Lia
Rafaella não quer me beijar, ou estar comigo, ou sequer agradar Tyler. Eu a seguro comigo até o momento que ela desiste de deixar seus lábios nos meus e se afasta do meu corpo, frustrando o prazer de Tyler em nos observar tão de perto.
Eu esperava que ela cancelasse antes, já no momento que entramos no quarto, mas embora ela tenha se deixado levar um pouco quando eu a toquei, seu cérebro lógico e racional acendeu alertas vermelhos por toda parte, fazendo-a parar. O que Rafaella veio fazer em Safeword? Me conhecer.
Não a figura frágil que ela manipula com memórias do passado. Não a mulher que tem pensamentos desconexos sobre os acontecimentos de sua vida e parece mentir sobre tudo. Ela veio me ver agindo como uma maníaca, para entender se eu sou capaz de machucar alguém.
Ela deve ter concluído que eu sou. Obviamente.
Por isso eu não pergunto o que está acontecendo ou se ela está bem. Apenas a encaro esperando que ela se pronuncie sobre ir embora.
– Lella, está tudo bem? – é Tyler que se adianta em direção a ela.
– Está. – ela recupera o controle e me olha enquanto sorrio.
– Quais as conclusões, detetive? – pergunto abrindo os braços no “e então?” mais honesto da minha vida.
– Você é uma puta mentirosa, Italia, e está mentindo. Erin e Greg também estão e eu vou provar.
– Até mesmo você está mentindo, detetive. – digo friamente. – Você matou um homem. Bum, um tiro. Mente sobre isso, diariamente, até pra você mesma.
Vejo Rafaella Sanchez engolindo em seco.
– Realmente somos mesmo mais parecidas do que você imagina não é?
– Foi um acidente. – ela começa a ceder.
– Um erro não é sempre um acidente, detetive. O resultado é o mesmo: a morte de outra pessoa. O que te faz melhor do que eu, caso eu tenha mesmo matado Gavin e Clark? O que faz seu crime mais brando que o meu pra você me julgar assim?
– Isso é uma confissão Italia? – ela espreme os olhos pra mim. – É bom saber que sua boca é tão aberta quanto seu zíper com essa vadia. – Rafaella coloca o vestido olhando Tyler de um jeito furioso.
– De forma alguma. É só uma divagação. De assassina pra assassina.
A mão de Rafaella acerta meu rosto em cheio e ela continuaria me batendo caso Tyler não a segurasse imediatamente, afastando-a de mim. O segurança entra no quarto e faço um sinal para que ele aguarde.
– Deixe Greg e Erin fora disto, ou eu exponho sua história. – falo para ela enquanto Tyler me olha muito, muito bravo.
– Leve sua parceira pra casa, pirata. Acho que ela já viu o bastante. – instruo.
Eu saio do quarto aliviada, indo me despedir de Victor em seu escritório. Ele bate palmas tão logo fecho a porta.
– Você conseguiu o que queria? – ele pega alguns cubos de gelo e coloca num lenço, posicionando na minha bochecha.
Sanchez sabe bater, muito bem por sinal. Eu quase perdi o equilíbrio quando ela me acertou e se ela tivesse continuado nem todo o treinamento que Greg me deu poderia me salvar dela. Eu consegui reverter a forma que ela me faz sentir quando me intimida. Consegui manipular seu pensamento para que ela tivesse a satisfação de me prender, e foi ali que eu tive certeza que a vinda dela em Safeword não foi tão inocente quanto Tyler pensava. Ela demonstrou tanto prazer em me ter nas mãos que tenho certeza que pode continuar me considerando a assassina dos pobre garotos da Universidade de Chicago. Meu problema só aumenta, mas Erin está a salvo por ora.
– Eu consegui, Vic. Acho que ela não vai descobrir que Erin mentiu por mim.
– Ou Greg. – ele sorri.
– Qual foi a arte de Greg desta vez? – aceito o copo com uísque que ele me oferece e sento no sofá com ele.
– Hoje ele foi à delegacia para te dar um álibi para o dia que o tal Gavin foi morto. Conversamos sobre isso por um tempo.
– Como ele fez isso? – não consigo evitar a sensação pinicante no meu corpo, sabendo que mesmo após minha discussão árdua com Greg ele esteve disposto a me ajudar.
