Lia
Estico o corpo sobre a cama de Erin, completamente entregue ao cansaço físico e à necessidade de alongar meus músculos. Abafo o rosto no edredom enquanto ela troca de roupa pela milésima vez. É ultrajante que tudo fique ótimo em seu corpo bem proporcionado. Eu sou magra demais e não posso usar nem metade das roupas que ficam indecentemente lindas nela.
Ir ao Safeword pelo terceiro dia seguido é uma insanidade sem precedentes. Eu nunca concordei com algo tão obnóxio porque geralmente preciso de uma pausa em toda intensidade do que acontece lá dentro. O ambiente é carregado do que as pessoas levam de pior para tirar de si. Eu sei que a maioria do que acontece lá dentro é uma válvula de escape, embora as pessoas muitas vezes não saibam bem do que querem se livrar e acreditam apenas estar se divertindo.
A minha dependência é da adrenalina. Eu preciso dela pra aliviar meu corpo, preciso dela pra aliviar minha mente, como um vício concretizado. Mas eu também preciso da dor.
Eu comecei logo após a faculdade a procurar formas mais pesadas de sexo. Meu ritmo se estabeleceu com brutalidade, me proporcionando um prazer que eu nunca havia experimentado, mais visceral, mais profundo e rústico, além de ser mais duradouro. Eu transava não só para gozar, mas para levar meu corpo ao seu limite, provocando meus sentidos com a dor auto infligida. Por exemplo, intensificando os movimentos que doessem meus músculos e genitais, fazendo posições que me causassem extremo desconforto ou vivenciando situações de risco.
Me viciei nisso de uma forma tão pungente que não demorou para que eu achasse o prazer em machucar os outros, como aprendi em Safeword. A única coisa no mundo que realmente me assusta é ser imobilizada e dominada, embora eu use isso para me punir quando erro ou me sinto mal. Porém ser compelida ao sexo me faz ter pesadelos tão vívidos que sou capaz de acordar em pânico genuíno.
É paradoxal, e eu entendo isso completamente. Mas eu sou uma figura distorcida e cheia de complexidades inexplicáveis, como qualquer outro ser humano.
– Terceiro dia, Erin. – digo ainda com a cara enfiada na roupa de cama.
– Não era pra você ter ido ontem. – ela coloca o rosto para fora do closet.
– Ainda bem que eu fui. – rolo na cama deitando de barriga pra cima. – Ele é um daqueles que não entendem porque gostam do que acontece. Erin, ele estava completamente ensandecido, gritando “bate”.
– Maluco. Completamente fodido. – seu diagnóstico é mais de uma expectadora do Safeword do que da brilhante médica que ela é.
– Pode ser. Mas havia algo muito verdadeiro nos olhos dele depois, um alívio.
– Claro que havia, ele gozou pra caralho em você, meu amor. – ela se senta na cama e passa a mão no meu cabelo.
– Eu gozei pra caralho, Erin. Foi um sexo delicioso. – confesso e ela sorri.
– É exatamente o que está na minha prescrição pra hoje, Lia. – ela brinca voltando a se arrumar. – Se eu descumprir, vou ficar doente.
Rio da perversão de Erin e descanso mais um pouco enquanto ela se arruma. Não tenho muita vontade de fazer grandes produções, então quando passamos na minha casa eu pego uma lingerie qualquer na gaveta e deixo para me arrumar quando chegar ao Safeword.
Eu conheço o lugar como a palma da minha mão. Victor sempre nos garantiu acesso irrestrito, mesmo às áreas de funcionários. E é justamente em uma destas áreas que eu me arrumo um pouco após a meia noite, quando a casa está cheia e o barulho é enlouquecedor. O vestiário das garçonetes é limpo e bem arrumado, o que é um pouco mais do que dá pra dizer dos banheiros de uso comum dos clientes.
Há uma hora da noite em que as pessoas passam da conta nas bebidas, ou em seus próprios desejos, e transformam o banheiro num local impróprio para o seu uso primordial. Não é o caso no momento, já que a noite está apenas começando, mas eu prefiro a privacidade pelo cansaço.
Vejo-me no espelho. A maquiagem mal esconde os círculos acinzentados debaixo dos meus olhos e meu suspiro é inevitável. Eu quero minha casa, minha cama e um filme qualquer para dormir quando estiver na metade. Erin entra no vestiário e a encaro com desânimo.
– Vá pra casa, Viúva Negra. – Erin me abraça com condescendência. – Você não quer estar aqui hoje.
– Não mesmo. Não hoje. – me dou por vencida.
