Capítulo XXXII

3.2K 377 53
                                    

***Miguel

  Eu mal conseguia enxergar naquele cômodo escuro em que eu havia acordado. O forte cheiro de mofo entrava em minhas narinas sem qualquer piedade.

O chão úmido e sujo era meu único apoio. Através das frestas nas paredes de madeira eu podia sentir o vento e o único vestígio de luz exterior invadir o local.

Meus pés e mãos estavam acorrentados e as correntes por sua vez, estavam presas ao chão de concreto áspero. Com certeza elas estavam sob algum tipo de encantamento, pois roubava todas as minhas forças, eu sequer conseguia me transformar. Eu só conseguia pensar que tudo acabaria ali pra mim. Eu já não tinha qualquer esperança de sair vivo daquele lugar sujo e fétido.

Alguns passos no cômodo ao lado chamaram minha atenção.
Lentamente a porta do pequeno cômodo em que eu estava preso foi se abrindo em um rangido estridente. Enfim avistei a figura daquele cara alto, magro e meio desleixado:

- Kaio! - Falei com a voz muito fraca.

- Que interessante, você sabe meu nome. - Disse sorrindo cinicamente.

- O que você quer de mim? - Perguntei.

Ele lentamente caminhou até mim e se abaixou na minha frente tocando meu queixo com seu dedo indicador. Do alto de todo o seu cinismo ele continuou:

- De você nada, bonitão... Não precisa se preocupar. Isso vai acabar logo... Já está escurecendo.

- Não me toque! - Gritei com toda a força que ainda restava em mim enquanto balançava a cabeça de um lado para o outro.

- Acho melhor poupar a energia que ainda lhe resta. - Provocou ele se levantando.

- O que quer dizer com: "isso vai acabar logo"?

Ele que estava de costas para mim se virou lentamente e me olhou nos olhos respondendo com satisfação:

- Estou indo me encontrar com seu amiguinho, o Thales... Temos assuntos para tratar um com o outro.

- O que você quer com ele?

- Isso não diz respeito a você. Então não perca seu tempo com perguntas desnecessárias.

- O Thales jamais se encontraria com você. Se ele sabe quem você realmente é, ele nunca iria ao seu encontro. Meus amigos também não deixariam ele fazer tamanha burrada! - O provoquei.

- Eu não teria tanta certeza disso. Ele com certeza está desesperado depois que assistiu ao vídeo que gravei no seu celular e deixei na sua casa.

- O que foi que você fez?! - Meu ódio agora aumentava e eu me debatia tentando em vão me soltar daquelas malditas correntes.

- Eu já disse: não perca seu tempo com perguntas desnecessárias. Ninguém poderá impedir que os planos do meu mestre se concretizem. Você e seus amigos, assim como os líderes de Conselho só estão gastando energias à toa.

  Eu agora de cabeça baixa só conseguia pensar em como aquilo tudo era confuso. Tantas perguntas e nenhuma resposta clara. Será que realmente tudo estava perdido?

- Me responda só uma coisa... - Pedi sem erguer a cabeça.

- Vamos, pergunte já que insiste tanto. Se eu puder, responderei. É o mínimo que posso fazer já que vou ter que te matar assim que conseguir pôr minhas mãos no seu amiguinho.

- Eu não ligo pro que vai acontecer comigo, afinal, já estou morto há muito tempo... O que eu não entendo é por que essa obsessão toda pelo Thales. O que ele tem haver com isso tudo?

- É muito simples meu caro... Ele é a chave de tudo. Ele é a peça principal do quebra-cabeça que meu mestre precisa terminar de montar.

- Não consigo entender...

- E nem precisa, já que você não vai estar aqui para ver o que está por vir.

- Kaio! - Uma voz masculina também jovial veio do cômodo ao lado. Provavelmente ele havia acabado de chegar. - Por que está conversando com o prisioneiro? Venha até aqui imediatamente!

- Agora preciso ir. O mestre chegou e está me chamando. - Disse Kaio me olhando enquanto seus olhos começavam a brilhar com uma cor amarelada.

Ele saiu e fechou a porta atrás de si. Agora minha maior preocupação era se Thales ficaria bem. Eu me recusava a acreditar que o baixinho fosse tão tolo ao ponto de se arriscar e ir de encontro a Kaio.

- Se eu pudesse fazer alguma coisa... Mas essas correntes estão encantadas, que droga! O Thales está correndo perigo e eu não posso fazer nada... - Eu sussurrava para mim mesmo lamentosamente.

- Você já sabe o que tem que fazer não sabe? - Ouvi novamente a voz do rapaz que havia acabado de chegar conversando com Kaio.

- Sim, mestre. Está tudo correndo como o planejado. - Respondeu Kaio.

- Eu preciso dele o mais rápido possível, caso contrário, todos os meus anos de esforço terão ido por água abaixo.

- Sim, mestre.

- E não se esqueça: mate qualquer um que possa tentar atrapalhar nossos planos. Não quero nenhum imprevisto. A grande noite enfim está muito próxima.

- Mestre, com licença... O que eu faço com esse inútil que está ao quarto ao lado?

- Depois que você pegar o garoto e levá-lo para mim, mate-o. Ninguém jamais se lembrará da existência desse inútil mesmo. - Respondeu o outro.

  - Pode deixar comigo. - Concordou Kaio.

- Agora vá. Já está na hora!

Foram as últimas palavras que ouvi.
Em seguida, barulhos de ossos se quebrando se espalharam pelo ambiente. Em poucos segundos um uivo arrepiante fez com que as paredes de madeira daquele lugar que eu imaginava ser uma cabana estremecessem.
Imediatamente os barulhos de impacto de patas com o chão foram se afastando até restar somente o silêncio.

Agora eu estava ali sozinho, no escuro. Eu nem sequer sabia onde era ali. Minha cabeça só conseguia pensar em uma coisa: Thales.

Uma sensação estranha invadiu meu peito. Era como se meu coração estivesse em chamas. Eu nunca havia sentido algo sequer parecido antes. Quando me dei conta, lágrimas escapavam dos meus olhos e rolavam pelo meu rosto gelado.

O medo do que poderia acontecer com o baixinho me fez perceber o quanto eu estava sentindo falta dele, o quanto ele era importante pra mim, o quanto eu queria poder vê-lo novamente. Porém, tudo me levava a acreditar que minha história tinha chegado ao fim.

O Belo e O Fera [Livro 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora