– Táxi.
– Pagou com seu cartão de crédito?
– Não, dinheiro. – uma inverdade que ela vai destruir numa simples checadas em companhias de táxi da cidade. Me mexo desconfortável na cadeira.
– Vou checar isso, obviamente. Qual foi o horário que você saiu da casa dela? – Rafaella anota coisas no bloco à sua frente e Tyler prende a mandíbula, incomodado.
– Cinco horas, mais ou menos. – olho novamente a foto de Gavin e depois a de Clark, meu coração dispara.
– Srta. Bianchi, eu não sei se você tem ideia do que está enfrentando aqui, mas se estiver mentindo não será uma visita cordial da próxima vez. Por que não começa a nos falar a verdade sobre o que aconteceu na faculdade?
– Eu já disse tudo que podia sobre isso.
– Mason Chadwick está na outra sala aguardando interrogatório neste momento. A história dele vai ser parecida com a sua?
Aperto as mãos nas cadeiras, certa de que é um blefe da detetive Sanchez, mas se fosse verdade, a ideia de encontrar Mason no corredor me faria querer vomitar de verdade.
– Terá que perguntar a ele, detetive. – falo com desprezo e ganhando alguma vantagem.
– Fiz um levantamento nas clínicas femininas de Chicago para a época que você contou ter engravidado e abortado. Fiquei surpresa por nenhuma delas ter seus registros.
Olho para Tyler e ele parece tão surpreso quanto eu.
– Senti uma certa empatia por você com a história triste de um bebê rejeitado pelo namorado e tudo mais. Tornaria Mason e seus amigos insensíveis, quem sabe até dignos de uma vingança, quem sabe? Mas este bebê nunca existiu não é mesmo?
Baixo a cabeça sentindo os olhos marejarem. “Eu te amo, Lia.”, é o que eu escuto quando fecho os olhos, como no meu pesadelo pavoroso de diversas noites.
– Existiu. – digo num fio de voz.
– Pode ser que ele tenha existido na sua cabeça, quando Mason a rejeitou por isso você viu que ele não ficaria com você. Foi isso?
– Não. – digo sentindo um misto de medo e raiva.
– O que aconteceu, Srta. Bianchi? – Rafaella diminui o tom. – Mason não engoliu sua mentira. Teve ajuda dos amigos para humilhar você? Gavin talvez quisesse até te consolar, e Clark deve ter espalhado histórias a seu respeito.
Respiro fundo tentando controlar meus sentimentos.
– Em primeiro lugar, detetive Sanchez, eu nunca disse que fiz o aborto em Chicago. Eu fui para a casa dos meus pais. Perdi um semestre da faculdade por isso, mas tenho certeza que esta seria a próxima coisa na sua lista de perguntas. Eu fiquei realmente devastada com o fim do meu relacionamento com Mason, e por isso me afastei por um período.
– Tento acreditar em você, mas quanto mais aprendo do que você é capaz, menos inocente consigo te considerar, Srta. Bianchi. Parece que tudo que você faz é envolvido num mistério muito fabricado pra esconder suas culpas.
Porra, a mulher não poderia ter uma melhor percepção de mim. Eu até aplaudiria se não estivesse em problemas sérios pelo que ela acabou de dizer.
Rafaella faz anotações novamente. Eu não consigo mais olhar pras fotos espalhadas na mesa, bato a mão nelas esparramando tudo no chão.
– Eu não matei os dois. – digo furiosa. – Mas gostaria de ter feito.
É um alívio dizer isso em voz alta e minha cabeça gira. “Clark, por favor.”, minha voz chorosa pesa meu cérebro e um flash das risadas de Clark e Mason aparece na minha cabeça.
– Por quê? – Tyler quase grita, exasperado com a ideia de que eu tenha realmente algo contra os dois e não diga de fato.
Eu seguro as palavras, mas não as lágrimas. Lembro vagamente do choro de Erin, no fundo das minhas memórias.
– Sobre o que mais você está mentindo, Italia? As mortes, o bebê? – Rafaella insiste.