– Vai ser uma decepção para aqueles pervertidos lá fora, mas eles sobreviverão sem sua astúcia sexy e dominante hoje. – ela acaricia meu rosto.
– Você vai ficar bem?
– Como sempre, meu amor. Vou quitar meus débitos com Victor e fazê-lo lembrar porque eu sou a segunda melhor deste lugar. – seus olhos azuis triscam em uma malícia deliciosa.
Abraço Erin e saio incógnita do vestiário, com o casaco comprido cobrindo o vestido de trabalho bem comportado. É óbvio que algumas pessoas me reconhecem a caminho da saída, mas ignoro a todos com uma proficiência bem ensaiada. Quero me colocar no táxi mais próximo e ficar a sós com meus pensamentos até chegar em casa, fingindo que há qualquer paz na minha solidão.
Saio na calçada após me despedir dos seguranças da porta e alcanço um cigarro dentro da bolsa. Um dos meus recrimináveis prazeres noturnos junto com o sexo devasso e descomprometido. A fumaça entra quente na minha boca e pulmões enquanto ando um pouco pelo concreto. O saltos fazem um barulho compassado, como um metrônomo.
Não há nada aberto na rua além da porta que leva ao clube e ninguém mais andando pela rua. Um carro encosta ao meu lado e evito olhar, mas a velocidade baixa do veículo indica que estou sendo seguida. Me viro e abaixo o corpo o suficiente para que meus olhos encontrem Tyler dentro do carro. O bastardo pirata voltou numa coincidência absurda.
Sei que é coincidência porque ele não teria mais como entrar em Safeword a este horário e parece bem demais pra ter sido maníaco o suficiente pra ficar me esperando na saída do local. Dou um sorriso convencido mesmo assim. Ele veio atrás de mim.
– Perdida? – sua voz ecoa na minha cabeça gritando “bate".
– Não estamos todos, pirata?
Ele chacoalha a cabeça como se admitisse a si próprio. Então desliga o carro e desce, dando a volta até subir na calçada e parar ao meu lado. Seu corpo enorme parece ainda maior do que eu me lembro. Efeitos do Kraken.
– Quantas vezes você já ouviu a frase “não consigo parar de pensar em você.”? – ele é direto.
– O suficiente pra amaciar meu ego. – eu SEI que sou boa.
– Então eu não preciso reafirmar que estou perdido. – ele não desvia da fumaça do meu cigarro.
Há algo nele que me inspira confiança. De repente sua personalidade se sobrepõe ao meu cansaço e eu considero que ele possa me dar mais do que alimenta minha alma paradoxal. Abro a porta de seu carro e jogo a bituca na sarjeta.
– Me leva pra sua casa, pirata. – ordeno sem qualquer cerimônia, e como um bom submisso ele volta pra dentro do carro e toma o caminho de onde quer que seja.
– Eu não tenho nenhum aparato de tortura, caso você tenha ideias de me insultar sadicamente. – o aviso é bem adiantado.
Não evito o sorriso.
– Eu sou um aparelho de tortura com pernas. – afirmo e ele sorri discretamente.
– Meio que já reparei pela forma que você tem torturado meus pensamentos.
– Não é fascinante como você quer negar que gostou do que aconteceu? Você não tentou falar comigo e parecia bravo antes de ir embora ontem.
– Eu não nego ter gostado. Só fiquei surpreso. – vejo seus braços no volante e passo a mão sobre uma inscrição em preto numa das tatuagens.
– “As coisas são como são.” – é o que está escrito e parece perfeitamente apropriado. – Você pode negar sua natureza, ou abraçá-la, mesmo que seja surpreendente ou assustadora.
– Mas eu não sou assim. – ele afirma com veemência.
Eu rio olhando a noite lá fora.
– Talvez você goste de pensar que não é, pirata. Mas há algo obscuro em você que pode te salvar ou te foder, depende de como você quiser lidar com isso. Seu terapeuta deve te dizer.
– Como você sabe que eu faço terapia? – ele me encara e me ajeito no banco.
– Todo mundo faz hoje em dia. Quem não é perturbado só ainda não descobriu que é.
– Seu terapeuta já deve ter infartado algumas vezes. – ele brinca e estaciona o carro.
– Eu não faço terapia. – informo. – Ainda não descobri que sou perturbada.
– De quantas pistas você precisa? – Tyler ri e observo seus dentes reluzentes na escuridão.
Estamos em frente a um hotel simples deduzo o que ele tem e o que não tem. Ele tem uma esposa e não tem muito dinheiro. Subimos as escadas até a porta de um quarto que ele abre com a chave que tira do bolso. Então entendo que ele vive aqui. Deduzo novamente o que ele não tem. Não tem uma esposa, mas tinha.