– Greg é esperto, Lia. Ele pegou um vídeo de um dia que você tenha ido até a casa dele e seus especialistas em tecnologia alteraram a assinatura digital, para a data em que você precisava de um álibi. Tudo sigilosamente e sem chance de rastreamento.
– Puta que pariu. Eu o tratei como lixo, Vic. – é impossível distinguir meus sentimentos. Por isso Rafaella mencionou Greg no quarto espelhado e embora não fizesse sentido que ela o conhecesse, achei que Tyler pudesse ter mencionado algo pra ela.
– Ele me contou sobre a briga de vocês, mas em nenhum momento isso o fez mudar de ideia sobre te proteger. Parece que você precisa mais do que nunca, Viúva.
– Se a polícia não achar Mason, eu vou ser presa, Vic. – olho incerta pra ele. Lembro sobre Greg dizer que Victor podia ser a pessoa que a polícia procura e sei que ele realmente faria qualquer coisa por Erin, mas não consigo achar que ele seria capaz disso.
– Você acha que Mason é o assassino?
– E quem mais poderia ser, Vic? Ele entrou na minha casa, e embora eu não acreditasse, talvez Erin e eu estejamos mesmo em perigo.
– Proteja-se, garota. Eu vou cuidar de Erin. Nada vai acontecer com vocês. – ele garante e me preparo para ir embora.
No táxi pego meu celular para enviar uma mensagem curta e resolutiva.
> Precisamos conversar.
Não demora muito para que uma resposta faça com que eu precise alterar meu itinerário para o apartamento do lado oposto do meu na cidade.
A manhã é penosa após uma noite mal dormida, ou praticamente sem qualquer sono. Minha cabeça repassou tantas vezes quanto pode as minhas conversas com Greg e Victor. Mas o olhar bravo e intenso de Tyler me atormentou mais do que tudo. Eu não tinha como falar com Rafaella dentro da delegacia, com câmeras sobre mim, por isso insisti que Tyler convencesse Sanchez a ir à Safeword. Eu precisava dela no meu ambiente. Como dois insetos eles caíram na teia da Viúva Negra e eu sabia que isso me custaria toda confiança que ele já depositou em mim.
Saio de casa antes mesmo de Cecilie chegar, embora seja difícil começar o dia sem seu café, não vou conseguir começar nada enquanto não puder ver Tyler. Estaciono em frente ao hotel preenchida pelas memórias do que tivemos no quarto. Gostaria de poder voltar aos dias de culpas mais simples do que mortes e suspeitas. Bato na porta junto com a claridade que começa a surgir, sentindo um frio desgraçado, tão frio quanto o rosto sonolento de Tyler ao me ver.
– O que você está fazendo aqui? – a pergunta que eu esperava, mas em vez de um tom bravo e forte ele sussurra, saindo pra fora e fechando a porta.
Olho seu corpo dentro da camiseta e minha vontade é abraçá-lo, mas nossa proximidade parece construir milhas de distância entre nós.
– Quero explicar o que aconteceu ontem. – digo e ele levanta a mão, pedindo que eu diminua o tom de voz. É então que faz sentido. Rafaella Sanchez está dentro do quarto. – Ela está aqui?
Tyler esfrega o rosto irritado.
– Eu não me interesso pelo que você tem a dizer, sua vaca insensível. – ele esbraveja num sussurro.
– Tyler, eu sei que usei sua confiança, as coisas que você me contou, contra você. Sei que foi egoísta.
– Você acha? – ele é extremamente irônico.
– Me escute. Eu não posso deixar que a cruzada de Rafaella contra mim coloque Erin em risco. – digo num tom ridiculamente suplicante. Eu não me reconheço nem por um segundo, mas preciso que Tyler acredite em mim e principalmente, entenda meus motivos.
– Vai se foder, sua doente. – ele agarra meus braços com força, arregalando os olhos pra mim. – Pra proteger Erin você é capaz de foder com Rafaella, eu entendo, mas eu confiei em você, Lia. EU confiei.
Ele me empurra contra a parede e minha cabeça faz um baque seco no concreto. Dói, mas finalmente estamos chegando em algum lugar.
É na raiva que Tyler demonstra seus reais sentimentos, e isso é fundamental pra nos conectarmos de novo.
– Eu sinto muito.
– O caralho que sente. Eu sei que não sente. Eu vi como você se divertiu humilhando e chantageando Rafaella.
