Capítulo XXXIII

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***Thales

Acordei muito assustado, percebi que a noite já havia caído. Tateei todo o colchão da minha cama à procura do meu celular, foi quando minha mão encontrou a silhueta de alguém.

Olhei para o lado e percebi que Bia estava deitada ao meu lado, ela dormia um sono que me parecia tranquilo. Me sentei à beira da cama coçando meus olhos e logo avistei meu celular sobre o criado mudo.

Me levantei cuidadosamente para não acordar Beatriz, apanhei meu celular, coloquei no bolso da calça e saí do quarto em seguida.

Desci as escadas e percebi que as luzes da casa estavam todas apagadas. Não havia sinal de ninguém no andar térreo. Fui até o cabideiro que ficava próximo a entrada e peguei um de meus casacos mais grossos que ficavam pendurados ali. Em seguida saí pela porta da frente a trancando em seguida.

A noite estava extremamente fria. O vento parecia navalhas cortando a pele sensível do meu rosto. A lua aparecida tímida entre muitas nuvens. Agora eu caminhava em direção ao bosque, deixando para trás minhas pegadas na neve fofa.

Alguns minutos depois eu já estava a meia trilha da clareira do bosque. O silêncio da noite era perturbador. Embora a trilha principal do bosque fosse razoavelmente iluminada, um certo medo tomava conta de mim, afinal, eu não sabia o que me aguardava. Mas a única coisa que me interessava naquele momento era salvar a vida de Miguel.

Mais alguns minutos se passaram. Eu enfim havia chegado ao meu destino final: a clareira no meio do bosque. Olhei em volta, porém não via nada além de árvores e neve. O frio daquela noite sombria começava a me castigar ainda mais.

- Eu sabia que viria! - Uma voz semelhante a um trovão surgiu atrás de mim.

Fui me virando devagar, até que pude avistar aquela grande fera de olhos amarelos brilhantes à poucos metros de mim. Eu conseguia ouvir sua respiração, devido ao frio, fumaça branca saía de suas narinas enormes.

- Cadê Miguel? - Perguntei quase sem voz. Meu pânico era evidente. Mal conseguia acreditar na loucura que eu estava fazendo em encontrar aquele monstro sozinho, mas eu não tinha nenhuma outra alternativa.

- Uma coisa de cada vez, meu caro... Primeiro eu te levo até meu mestre, depois solto seu amigo. - Agora o licantropo dava passos lentos em minha direção.

- Não era esse o combinado. Como vou saber que cumpriu sua parte do acordo? - Perguntei revoltado.

- Jamais saberá! - Gritando essas palavras a fera saltou sobre mim e eu senti um forte impacto na minha cabeça antes de apagar totalmente.

***

Eu tentava abrir meus olhos, porém eles pareciam estar pesados demais. Eu lutava para recuperar minha consciência por completo, porém, a única coisa que eu conseguia era sentir meu corpo sendo arrastado. Apaguei novamente.

***

Lentamente eu fui abrindo meus olhos. Agora eu sabia que estava totalmente consciente.

Eu estava ali, de pés e mãos amarrados no ponto mais escuro em que eu me recordava daquele bosque. Embora estivesse frio e nublado, eu suava como se tivesse corrido uma maratona. Era o medo!

As cordas que foram usadas para me prender davam a volta ao redor de um tronco de árvore onde minhas costas estavam apoiadas. Eu podia sentir minhas roupas molhadas por conta de ter sido arrastado pela neve. Eu não conseguia parar de tremer. O frio agora doía.

Os sons noturnos me apavoravam ainda mais, eu olhava para todos os lados e não via qualquer vestígio de vida humana próximo. De certo modo eu sentia que havia chegado o meu fim, já não conseguia mais suportar o frio.
Eu só queria ir pra casa.

Ouvi passos na neve. Eu não conseguia parar de tremer. Meu corpo já não me obedecia mais. Se eu não saísse dali ia acabar morrendo de frio.