– Divorciado há quanto tempo? – entro no quarto observando suas roupas espalhadas, algumas garrafas de bebida e pertences pelo lugar. Deixo a bolsa sobre a mesa.
– Dois meses. – ele responde sem nenhum problema.
– Filhos?
– Não. – ele fecha a porta e pega dois copos no minibar abaixo da pequena mesa de refeições. – Uísque, vodca ou cerveja?
– Vodca. – decido e ele prepara os dois copos com gelo. – O que você faz?
– Antes de começar esta conversa sobre mim eu preciso do seu nome. Não posso continuar te chamando de gata, embora o apelido caia bem pra você.
Justo o suficiente.
– Italia. – aí está. Ele franze o cenho. É o máximo de informação pessoal que ele vai ter de mim. Já estou quebrando protocolos o bastante estando com ele.
Pego o copo de sua mão e dou um gole generoso. Ele repete o mesmo e larga sua bebida sobre a mesa, vindo na minha direção. Eu sinto uma antecipação junto com o ardor na garganta provocado pelo álcool e recebo sua língua na minha boca ainda gelada pelo líquido.
Tyler espreme seus lábios grossos nos meus, e eu dou o que ele quer, envolvendo seu corpo em meus braços. Mordo seu lábio inferior com força e ele aperta os olhos, abrindo-os em seguida para me encarar.
Eu puxo sua camisa com força, fazendo voar botões por todo o quarto e rio satisfeita ao sentir as marcas do chicote de ontem ainda frescas em sua pele. Tenho certeza que ardem como brasa e passo as unhas por elas, desafiando a proteção das asas tatuadas em seu peito. Ele puxa o ar com dificuldade pela boca ainda com o lábio entre meus dentes.
Desço a mão pelo cós de sua calça até que meus dedos encontrem seu pau excitado espremido pelas roupas. Desço mais um pouco e aperto suas bolas até que seu impulso seja afastar o corpo. É aí que seus lábios tentam escapar de mim e fecho ainda mais a mordida. Tyler lacrimeja, entendendo que resistir vai machucá-lo ainda mais. Ele confronta a dor com autocontrole. Aprende rápido pra caralho. Então afrouxo a boca.
– Aparato de tortura com pernas. – ele esfrega as costas da mão na boca e sorrio.
– Você tem a boca mais gostosa que eu já vi. – elogio ainda com o gosto dele na língua.
– Eu estava pensando o mesmo até você tentar comer a minha.
Tiro a mão de sua calça e levanto o vestido até a cintura, satisfeita por ele achar que eu poderia arrancar um pedaço seu.
– Mete os dedos em mim. – ele dá um passo atrás e vê que estou sem calcinha. – E não seja gentil.
Tyler poderia simplesmente escorregar sua mão enorme pela minha boceta molhada e cumprir com meu desejo. Mas ele avança sobre mim, pela lateral do meu corpo e me dobra sobre a pequena mesa espalhando o copo e a vodca pelo chão. Então acerta um tapa bem dado na minha bunda que me faz segurar o ar que ia escapar do meu peito esmagado na madeira de cor tão escura quanto ele. Sua mão desliza pelo meio das minhas nádegas, pressionando tudo em seu caminho me fazendo contrair os músculos violentamente. Então ele entra no meu corpo com o que sinto serem dois dedos, uma vez até o fundo. Na volta são três dedos e eu gemo alto.
– Mais. – minha voz é assertiva e minhas mãos apertam a mesa.
Ele enfia os dedos em mim e os move me fazendo sentir ondas de calor. Sua outra mão pressiona minha lombar e aperta minha bunda, alternando a força com tapas que me jogam um pouco pra frente. Estou quase em êxtase quando ele me assegura que tem mesmo a boca mais gostosa que eu já vi, lambendo minha bunda, passando a língua por trás de mim.
Embora eu tenha certeza que vai doer absurdamente, meu corpo anseia tê-lo ali.
– Entra, Tyler. – eu peço torpe pelo prazer de sua mão e língua. – Me fode aí.
Ele respira fundo e se levanta no tempo em que estico o braço e alcanço uma camisinha na bolsa. Apenas levo o braço atrás sem me levantar da mesa. Meu corpo está quente e meu sexo latejante. Fecho os olhos quando ele encosta o pau na minha bunda, esfregando de leve e em seguida passando em mim para aproveitar a lubrificação do meu corpo. Ele dá duas estocadas, molhando ainda mais a camisinha. Eu adoro a sensação de seu pau me preenchendo, embora queira ainda mais o que vem a seguir.
