Lia
Termino de colocar a maquiagem e prendo uma parte do cabelo pro alto, arrumando a franja. Tem uma marca bem feia no meu ombro, meio arroxeada com pontos mais escuros, como uma mordida tensa. Não me lembro quando aconteceu, mas foi prudente colocar focinheiras nos dois homens da noite passada. Eu geralmente não ligo para as marcas que ficam no meu corpo, mas esta me incomoda profundamente. Passo os dedos sobre ela, tensionando o rosto ao observar o espelho novamente.
As imagens e sensações da noite me fazem puxar o ar com força, embora ainda faltem horas para a luminosidade do dia se esvair e eu conseguir dar vazão ao meu corpo novamente. Saio do banheiro e entro no closet para escolher um vestido de tweed e scarpins altos para o trabalho. Coloco um casaco e perfume meio no piloto automático e quando chego na mesa posta só consigo tomar um café. O enjoo insistente é herança do abuso leve da quantidade de rum na noite anterior.
– Coma, Srta. Bianchi. – Cecilie é enfática.
Ela chega antes que eu tenha acordado para picar frutas e fazer suco fresco pra mim todos os dias. Então arruma o apartamento e vai embora deixando algum jantar que eu só preciso esquentar. Se eu acreditasse em anjos, tenho certeza que Cecy seria um deles.
– Estou sem fome, querida. – dou um beijo na testa dela. Seu café é uma das coisas mais gostosas que eu já provei durante uma ressaca.
– Você nunca tem fome, menina. – ela parece indignada e preocupada ao mesmo tempo.
– Prometo que vou almoçar algo normalmente. – a esta altura já enchi o copo térmico de café e estou com a bolsa no ombro a caminho da porta. – Tenha um bom dia, querida.
O trânsito é caótico e eu dirijo enquanto canto e tomo meu café. Mando algumas mensagens para saber como Erin está e ela me envia uma foto do hospital onde trabalha, por sorte, ela está com tempo suficiente para descansar entre uma consulta e outra.
Chego ao escritório e minha secretária me passa a agenda de reuniões por telefone com o grupo na Alemanha e na Índia. Uma temporada em Bangalore foi a melhor viagem da minha vida, apesar da cidade ser absolutamente desenvolvida e abrigar centros tecnológicos impressionantes, quando fui ao interior fiquei encantada com a simplicidade da vida e dos costumes. Ainda mais com a alegria genuína das pessoas.
A única coisa que me fez falta foi a companhia de Erin. Costumávamos viajar uma vez ao ano, mas não conseguimos manter todas as tradições de nossa época de faculdade, infelizmente. A vida adulta é um saco, definitivamente.
Meu celular vibra. É como se Erin soubesse que estou pensando nela.
>> Imaginando formas de escapar desta vida medíocre?
O conteúdo da mensagem combina perfeitamente com meus pensamentos.
> Sempre, meu amor.
Respondo encostando na cadeira e olhando a cidade pelo vidro do escritório. Não é raro que eu tenha pensamentos como voar do vigésimo primeiro andar depois de esgueirar meu corpo pela abertura da janela. Deve ser a sensação mais libertadora do mundo, embora a iminente morte pareça um pouco perturbadora. Não sei de onde surgem estes pensamentos, mas eles me tomam de assalto e geralmente me fazem rir.
Tem algo a ver com transpor limites, com ter uma cabeça meio liberal e com pouca noção. Mas também tem a ver com a sensação regozijante de fazer algo extremamente perigoso.
O telefone toca e fujo dos meus pensamentos. São as reuniões para definir contratos e proteção de propriedade, especialmente com a briga por espaços de satélite das telecomunicações.
Meu trabalho pelo menos faz o tempo passar rápido. Peço uma salada para o almoço, e como no escritório mesmo. Não gosto do movimento da rua durante o dia, coloco uma música e deito no sofá. Quando fecho os olhos alguns flashes da noite anterior me invadem a mente como um filme.
As luzes e ele. Aperto os olhos pra me lembrar da fisionomia, porque eu tenho uma memória boa para rostos. Eu preciso ter para não dormir com a mesma pessoa duas vezes.