– Se você está tão certa que eu os matei, por que ainda não me prendeu, detetive Sanchez? – a encaro e levanto.
– É uma questão de tempo. Ouvi dizer que você gosta de algemas. – ela dá um sorriso irônico cruzando os braços.
Puxo o ar com força e evito mandá-la se foder, porque, embora possa me aliviar, não vai ajudar muito.
A porta da sala se abre e os dois olham para trás. Um senhor com os cabelos já brancos e um ar sério encara Rafaella e ela sai da sala por alguns minutos. Eu encaro Tyler completamente derrotada.
– O que está acontecendo? – pergunto e ele dá de ombros.
– Aquele é o nosso chefe, Donald Gardiner. Ele é o capitão da homicídios. Alex deve ter dado alguma dica a ele sobre o interrogatório.
– Alex?
– Alexander Grandville, é o promotor que está cuidando do seu caso.
Balanço a cabeça e Tyler encara a lateral da sala onde estão as câmeras.
– Você não fez um aborto? – ele pergunta baixo, e suspiro fechando os olhos.
Rafaella Sanchez volta à sala com uma expressão derrotada e contrária à que usou para entrar na sala. Ela me olha sem nem mesmo se sentar.
– Obrigada por ter vindo, Srta. Bianchi, entraremos em contato novamente.
– Diga ao Mason que mandei lembranças. – falo ironicamente ao me levantar e Sanchez me fulmina com os olhos.
Saio da sala de interrogatório certa de que pareço mais culpada ainda. Mentindo, escondendo meus segredos e nem mesmo a ajuda de Tyler pode garantir que as coisas fiquem melhores. Sanchez está determinada a me acusar, e, mesmo que eu acredite que ela é uma profissional séria e que seus erros não a definem, seu caso contra mim é também pessoal.
Vejo o senhor sério do lado de fora conversando com outro homem. O Capitão Gardiner parece argumentar com o outro homem, que parece uma versão mais jovem e um pouco mais alta de Tyler. Ambos me encaram e param de falar quando me enxergam, mas minha cabeça pulsa tanto que não consigo analisar suas posturas, preciso andar rápido para longe da atmosfera pesada do lugar e das pessoas dali.
Entro no primeiro banheiro do corredor do distrito e me despeço do café de Cecilie. Meu corpo inteiro dói como meu cérebro e lavo o rosto na pia, me encarando no espelho, me perguntando até onde eu posso ir ignorando meu passado. Há um limite de tempo para o qual se pode fugir de fantasmas. Talvez eu tenha fugido dos meus por tempo demais.
No carro eu ligo para minha secretária e digo que vou trabalhar de casa, mas meu caminho é diferente. Abro o portão da casa de Greg com meu próprio controle e entro na casa com minha chave. É o tipo de coisa que facilita para alguém com passagem livre na sua vida, embora ele não tenha a mesma liberdade na minha casa.
Gregory tem tantas empresas que eu nem sei mais no que ele trabalha. Além de ter muito dinheiro, ele é bem assessorado e raramente vai a qualquer escritório. As pessoas vêm até ele quando precisam de sua presença física, o resto ele faz por telefone ou videoconferências. Sigo o cheiro de comida e entro na sala de jantar. Greg e Carol estão almoçando num silêncio só cortado pela música de fundo. Minha figura deve ser tão assustadora que Greg se levanta prontamente, vindo na minha direção com um olhar preocupado.
– O que aconteceu com você, magrela? – ele segura meus braços e me faz encará-lo, quase me tirando do chão, eu baixo a cabeça em seu peito e ele me abraça. – Vai ficar tudo bem. – a voz dele é calma, e eu quase acredito mesmo.
– Faça parar. – não distingo se estou pedindo ou mandando.
– Carol, se alguém me procurar diga que estou indisponível para o dia. – ela assente com a cabeça.
Greg coloca as mãos no meu ombro e me guia ao outro lado da casa. Tiro um tempo pra pensar como a divisão providencial da residência combina com a divisão de Greg. Ele tem um lado A e um lado B bem definidos e é a melhor pessoa que eu conheço. Eu comecei a me foder quando misturei Italia e Viúva Negra, sem a mesma sabedoria do meu amigo.
Dou um pequeno salto quando ele fecha as portas atrás de nós. O salão parece sem vida quando não tem uma porção de pessoas buscando um bilhete só de ida à danação eterna. Greg tira as roupas de inverno e fica com o peito nu, só com as calças e as botas de cano alto que combinam perfeitamente com sua rusticidade. Ele pendura tantas cordas nos ombros que parece um construtor civil ou um apinista, soltando os cabelos longos e se aproximando de mim com a respiração carregada.
– Você sabe o que fazer, putinha. Tenho que ensinar toda vez? – ele grita alto e respiro fundo.
A música que começa a tocar é pesada como o que eu sinto. Começo a tirar as roupas e ele para na minha frente, esticando o braço e acariciando meu rosto.
– Você é linda, essa dor toda me fode, Lia. – sua voz é calma novamente e eu engulo em seco. Não quero a piedade de Greg, bato em seu braço, afastando esse tipo de contato físico.
Ele fecha a expressão pra mim, me olhando bravo.
Termino de me despir com um frio filho da puta, estico os braços, afasto as pernas e fecho os olhos, sentindo as cordas começarem a encostar na minha pele. Greg é realmente bom, ele me prende em cerca de quarenta minutos a uma hora e mantenho os movimentos limitados ao que ele precisa para me imobilizar. Quando termina ele me coloca no ombro para ir até a parte mais reservada, onde nosso quarteto aconteceu na festa, e me prende aos ganchos suspensos do teto por uma corda do quadril e outras que cruzam meu peito.
Ele dá um pequeno impulso em mim e puxa correntes que fazem meu corpo se elevar. Eu grito com a pressão dos nós se apertando e em segundos estou suspensa de barriga pra baixo. Greg dá um tapa na minha bunda que me faz balançar como um pêndulo.
– Grita, vadia. – ele manda e bate novamente. O movimento aumenta a força dos nós e eu grito.
Ele ri e puxa minhas pernas para baixo, eu gemo de dor até me faltar o ar.
– Assim está bom. Seu peso vai fazer o resto. – ele se deita no chão gelado e estica o corpo abaixo do meu.
Aperto os olhos e quando os abro Greg limpa algumas lágrimas minhas que caem em seu rosto.
– Apenas respire, putinha. – ele instrui. – Já vai passar.
A afirmação não podia ser mais verdadeira. Em pouco tempo a dormência dos meus músculos é tão grande que o contato incessante das cordas me incomoda de forma tortuosa. Eu continuo chorando, mas desta vez canalizo minha mente a ampliar a dor que eu não quero mais esconder, e sim entender.
Erin chora, muito e desesperadamente. Ela diz “Mason, não.”, e Mason se aproxima dela. Seu corpo está no chão, vulnerável numa fantasia curta de chapeuzinho vermelho. Estendo a mão como se pudesse alcançá-la, mas não consigo me mover, muito menos chegar perto dela. Mason dá a ela um copo, praticamente enfiando o conteúdo em sua boca, e ela cospe a princípio. Gavin se aproxima e então tenta tranquilizar Erin. “Está tudo bem, calma.” ele diz sorrindo. Então ambos insistem e ela toma alguns goles em ânsias viscerais. “Por favor, não.”, ela choraminga e Mason se senta no chão com ela, acariciando seu cabelo e limpando suas lágrimas. Eu só consigo balbuciar “Clark, me ajude, por favor.”. Então escuridão.
Grito apavorada abrindo os olhos e fito Greg ainda deitado no chão. O frio me faz tremer, a dor é intensa como meu choro.
– Você é maluca, magrela. – ele sorri. Não consigo retribuir.
– Diga que me ama. – peço com a voz trêmula e Greg sorri.
– Você está carinhosa hoje. – ele brinca, mas faz parte do jogo. Eu fiz isso com Tyler, provocando sua cabeça até que ele gritasse “Que se foda a Sasha” ou me enforcasse imaginando a ex-mulher. Aprendi com o melhor. Greg está brincando com meus nervos.