– Eu vou te contar a verdade. O que eu sei. – digo quando ele me solta, parecendo aturdido com a própria atitude.
– A verdade? Você sabe o que é isso? – ele sorri cinicamente. – Eu acreditei em você, Lia. Tem uma fila de pessoas dispostas a mentir por você, inclusive eu mesmo, e você é leal a elas, mas me apunhalou de um jeito tão frio que eu não consigo acreditar em mais nada que sai da sua boca.
– Só uma chance. É só o que eu peço. Mais uma que seja.
– E por que eu deveria?
– Porque “Eu e você, Lia, sem joguinhos” foi real. Você sabe que foi. Quando estava na minha casa, éramos eu e você. – digo com um nó na garganta. – Por favor, Tyler.
Seu peito se enche de ar e ele expira uma longa névoa branca pela boca. “As coisas são como são” não parece mais tão honesto assim, embora continue tatuado em seu braço. Às vezes, as coisas não são como aparentam e passo o dedo sobre a escrita em sua pele escura. Eu nunca quis tanto ser perdoada por alguém na vida e isso me confunde e desespera.
– Você se aproximou de mim só pra me manipular, Viúva Negra. – ele conclui me olhando com desprezo.
– Quantas vezes você usou nossa intimidade para me investigar, Tyler? Ouvindo meus pesadelos para entender se eu tinha matado Gavin, ou mexendo no meu livro de faculdade, no meu armário de remédios? Quantas?
Ele fica em silêncio.
– Você não precisa mais falar comigo depois de hoje. Só preciso te explicar porque preciso proteger Erin.
– Se você ficou tão puta comigo por ter te usado pra minha investigação, por que nunca me disse?
– Porque eu estou apaixonada por você. Porque eu te queria além dessa merda toda de Gavin Linden.
Ele olha nos meus olhos e espreme o rosto, indignado.
– Você sabe que eu não acredito nisso nem por um segundo.
Eu sei.
– Eu sei. Não estou pedindo pra acreditar. Só pra me deixar explicar. – coloco a mão em seu rosto e ele desvia.
– Eu vou te mandar um endereço mais tarde, me encontre lá e você pode desfiar sua historinha dessa vez. Mas é a última vez, Lia. – ele abre a porta do quarto e entra.
Só me resta esperar que ele realmente faça isso.
Esperar não é realmente meu forte. Enquanto a cidade se enche de neve e expectativas para o Natal no final de semana, eu me encho de analgésicos e sombras. Olho pela janela do escritório pela maior parte do dia, até que meu celular finalmente receba um endereço próximo. Pego meu casaco e uma sacola de papelão volumosa que tenho guardado há alguns dias e saio a pé, me tornando uma das pessoas pequenininhas que eu observei do alto da minha janela por tanto tempo.
O endereço é de um escritório de advocacia pomposo. Talvez Tyler queira me indicar um bom defensor, como uma última ironia de seu humor sádico. Checo novamente na mensagem e estou no lugar certo, abrigada do frio na recepção do prédio. Demora alguns minutos e Tyler aparece saindo do elevador, seguido de dois homens e uma mulher com cara de poucos amigos.
Ele abre um sorriso forçado ao me ver e me abraça com um beijo caloroso na boca. Eu não podia estar mais perdida.
– Sério, Tyler? – a voz feminina é alta e irritadiça.
– Esta é Gabriela, Sasha. Gabriela, esta é minha furiosa ex-mulher. Oficialmente agora que assinamos os papéis. – ele aperta minhas costas como se quisesse me quebrar ao meio.
Embora minha cara não seja das melhores, eu entendo que Tyler quis exibir com falsidade sua volta por cima pelo final do casamento. Mal sabe a pobre Sasha o estado deplorável que seu ex-marido se encontrava após sair de casa e fracassar como marido.
Ela é uma mulher bonita, mas que se foda Sasha. Eu o abraço e sorrio.
– Obrigada por deixá-lo finalmente livre pra mim. – digo abrindo um sorriso e deitando a cabeça no ombro de Tyler.
– Ele é todo seu. – a frase vem carregada de ressentimento e ódio. Mas eu aguento coisas bem piores do que o despeito de uma mulher que se sente trocada.
Sasha anda para fora do prédio com seu advogado e o representante de Tyler se despede dele, me dizendo um “foi um prazer, Gabriela” bem polido.
Quando ficamos a sós Tyler me solta como se quisesse me repelir.
