Capítulo 14

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Lia

Termino uma ligação com o advogado no escritório italiano da companhia, ele é tremendo babaca, fazendo restrições ridículas ao contrato que eu redigi, embora todas as cláusulas tenham sido aprovadas pelo nosso conselho. Ele me acusou de ter prestado pouca atenção às normas de distribuição dos nossos produtos pelo território europeu e eu quase o mandei enfiar suas normas na bunda.
Na verdade, eu mesma gostaria de enfiá-las lá, ouvindo-o gritar insanamente.
Largo o telefone sobre a mesa com desprezo, embora seja o único celular que eu tenho e não adiantar muito para resolver minha raiva. Sinto até as bochechas avermelharem e me preparo para mandar um e-mail mal educado quando Heather interfona.
– Srta. Bianchi, há dois detetives da polícia de Chicago aqui. – ela tem a voz intimidada.
– Deixe-os entrar, Heather. – tento manter a firmeza na voz, mas não estou na melhor compostura.
As palavras de Victor me vêm à cabeça.  Tanto quanto ele, não posso ter meu nome ligado a escândalos, mas não posso me recusar a atender a polícia, ou posso?
Quando a porta se abre, eu me levanto para cumprimentar os dois detetives e minha boca seca com a visão de Tyler em um terno azul marinho e camisa branca. Seu distintivo preso ao cinto reluz em um dourado chamativo, a barba está mais curta e ele está acompanhado de uma mulher num tailleur e sapatos masculinos que não fazem justiça à forma e beleza dela.
– Eu sou a detetive Rafaella Sanchez e este é o detetive Tyler McKenzie.
– Não posso dizer que não foi um prazer. – sorrio e Tyler me olha sério, quase recriminatoriamente. – Sentem-se, por favor.
Aponto o sofá e me sento em frente a eles. Como de praxe, Heather serve água na mesa de centro e a Detetive Sanchez agradece enquanto o Detetive McKenzie parece observar cada detalhe da minha sala com cuidado.
– Srta. Bianchi, você conhece este homem? – a policial me mostra uma foto de Gavin Linden e não consigo evitar de pensar num palavrão bem sujo.
Levanto a cabeça para desviar da foto e olho para Tyler. Sua expressão é indecifrável.
– Eu o conheço. – limito a resposta exatamente ao que ela perguntou.
– Sabe o nome dele? – Tyler pergunta com ironia na voz.
Minha aversão a nomes não parece me ajudar no momento, mas ele está brincando comigo, já que obviamente deve saber que eu conheço Gavin Linden intimamente.
– Gavin. – permaneço impassível.
– Qual foi a última vez que você viu Gavin, Srta. Bianchi. – a Detetive Sanchez pergunta cordialmente.
– Não saberia dizer precisamente. Ele foi algumas vezes ao clube que eu frequento.
– Poderia nos dizer o que aconteceu na noite de Halloween deste ano, por favor? – ela me pergunta e não consigo deixar de olhar para Tyler.
– Gavin me pagou uma bebida e nós transamos na rua. Eu fui embora logo em seguida. – falo sem qualquer emoção.
– Em quanto tempo ele apareceu em Safeword atrás de você? – Tyler inclina o corpo para frente no sofá e junta as mãos, há uma seriedade nele que me faz engolir em seco.
Parece que suas perguntas estão carregadas de uma insatisfação que sua postura reforça amargamente.
– Ele foi na semana seguinte, e em todas depois disso.
– Você lembra que ele foi toda semana, mas não se lembra da última vez? – ela me força a olhar seu rosto novamente, como se quisesse quebrar o clima meio rival entre seu parceiro e eu.
– Exato. – respiro fundo discretamente.
A adrenalina em mim é tão grande que eu sinto as bochechas voltarem a corar.
– Qual foi a natureza de seu contato com o Sr. Linden nas vezes posteriores que vocês se encontraram?
– Detetive Sanchez, eu não tive outros encontros com Gavin. Ele se tornou inconveniente comigo um dia e eu pedi que ele não me procurasse mais. Foi isso.