– Vá se foder.
– Está sendo muito mal educada, mocinha. – ele levanta o pé e me balança, com a sola do calçado na minha barriga. O estímulo é incontrolável e eu sinto meu sexo se contorcer em um prazer que alivia um pouco a dor. Gemo e ele me dá um olhar satisfeito. – Você é uma vaca sem coração, Bianchi.
Faço um rosnado, meu instinto seria avançar sobre ele se não estivesse imobilizada. Ele me balança ainda mais, enroscando a perna nas minhas que pendem para baixo. A dor é lancinante, mas o prazer também e sinto as duas coisas de um jeito arrebatador.
É próximo ao ápice do meu corpo que Greg repete, mas me levanta um pouco pro alto com o pé na minha barriga e a força da perna, diminuindo a pressão das cordas pela sustentação do meu peso. Quando ele solta a pressão volta e eu gemo novamente, alcançando um orgasmo que me relaxa.
– Eu te amo. – ele fala e fecho os olhos, misturando a sensação quente do meio das minhas pernas com a hipotermia que castiga meu corpo. – Eu te amo, Lia.
“Eu te amo, Lia.”, ecoa na minha cabeça e pela primeira vez eu consigo definir que a voz não é de Mason.
– Eu te amo. – se repete na voz de Greg e eu grito em êxtase e agonia.
“Eu te amo, Lia.”, se repete na voz de Gavin. A mesma voz que me fez repelir qualquer contato com ele no Gathering quando nos encontramos no Halloween deste ano. Achei que estava sendo azeda pela memória de Mason e como ele agiu comigo quando contei que estava grávida. Mas é evidente agora que eu ouvi Gavin dizer que me amava.
– Caralho! – me sinto amortecida e grito novamente.
Greg estica o braço para o lado e solta a corrente da trava no chão. Sua força permite que ele controle minha descida até seu corpo e assim que sinto o contato com sua pele quente as cordas se afrouxam um pouco.
– Boa garota. – ele se mexe o suficiente pra desatar os ganchos e alguns nós e aos poucos não sinto mais o aperto ao redor do meu corpo.
Greg me abraça, afagando minha cabeça e me deixo adormecer exausta em seu peito.
Acordo com Carol ajoelhada ao lado da cama. Ela certamente ficou encarregada de me vigiar após Gregory ter me enfiado em uma de suas camisetas e depois em seus lençóis. Sempre acordo assim depois do Shibari.
– Estou bem, Carol. – garanto e a morena me olha séria.
Carolina é uma figura frequente nas festas de Greg, sua figura chama tanta atenção quanto sua postura, descontraída e atraente. Ela é geralmente alegre, fala alto e em gírias, e seu gosto musical é idêntico ao de Greg, tanto que só os dois cantam os rocks pesados que sempre estão tocando na casa dele. Eu diria que ela é o Greg de saias, tanto no apelo sexual, quanto na forma meio rude de ser gentil porque até mesmo quando ela é elogiosa, o faz com brutalidade. Seu corpo é bem proporcionado, apesar de não ser muito alta, mas seus seios tão fartos quanto seu sorriso dão conta de fazê-la sensual. Carolina sorri e ilumina a sala, contagiando quem estiver por perto com um magnetismo envolvente, irreverente e meio debochado, que revelam sua inteligência.
Não me surpreendo por Greg tê-la em sua casa em períodos regulares, porém intermitentes. Ele a castiga justamente a fazendo ficar quieta, sem falar, sem poder espalhar suas palavras pelo ar como a música que escutam o dia todo. Para Carol este castigo é sofrido, mas ela se submete porque quando Greg fica feliz com o que ele espera de suas submissas, a recompensa é de enlouquecer. Nesta hora, Carolina pode falar, e por Deus, ela deve falar mesmo. Eu conheço Greg o suficiente para achar que seu sexo deve fazer até uma muda ficar eloquente.
– Fique tranquila, Carol. – garanto sentada na cama e ela se levanta para sair do quarto.
Em poucos minutos Greg entra e já estou de pé, esfregando os braços.