– Me fale mais sobre usar pessoas… – sei que a ironia só piora minha situação, mas não consigo evitar.
– Vai à merda, Italia. – ele começa a andar e o sigo para fora do prédio. – Não tenho muito tempo. O que você quer me dizer.
Paro um táxi e abro a porta pra ele. Tyler me encara desconfiado, mas entra em silêncio. Dou o endereço de um hotel na região e em poucos minutos estamos no saguão.
– O que estamos fazendo aqui? – ele me olha inquisitivo.
– Suíte de Lenora Bianchi, por favor. – peço ao atendente e ele acena com a cabeça.
– Quem é Lenora Bianchi?
– Bom ver que sua disposição para perguntas voltou, pirata.
– Não me chame assim. – ele fecha a expressão e me segue para o elevador.
Minha mãe sempre se hospeda no mesmo hotel e na mesma suíte quando vem me visitar. É uma mulher apegada a tradições e rotinas. Como ela e meu pai passam o Natal na Itália, sempre param em Chicago para me ver alguns dias antes. Ela e meu irmão, na verdade, vem para me ver. Meu pai evita ao máximo o encontro comigo.
A porta se abre para a sala de estar da suíte e minha mãe me dá um abraço rápido.
– Se eu soubesse que teria companhia teria pedido algum coquetel. – ela diz olhando Tyler de cima a baixo.
– Não vamos demorar, Lenora. – digo tirando o casaco.
– Não me surpreende. – seu ar enfadonho também não me surpreende.
– Este é Tyler McKenzie, um amigo meu.
– Prazer, Tyler. – ela dá um pequeno sorriso e Tyler acena com a cabeça, sem nenhuma intenção de ser gentil. – Vou falar com seu pai. Fiquem à vontade.
Ela foge tão rápido quanto eu de situações desagradáveis, tendo cumprido a missão de verificar se estou inteira e viva. Puxo Tyler para a sala e me aproximo de Giorgio, que assiste televisão.
– Piratinha, desligue essa coisa e venha aqui. – falo ao garoto e ele sorri pra mim, apertando os botões do controle e se levantando.
– Achei que não viria este ano, Italia. – ele me abraça rápido. Não somos muito carinhosos, obviamente,
– E eu deixaria de te dar este pacote imenso que o Papai Noel deixou pra você na minha casa?
– Eu não acredito em Papai Noel desde que eu tinha cinco anos, bobinha.
– Eu acreditaria nele o máximo de tempo possível, bobinho. – esfrego o cabelo castanho claro da cabeça dele e seus olhos azuis se espremem pra mim. – Não tenha pressa em crescer. A vida adulta é um tédio.
– Por isso que a mamãe diz que você não cresce nunca? – ele tem meu senso irônico de humor.
– Deve ser. – sorrio franzindo o cenho pra ele.
Giorgio abre o pacote com dificuldade e eu o ajudo. Ele agradece o presente com outro abraço desajeitado e volta a se sentar.
– Feliz Natal, piratinha. – digo quando beijo sua testa e acaricio novamente sua cabeça. – Estou indo, Lenora. Feliz Natal.
– Francamente, cinco minutos? – ela vem de dentro da suíte reclamando. – Nem sei por que eu gasto com as passagens pra Chicago, Italia.
– Tradição, Lenora. – a beijo rápido na bochecha e fujo.
Tyler me acompanha meio aturdido para fora e antes que ele comece a falar qualquer coisa eu sinto que devo usar o pouco tempo que nos resta.
– O garoto tem um braço ruim. Doze horas de trabalho de parto e ele fraturou uma clavícula assim que nasceu. Cicatrizou, mas a força não é a mesma que a do braço sadio.
– Quantos anos ele tem, Italia?
– Apesar de não se dar bem nos esportes ele é brilhante. – entro no elevador e Tyler me encara. – Todo mundo tem defeitos, certo?
– Quantos anos ele tem?
– Onze.
– Caralho. – Tyler fica boquiaberto me olhando e não é preciso ser um gênio em matemática pra ele entender que acabou de conhecer o filho de Mason Chadwick.
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Safeword
RomanceQuando o detetive Tyler McKenzie é chamado para investigar um homicídio parecia que nada poderia ficar pior em sua vida. Como ele mesmo vai descobrir, as aparências enganam, e as coisa sempre podem piorar. Ele entra no submundo do sexo em Chicago, a...