– Deixe-me entender, Srta. Bianchi, você fez sexo com o Sr. Linden, então ele foi atrás de você algumas vezes e não obteve sucesso em ficar com você, até que você o dispensou de vez?
– Sim. Eu não descreveria melhor. – cruzo as pernas e encosto na poltrona.
– Esta foi a última vez que o viu? – que mulher insistente, eu praticamente a fuzilo com o olhar.
Sei o que ela está tentando sugerir e não posso deixar que meu nervosismo e a presença de Tyler me desviem de manter a minha história concisa e coerente.
– Não sei, provavelmente sim.
– Não é tão difícil. Se um homem me perseguisse, eu ficaria atenta a ele, até mesmo amedrontada. Será que o Sr. Linden não retornou a procurá-la mesmo depois de você ter dito especificamente que não queria vê-lo?
– Eu geralmente estou com alguém no clube e isolada das outras pessoas, então eu não saberia dizer, ele pode ter ido e eu não o vi. Pergunte ao seu parceiro como funcionam as coisas por lá. – minha irritação se torna visível.
Percebo que ela olha pra ele meio desconcertada. Talvez ele não tenha contado a ela que conhece Safeword, ou contou sem os detalhes de suas aventuras por lá. Eu fico mais à vontade com a virada que a conversa dá.
– Posso saber por que vocês estão me fazendo estas perguntas?
– Gavin Linden foi encontrado morto em seu apartamento. – Tyler fala isso olhando nos meus olhos e eu desvio inconscientemente.
Meu estômago dá uma breve revirada dentro de mim e não consigo definir exatamente o que estou sentindo. Não consigo fazer nenhum comentário que demonstre simpatia pelo sujeito, só levanto as sobrancelhas.
– Você pode nos dizer onde estava na noite de 26 de novembro, Srta. Bianchi? – a detetive me encara com menos simpatia agora. As coisas não parecem estar ao meu favor.
– Não posso. – respondo rispidamente. – Eu tenho um compromisso agora, se me dão licença.
– Vamos procurá-la outra hora. Quem sabe você possa ir até a delegacia para um café. – Tyler diz se levantando.
– Você vai me algemar? – debocho e os dois me encaram surpresos.
Vou até a porta e a abro para os dois, eu não posso me recusar a receber a polícia, mas posso decidir quando a visita acaba. Meu coração parece querer sair pela boca, embora eu lute para manter uma frieza distante. Rafaella Sanchez sai primeiro e tem os olhos castanhos fixos nos meus.
– Eu já estou indo, Sanchez. – Tyler diz e fecha a porta rapidamente. – Isso não é uma brincadeira, Italia. Você tem ideia de como isso faz você parecer?
– Estou sendo acusada de alguma coisa? – afirmo olhando nos olhos dele.
– Você sabia que eu estava investigando o caso de Gavin? – ele sussurra se aproximando de mim.
– Eu nem sabia que ele tinha morrido.
– Você ficou comigo pra se proteger? Que merda é essa de me expor na frente de Rafaella?
– Você foi atrás de mim, cretino. – empurro seus ombros sem que ele se mova um milímetro para trás. – “Está perdida?”, lembra? De dentro do seu carro com um olhar patético no rosto. Por que você foi ao Safeword em primeiro lugar?
– Onde você estava em 26 de novembro, Italia? – meu corpo já encostou na parede atrás de mim e Tyler continua avançando.
– Vai se foder, Tyler. Me leve para a delegacia e me acuse de algo ou vá pro inferno junto com a Shakira lá fora. – meus olhos flamejam quando o encaro.
Eu confiava em Tyler sem qualquer razão, simplesmente porque ele me passava algo bom. Parece que isso se perdeu nesta nebulosa indelével formada entre nós. Ele parece confuso e cheio de raiva, talvez por achar que seu julgamento sobre mim estava completamente distorcido.
Tyler gruda os lábios nos meus e não resisto, enfiando as mãos em seu cinto para abrir suas calças. Eu não consigo nem ouvir minha respiração ofegante, de tão rápido que meu coração bate formando estampidos no meu ouvido.