– Francamente, eu poderia acampar com essa barraca. – estico a camiseta alguns números maiores que meu corpo e ele dá uma risada alta deliciosa.
– Eu poderia te colocar numa roupa de Carol, mas ela não gostaria de dormir com seu perfume tanto quanto eu.
– Posso mandar um vidro dele pra você. – brinco enquanto ele se aproxima.
– Você está bem? – sua mão cobre a lateral do meu rosto.
– Alguma vez eu já estive? – levanto as sobrancelhas.
– Bem observado. – Greg senta na cama e esfrega minhas pernas e meu quadril. – Quer conversar sobre isso?
Meu primeiro instinto é dizer “não”, mas foi pra isso que eu vim, tentar entender melhor coisas que não sei explicar. Talvez conversar sobre elas seja um primeiro passo. Não há francamente alguém melhor pra isso.
– Tyler está investigando dois assassinatos, de dois homens que estudaram comigo na faculdade. Eu sou a principal suspeita. Um deles é o Gavin, que eu trouxe à festa em novembro.
– E quais seriam seus motivos para matar estes caras, caso tenha sido você. – ele pergunta naturalmente. Se eu resolvesse confessar que matei os dois, ele provavelmente continuaria sem me julgar como uma pessoa ruim.
– Eu sei que algo muito ruim aconteceu no passado, Greg. Eu sonho com isso, eu tenho medo de pessoas que estão morrendo e não sei definir exatamente o motivo. Tyler acha que eu e Erin estamos em perigo, mas a parceira dele está convicta que eu matei esses caras.
– Eu nunca te vi judiar de alguém como você fez com ele. – Greg me puxa para sentar em seu colo e aceito o carinho desta vez.
– Pois é. Isso não ajuda muito meu caso. – ele corre as mãos massageando meu corpo exausto e coloco o braço por trás de sua nuca somente para passar levemente as unhas em suas costas.
– Eu falei isso pra Tyler quando ele veio aqui. Da presença de Gavin na festa. Acho que te causei mais problemas.
– De forma alguma, talvez eu o tenha deixado aqui pra isso, porque eu sabia que ele teria mil perguntas pra você. Talvez eu ache que ele pode descobrir o que aconteceu antes de mim.
– Só você vai conseguir descobrir, Lia. Era isso que você estava fazendo hoje? Tentando se forçar a lembrar pelo efeito estressante? – ele acaricia minha barriga por baixo da camiseta barraca.
– Eles machucaram Erin, Greg. Eu não sei o quanto ela se lembra disso, nem sei se devo contar a ela.
– Se ela não tem memórias sobre isso, é melhor que você não as desperte assim, abruptamente.
Meus dedos se enroscam na barba dele, enquanto acaricio seu rosto.
– É o que eu penso. – o abraço com força.
– Tente descobrir tudo que você puder se lembrar antes de falar com ela. E talvez seja prudente você considerar que Victor possa ter algo a ver com esses crimes. – o solto rápido e o encaro com surpresa. – Não é óbvio, Lia? Ele é louco por Erin. Se ela tiver pesadelos como os seus, não demora muito pra ele ligar os pontos e fazer algo a respeito.
– Victor tem um temperamento ameno, eu não acho que ele seja capaz de algo assim. – não quero dividir as culpas lançadas sobre mim com as pessoas que eu gosto. Não sinto que seja justo.
– Da primeira vez que eu vi você alucinar de noite eu fiquei apavorado. Descobrir que isso é algo que vem da realidade e não de imaginação me dá a certeza que eu mesmo gostaria de ter matado estes caras, Lia.
– Greg, obrigada por não ter perguntado se eu os matei ou não.
– Realmente não me importa, Lia, não muda nada entre nós. – eu o abraço novamente antes de levantar de seu colo para colocar minhas roupas. – Por que você é a principal suspeita?
– Porque não tenho um álibi para a noite de 26 de novembro, quando Gavin morreu.
– E onde você estava? – eu apenas olho pra ele e faço um “não” com a cabeça. – Vai se foder, Italia. Se esse cara fosse mesmo o Sr. Certinho, ele apareceria pra te livrar disso. É muito cômodo pra ele, não é?