– Italia. – ele diz como se fosse algo extremamente pornográfico.
Sobe as mãos pelas minhas costas e aperta meus ombros, posicionado para entrar em mim. Um “cala a boca" passa pela minha cabeça, mas em vez de dizê-lo eu faço um “hum" comprido e cheio de uma satisfação alucinada.
Tyler entra de uma vez em mim e eu grito. A sensação amolece minhas pernas, doendo pra caralho e baixo o rosto na madeira com uma expressão sofrida. Ele espera que eu pare de contrair repetidamente os músculos, como se quisesse expulsá-lo de mim.
– É isso que você quer? – ele dá uma estocada e eu choramingo.
Filho da puta, ele está se divertindo com sua pequena vingança por ontem. Pequena não, imensa. Chamar qualquer coisa de pequeno neste homem é uma injustiça. Eu dou uma risada debochada.
– É o melhor que você pode fazer? – provoco e ele aperta ainda mais uma mão no meu ombro, enquanto a outra agarra meus cabelos.
Eu sinto a raiva dele por não me ver sucumbir, nem pedir por ele, nem concordar que é o que eu queria. Eu não me dobro ou submeto, embora tudo em mim me mande pedir “não pare, por favor.”.
Sou puxada para trás violentamente pelos cabelos e ele começa a me foder com força, rápido e delirante. Ele faz sons rosnados, possuído pela vontade de me comer ao mesmo tempo que ainda se sente sob meu comando. Tyler quer me mostrar que pode mandar também. Mas eu entendo que ele está completamente confuso pela nossa interação. Ele só está me comendo por que EU quis, do jeito que EU quis, depois de ter ido atrás de mim pela rua como cão abandonado iria atrás de seu antigo dono.
Meu corpo inteiro se chacoalha sobre a mesa e meus pés chegam a sair do chão quando ele estoca. Os homens tendem a ser lentos no sexo anal, com receio de machucar a mulher. Uma vez que está condição está eliminada é o tipo de sexo que os transforma em animais irracionais.
Levanto uma perna e coloco o salto do sapato entre o joelho e a coxa de Tyler, empurrando-o para trás até que ele saia de mim. Me levanto sentindo o corpo todo doer infernalmente e tenho um sorriso no rosto quando viro de frente pra ele. Nenhum de nós dois gozou ainda e esta pausa torturante intensifica as sensações de nossos corpos.
– Eu te machuquei? – ele parece voltar à consciência num baque.
– Óbvio que sim. – não finjo nenhum arrependimento. Ele estava certo, era o que eu queria. – Deite-se.
– Você é perversa... – ele respira fundo me olhando atônito.
Tyler não sabia que era capaz de possuir alguém dessa forma tão instintiva e violenta. Ele queria me ver implorar, sofrer pelo seu sexo, pedir por ele. Quando não o fiz seu lado vil o fez me foder sem nenhuma consideração pelo meu prazer, ou dor. Eu vejo seus olhos se enchendo de culpa.
– Eu mandei deitar.
Ele me obedece receoso e sento sobre ele, enfiando-o ainda por trás em mim. Ele geme e arranho as feridas em seu peito, fazendo-o urrar com o ardido que provoco. Eu sei que me vendo controlar os movimentos ele não ficará preocupado em me machucar. O cavalgo intensamente como na noite passada, só que desta vez suas mãos passeiam pelo meu corpo ainda vestido. Ele segura meus ombros, braços, minha bunda e fixa o olhar na minha expressão de prazer, enquanto meus gemidos preenchem o quarto tanto quanto ele preenche a mim.
A atmosfera é pesada e sensual. Eu continuo machucando seu corpo e ele o meu, mas agora ele me observa gozar profundamente e só depois se liberta em um orgasmo que parece intenso ao ponto de amolecer seu corpo todo sobre o colchão.
O peito de Tyler é um misto de arranhões e vergões provocados por couro cru. Mas a expressão de seu rosto é mais suave do que quando o avistei dentro do carro. Me levanto sobre os joelhos e ele sai de mim facilmente, quando impulsiono o corpo para me levantar ele faz um movimento rápido e agarra meus braços, me girando na cama e beijando a minha boca desesperadamente.
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Safeword
RomanceQuando o detetive Tyler McKenzie é chamado para investigar um homicídio parecia que nada poderia ficar pior em sua vida. Como ele mesmo vai descobrir, as aparências enganam, e as coisa sempre podem piorar. Ele entra no submundo do sexo em Chicago, a...