Meu nervosismo se transfere todo para uma parte de mim que não liga se estou no escritório ou se a parceira dele está do outro lado da porta, as mãos de Tyler me apertam a cintura e sinto sua ereção pressionar minha barriga. Ele parece se dar conta de estar fazendo uma idiotice sem tamanho, mas eu rechaço sua tentativa de se afastar de mim, enfiando ainda mais a língua em sua boca.
Ele me empurra com força na parede e me olha aturdido.
– Caralho, Italia. Eu não consigo parar. – sua voz tem uma culpa fodida.
– Quero te ver hoje. – digo vendo-o se afastar e arrumar as calças. É difícil disfarçar sua excitação.
– Agora você quer me ver? – ele fala raivoso e magoado, abre a porta e some pelo corredor enquanto Rafaella o segue.
Tyler sai do meu escritório e eu respiro fundo. Nem todo ar do mundo ia conseguir aplacar o que estou sentindo. Peço a Heather que cancele minha agenda para o restante do dia e saio completamente perturbada.
O ambiente está gelado e meus joelhos doem em contato com o chão de mármore. Cada poro meu se contrai, arrepiando meus pelos e luto para conter o tremor da hipotermia que me faz até expirar uma nuvenzinha branca de ar para fora da boca. Minhas mãos amarradas atrás do corpo e aos meus pés não deixam que eu descanse da posição e todas as vezes que me movo as cordas que cruzam meu corpo se esfregam no meu clitóris.
Tenho lágrimas cruzando o rosto e já gozei duas vezes, mas o contato forçado das amarras começa a sobrecarregar meus sentidos. O Shibari me leva a estados de consciência que não consigo alcançar com minhas práticas normais. E no clube eu não permito que ninguém ao menos tente me submeter.
Isso é diferente.
É como um medicamento de emergência. Você pode tomar doses de um remédio diariamente e um específico quando estiver numa crise incontrolável. O Shibari é minha medida de emergência.
Sinto meu corpo amortecer quando a dor intensa pela imobilização já se fez constante nos meus músculos, até a música no ambiente, extremamente alta dói na minha cabeça e cuido para não me mover, só respirar. As cordas dão voltas justas na minha pele, passando pelo meu pescoço, ombros e seios, apertando minhas costelas e cruelmente meu sexo, mantendo meu corpo em latência e num limite doloroso. As coxas também sofrem a pressão da contenção junto com meus tornozelos e pulsos.
– Você foi má, vadia. – a voz está completamente alterada quando grita comigo.
Eu puxo o ar com dificuldade.
– Diga. – outro grito, maior do que o volume da música.
– Eu fui má. – concordo, mas minhas palavras quase não saem da boca.
A mão me empurra pelas costas lentamente, para curvar o tronco para frente, eu sinto as cordas escorregando estrategicamente aliviando a pressão em alguns pontos e intensificando em outros.
Grito espremendo os olhos em agonia. Eu não consigo mais aguentar, e ainda assim meu corpo se levanta para ser novamente empurrado. E mais um grito. Queima como o fogo do inferno, eu sinto uma ardência do caralho no meio das pernas e grito novamente, e vou repetindo até que o não sobre nenhum ressentimento ou medo dentro de mim.
– Boa garota. – escuto quando caio no chão, com o rosto lavado de lágrimas.
– Por favor. – minha voz é um fio.
A pressão e a restrição acabam com um puxão forte. Continuo no chão enquanto as cordas vão saindo do meu corpo, uma a uma e vou sentindo cada pedaço que raspa na minha pele. Contorço-me instintivamente, os olhos mal se abrem pelo inchaço das lágrimas, e tento esticar os músculos estressados. Restam só as cordas dos tornozelos, usadas para afastar minhas pernas enquanto recebo alguns golpes das pontas das cordas no corpo.
Meu grito vira um rosnado alto e indignado e antes de perder a consciência eu lembro dos detalhes do meu dia como um filme passando rápido na minha cabeça, especialmente do jeito que Tyler me olhou antes de sair do escritório.
Giro os olhos sem mais nenhuma energia e então, só escuridão. 

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