– Você não tem nada com isso, Greg. – tiro a camiseta e jogo nele com raiva.
– Já parou pra pensar por que ele é o único cara que você permite que te ame? – Greg olha a camiseta nas mãos e a espreme entre os dedos. – Ele é casado, tem uma vida e por isso não espera porra nenhuma de você em troca do amor que ele te dá. Assim você não se compromete. Você nem ama o cara, só o idealiza como se ele fosse melhor do que você ou eu, ou Tyler, Erin e Victor. Mas na minha opinião ele é o maior merda de todos.
Nunca vi Greg tão puto com alguma coisa, e qualquer reação foge de mim. Ele raramente opina sobre minha vida ou decisões, mas desta vez parece que é algo importante pra dizer, embora me cause uma raiva descomunal. Eu sei que eu erro, que tomo as decisões mais sem sentido do mundo, mas tê-lo analisando isso pra mim é doloroso.
– Vai se foder você, Greg. – começo a me vestir bufando, mas com uma sensação que aperta meu peito. –Você está com ciúmes?
Ele ri cinicamente.
– Sua egoísta filha da puta. Você nem percebe, não é? Você dá seu melhor pra ele e depois vem aqui pra eu juntar seus cacos. Agora me acusa de ciúmes? Eu odeio sua cegueira, Lia. Escolha Tyler. Pelo menos é um cara decente que te assumiria mesmo que isso custasse a vida dele. Mas você não vai, não é? Porque você não sabe lidar com a vontade de ser normal, ter um relacionamento normal.
– Normal, seu imbecil? Você queria que eu fosse como Carol, o que isso tem de normal? – eu sei exatamente bem como Greg gosta de suas submissas.
– Eu nunca te pedi isso!  – ele grita. É verdade, ele nunca pediu, mas não quer dizer que não queira. – Você parou de transar comigo no dia que eu disse que estava apaixonado, Lia. Você sabe o que eu queria e fugiu atrás de desculpas que inventou pra si mesma. Tenho pena do Tyler, você logo vai colocá-lo numa geladeira tão fria quanto a minha, enquanto você desperdiça tempo com seu homenzinho de família.
– Vá à merda, Greg. Caralho, você se dispôs a continuar me ajudando, e eu sabia que com a fila de garotas que você tem na sua porta não demoraria pra esquecer qualquer merda sobre paixão ou ficar comigo.
Ele me olha indignado, e passa as mãos no cabelo chacoalhando a cabeça e respirando fundo.
– Você é uma idiota. Melhor você ir se despedindo dele, afinal ele dificilmente vai te visitar na prisão. – ele fala com ironia e levanta da cama num impulso.
Greg precisa descontar sua energia acumulada pela raiva e anda de um lado a outro.
– Cala a boca. – eu grito apressando meu ritmo para poder sair logo da presença de Gregory.
– Vai, Italia, foge. Você é boa nisso. Foge de mim, ou de qualquer um que pode te dar algum sentimento decente. Vai pelada mesmo, provavelmente é o que já cruzou sua cabeça pra parar de ter que ouvir a verdade sobre esse BOSTA que você gosta. – a voz dele é um urro alto e furioso.
– Eu odeio você. – grito jogando um sapato em Greg.
– Eu odeio você também, putinha. – ele bate a mão na pequena mesa ao lado da cama e a vira ao chão com tudo que estava sobre ela se espalhando pelo quarto.
Jogo o outro sapato e o encaro ofegante. É ridículo que o calçado bata em seu peito e ele não mude nem um pouco a expressão séria que me oferece. É como se eu jogasse confetes nele, embora eu tenha usado toda minha força.
Me sinto ainda mais idiota quando preciso ir buscar os sapatos perto dele para calçar antes de ir embora, Greg fica imóvel no meio do quarto, congelado com a minha atitude defensiva e a pouca disposição em escutá-lo. Eu saio sem nem me despedir e só digo adeus a Carol, que está sentada na sala de estar, tão quieta quanto Gregory ficou.

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