A música provoca meus ouvidos. É como um mantra que acende meu corpo enquanto me lembro dele.
Forte, extremamente forte, forjado em músculos duros e trincados num corpo grande. A pele negra é aveludada e os braços cobertos de tatuagens que consegui ver por causa das mangas arregaçadas da camisa. Sua boca é volumosa, a barba escura em continuação do cabelo bem baixo. Mas o que me chamou mais atenção foi a forma que ele me olhou, com uma mistura inegável de curiosidade e desprezo.
Era a primeira vez dele no clube e meu corpo inteiro se retesou quando o vi, mas não o chamei. Ele negaria com certeza, e eu não gosto de rejeições. Sua postura, de braços cruzados, me manteve distante mesmo quando cheguei perto. Disco o número de Erin no celular e ela atende depois de algumas chamadas.
– Vou hoje ao clube.
– Duas noites seguidas? Você está ficando incontrolável. – sua voz é divertida e relaxada.
– Tem um cara negro imenso que eu vi ontem.
– Não diga mais nada... – Erin ri. – Você quer a coisa imensa dele...
– Você é uma cretina, Erin. Mas sim, eu quero. – rio e estico o corpo. – Você vai?
– Não, meu amor. Tenho plantão hoje e realmente preciso descansar. Mas me conte tudo amanhã, por favor.
– Com detalhes. – brinco e desligo.
Geralmente não gosto de ir ao clube sozinha. Erin é minha conexão com a realidade. Eu nunca uso a palavra de segurança, porque não consigo. Isso já me meteu em problemas e machucados sérios. Nós cuidamos uma da outra desde sempre, desde quando éramos bem menos perigosas do que hoje.
Mas algo em mim está inquieto e eu sei que preciso extravasar meus pensamentos. Se o homem que eu procuro não estiver por lá, vou me contentar em me satisfazer com qualquer outro que desperte minha atenção e relaxar.
Me arrumo em casa e pego o táxi em tempo de chegar ao clube antes que esteja lotado. Como usual recebo minha bebida favorita, um camarote e diversos olhares famintos durante a noite. Eu danço e bebo quase um terço da garrafa antes de vê-lo no outro lado da pista. Hoje ele tem uma camiseta menos comportada e calças jeans. Gostaria que ele tirasse a roupa e me deixasse ver seu corpo um pouco mais. Certamente a inquietação no meu ventre seria menos difusa. Tenho certeza que ele é problema. Eu não me atraio por nada que não seja infernalmente perigoso.
Isso me faz querer o sujeito ainda mais.
Chamo o garçom e ele me escuta atentamente. Aponto o homem na pista e diversas pessoas que acompanham meus movimentos olham na direção do meu dedo indicador. O garçom vai na direção dele e alguns minutos depois os dois voltam juntos.
– Aceita uma bebida? – ofereço e ele olha o gelo e o Kraken sobre a mesa.
– Rum é pros piratas e perdidos. – ele dá meio sorriso. Sua voz é como uma seda macia, embora o timbre seja muito masculino.
– Eu não sou uma pirata, nem você. – rio servindo um copo e alcançando a ele.
– Então estamos os dois perdidos?
– Você parece. Como se não pertencesse a este lugar. – concluo e ele bebe toda a dose num só gole.
– Alguém pertence? Digo, talvez não me acomodar em coisas bizarras seja uma boa coisa pra mim.
– Bizarras? – não evito o riso. – Que palavra pejorativa.
– Sou Tyler. – ele estende a mão pra mim e não o toco.
– Não gosto de nomes.
Ele ri.
– Então não se ofenda quando eu digo que as coisas aqui são bizarras. – ele mesmo se serve de bebida e já não tenho certeza que gosto dele tanto assim.
– Você está pela segunda vez num clube de sexo. Há algo distorcido em você, obviamente.
– Obviamente. – ele concorda e serve outra dose pra mim. – Como sabe que foram duas vezes?
– Eu raramente esqueço um rosto.
– O lance todo de Viúva Negra? Você realmente não repete? Deve ter uma memória fotográfica pra lembrar de todos.