- Ora, ora... Está com frio é? - Kaio em sua forma humana se aproximou me provocando.

Consigo ele parecia trazer algumas mantas. Ele chegou perto e meio desajeitado me enrolou naquelas mantas para que eu pudesse parar de sentir tanto frio.

- Vamos ver se isso dá jeito. - Começou ele. - Se você morrer de frio o mestre acaba com a minha raça.

- Por que tá fazendo isso? - Perguntei entredentes sem parar de tremer.

- Eu não tenho uma resposta pra isso. Eu apenas sinto necessidade de seguir as ordens do meu mestre. Faço tudo que ele me ordena. É mais forte do que eu. - Respondeu tranquilamente.

- Se ele pedir pra você se matar, você se mata? - Provoquei. Agora eu já conseguia pronunciar melhor as palavras.

Ele colocou a mão no queixo e olhando pro alto respondeu:

- Provavelmente sim.

- Isso é loucura, Kaio... Cadê o resto de sua alcatéia? - Perguntei.

- Estão esperando o momento certo de atacar, estão aguardando a ordem do mestre para entrar em cena.

- Que absurdo! Vocês não vêem que estão sendo controlados? Vocês estão sob um feitiço de controle mental Kaio... Você precisa me ouvir!

- Que bobagem. - Kaio soltou uma gargalhada. - Isso é impossível! Que conversa mais maluca.

- É verdade. - Insisti. - Por acaso você se lembra de quem você é? De onde veio?

- Mas é óbvio!

- E alguma vez na sua vida já tinha feito mal a alguém?

Agora Kaio havia ficado em silêncio, talvez tentando encontrar em suas memórias algum momento em que tivesse feito algo de mal.

- Engraçado, agora que você perguntou, a resposta é não. Eu nunca havia feito nada de ruim antes de conhecer o mestre. - Concluiu.

- Pois é. Ele está usando você, controlando você e toda a sua alcatéia para fazer o trabalho sujo pra ele. Vocês precisam se livrar disso! - Disse em um tom de voz mais alto.

- Não adianta. Nós não conseguimos nos controlar. Não somos mais donos de nossas próprias vontades. - Kaio explicava calmamente.

- Tem que haver um jeito de vocês se livrarem desse controle mental antes que seja tarde demais.

- Calado! - Kaio perdeu a calma. - Não aguento mais ouvir sua voz... Dá pra fazer silêncio e me deixar em paz por uns minutos, seu garoto mimado???!!!

- Tá vendo só?! - Gritei. - Você acha normal agir assim? Acha normal mudar de personalidade a cada poucos minutos? Eu só estou querendo te ajudar, Kaio!

- Você só está querendo se ajudar! Você só quer que aquele seu amigo idiota seja libertado. - Agora ele andava de um lado para o outro chutando a neve.

- Meus amigos são muito importantes sim! - Afirmei. - Mas também todas as outras criaturas mágicas são. Escuta, Kaio... Eu estou falando de coração... Eu só quero te ajudar. Eu sei que no fundo você é uma boa pessoa, você só está agindo assim porque não tem mais controle próprio de sua vida e de suas vontades... Esse desgraçado do seu mestre só está usando você e seus amigos para conseguir o que ele quer. E esse plano maligno dele envolve muito mais do que apenas me capturar. Ele quer eliminar muitas criaturas mágicas. Eu não quero que isso aconteça, tem certeza que é isso mesmo que você quer? A morte de vários inocentes?

- Paraaaaa!!!! - Gritou Kaio tampando os ouvidos como se estivesse enlouquecendo e caindo de joelhos no chão.

Os ossos do seu corpo começaram a estalar, os pêlos cresceram rapidamente por todo o seu corpo, seu rosto se alongou e sua cauda apareceu enquanto ele ficava sobre quarto patas...

Agora a fera estava ali diante de mim mais uma vez.

O Belo e O Fera [Livro 1]Onde histórias criam vida. Descubra agora