– Você está tentando me ofender pelo número de homens que eu trepo ou me elogiar pela capacidade do meu cérebro? Não ficou claro pra mim. – ele dá uma risada ligeira.
– Tem tanta coisa que não está clara pra mim, Viúva. Vou te chamar assim? Como se você tivesse 70 anos?
– Pode me chamar do que quiser, pirata. – sorrio e ele fixa os olhos nos meus seios.
Me ajeito no pequeno sofá. Eu poderia subir sobre ele aqui mesmo e morder seu lábio até arrancar um pouco de sangue. A personalidade dele é instigante.
– Eu só consigo pensar numa gata. Por causa dos seus olhos verdes, e seu jeito intenso.
Meu corpo se alegra com este comentário. Viro o copo de rum e o calor que me percorre é bem-vindo.
– Você quer ser meu hoje? – ele dá uma breve levantada nas sobrancelhas.
– Onde está todo o teatro de luzes e som? Eu não mereço o mesmo tratamento que seus outros escravos?
Dou uma gargalhada divertida. Eu não sei se quero beijá-lo ou machucá-lo muito.
– Achei que isso fosse bizarro demais pra você.
– O que eu preciso fazer?
– Obedecer, incontestavelmente. – ele observa minha boca e vejo um fio de suor escorrer pela lateral de seu rosto.
Tyler tenta bancar a calma que está aparentando, mas seu corpo se sacode num nervosismo comum. Ele pensa se poderia se submeter. Seu rosto, seu jeito, tudo me mostra que ele não é o tipo de homem que aceita facilmente ser subjugado. Passo a língua pelos lábios e consigo sentir minha pupila se contrair. O desafio o deixa ainda mais interessante e espremo as coxas sentindo minha excitação crescer.
– Você vai me bater?
– Sim.
– A dor é real?
– Completamente.
– E se eu não gostar.
– Você diz a palavra de segurança e tudo acaba.
– Mas se eu quiser ter você? – ele me encara nos olhos, profundamente.
– Somente se aguentar meus desejos de te machucar antes. – ninguém pode me acusar de não ser honesta.
– Ok. – ele diz num suspiro.
Tyler imagina que vou levá-lo ao quarto da mesma forma que o convidei para o camarote, mas qual seria a graça disso? Eu gosto de fazê-los vulneráveis, humilhados, para demonstrar sua submissão a mim. É a inversão do poder que os homens imaginam ter sobre as mulheres e isso praticamente os enlouquece, e nem sempre é no bom sentido.
Levanto do sofá e ele me imita. Tiro sua camiseta violentamente, expondo as tatuagens que ele tem no peito. À direita, pelo ombro sobe uma asa de anjo. Se eu acreditasse em anjos acharia que Cecilie é um dos bons e Tyler é um dos maus. Ele tem os dois braços fechados em desenhos em cinza e preto. Tenho vontade de estudar cada um deles.
As pessoas da pista vibram e o vejo se retrair um pouco, como se por impulso fosse cobrir o corpo. Ele tem o abdômen perfeito, dividido em músculos que desenham a barriga mais em forma que já vi.
– Não se esconda. – digo olhando em seus olhos e ele ergue o queixo como um touro bravo.
Abro sua calça e o deixo nu, completamente sem roupa na frente de todas as pessoas que nos observam. Uma coisa é a exposição pro homem que eu levo pra sala privativa, que sabe que está sendo observado, mas não sabe por quantas pessoas e nem pode vê-las. Outra coisa é ser exposto para uma multidão.
Tyler estava excessivamente vestido nos dois dias, sem se soltar, sem relaxar. Este é seu castigo.
Ele me olha furioso e não desvio o olhar. Pego um chicote e passo em seu corpo, batendo em suas coxas. Subo a ponta dobrada de couro pelo meio de sua bunda perfeitamente redonda e ele se contrai inteiro. Enrolo uma corrente em sua cintura e em seu pau, puxando-o para baixo das escadas. Ele me segue quieto e pelado até que estejamos no quarto.
Prendo Tyler pelos pés na cama, então subo sobre seu corpo e prendo um braço nas amarras em couro que pendem da cabeceira. Ele lambe meu braço. O primeiro contato de verdade que ele faz voluntariamente com meu corpo. Eu me giro para prender o outro braço e minha respiração começa a ficar ofegante.
– Qual é a palavra de segurança? – pergunto com a boca próxima ao rosto dele.
– Não precisamos de uma. – ele fala confiante.
Dou um sorriso irônico e acerto o chicote com força em seu peito, ainda sentada sobre ele. Tyler se retorce bufando. A força com que ele puxa os braços é tão grande que sinto a cabeceira da cama chacoalhar.
Bato novamente e ele respira fundo, prendendo os dentes.
– Você é doente. – ele fala agitado. – Quem gosta dessa merda?
Eu rio sentindo meu corpo encharcar em desejo. Me levanto e coloco duas bolas metálicas presas por um fio de silicone ao redor do pau de Tyler, o peso o puxa para baixo, esticando a pele escura. Ele dá um gemido de dor e sorrio com a sensação deliciosa de vê-lo suar.
Então tiro as roupas sob seu olhar atento e passo o chicote devagar nele, dando fracas batidinhas em seu corpo enquanto me movo ao redor da cama. O que mais me diverte é vê-lo se preparando para um encontro ardido do couro em sua pele, antecipando uma dor assombrosa, e frustrá-lo com um contato leve.
Ele se retorce, entrando num estado mental alerta e reativo. Seu instinto de proteção é algo que eu vi raras vezes em alguém, mas ele quer isso, sua cabeça quer a dor, talvez para aliviar as próprias culpas.
– Bate de uma vez. – ele grita se contorcendo.
– Você sabe fazer melhor que isso. – digo calmamente.
Ele dá um grito frustrado, do fundo da alma.
– Por favor. – ele ainda tem os olhos fechados e vejo que espreme o rosto, como se estivesse doendo muito, mas dentro dele, e não fora.
Acerto seu peito com toda força e ele grita. Acerto denovo, denovo e denovo, até minhas bochechas estarem tão vermelhas quanto seu peito e sua barriga.
Tyler não é como os outros homens. Ele quis isso pelo mesmo motivo que eu. Não é a diversão sexual em ser dominado por alguém. É o vício em um sentimento adrenado que faz com que a dor desapareça, com que os problemas pareçam inexistentes quando somos punidos.
– Puta que pariu. – ele xinga e o vejo ter uma ereção monumental, apesar do aparato que pesa seu pau para baixo.
Ele se mexe como se o corpo estivesse cansado e jogo o chicote no chão.
– Sente-se melhor? – pergunto ironicamente.
– Por favor. – ele abre os olhos e me encara. O tipo de pedido agora é outro.
Coloco uma camisinha nele e ele suspira como se estivesse sendo tocado pela primeira vez. Ele abre a boca e força a cabeça para trás, sobrecarregado com meu toque. Seu tamanho é impressionante, à medida que sento sobre ele meu corpo se alarga ao seu redor, se ajustando a ele dolorosamente.
– Solta minhas mãos. – ele pede arfante, impulsionando o quadril pra cima para entrar cada vez mais em mim.
– Não. – eu respondo num gemido rouco. É uma das poucas vezes que eu não respondo com um “cala a boca.”.
Coloco os dedos em sua boca e ele me morde. Minha outra mão agarra seu peito, onde cravo minhas unhas, bem abaixo do anjo e da cruz tatuados. Subo e desço alucinada, gemendo sofregamente e sentindo meu corpo engolir Tyler por completo e ainda continuar pedindo por ele.
Ele geme, morde os lábios grossos e se contorce debaixo de mim.
– Por favor não pare. – ele pede viajando nas sensações no nosso sexo.
Eu me jogo sobre ele sentindo meu corpo se entorpecer de um prazer que irradia em cada pedaço de mim. Tyler goza incessantemente. Eu nunca vi um homem gozar como ele, de um jeito tão visceral que suas pulsações em mim demoram a cessar.
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Safeword
RomanceQuando o detetive Tyler McKenzie é chamado para investigar um homicídio parecia que nada poderia ficar pior em sua vida. Como ele mesmo vai descobrir, as aparências enganam, e as coisa sempre podem piorar. Ele entra no submundo do sexo em Chicago, a...