➵ 14 | Colo

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Depois de quase meia hora chego ao apartamento. Minhas amigas estão empoleiradas no sofá. Ol é a primeira a falar:

— Beverly! Por que você não veio com a gente? O que aconteceu? — ela está à beira de outro ataque de nervos.

— Ryven só nos deu a chave e disse que você falou que vinha sozinha. — Naomi completa.

— Eu não entendi nada.

Sento-me desanimadamente no sofá, encarando a parede com um olhar vazio — assim como me sinto agora: vazia, despedaçada. As garotas se juntam ao meu lado, preocupadas. Narro os detalhes. Minha garganta está seca e paro no meio para chorar um pouco. Ao término, três pares de braços me envolvem num aperto caloroso. A sensação fria insiste em descansar em mim, entretanto. Elas não conseguem acreditar tanto quanto eu mesma não acredito. Fecho os olhos, tentando não desabar em lágrimas novamente... Minha tentativa é falha.

Não acordo atrasada para a aula porque nem consegui pregar os olhos durante a madrugada. Já faz um dia desde de que vi Ryven e Lily se beijando. Um dia desde que vi a imagem que destroçou meu peito, que me deixou na ruína. Não sinto meu próprio coração. Ele está escondido em algum canto de mim, tentando em vão recolar os próprios pedacinhos espalhados. Que patética eu sou. Faltei a faculdade ontem e não quero ir hoje. Só que não posso. A faculdade não é igual o ensino médio. Se eu perder muitas aulas, posso reprovar feio. Fui ao trabalho, mas não falei nenhuma palavra por lá. Ryven não apareceu. Levanto-me com a força vontade inexistente e vou ao banheiro. Não considero que me arrumei. Não consigo nem me concentrar pra passar a droga da maquiagem. Irritada, coloco um conjunto de moletom e óculos escuros.

— Bev, por que está toda de preto? — Naomi surge da sala com uma tigela de cereais e leite.

— Porque é como eu me sinto.

Olívia nos leva para a escola. Lá eu visto o que mais temo. Ryven Blackthorn do lado do carro de Michael, com a cabeça baixa e os ombros tensos. Age como se sentisse muito pelo erro. Maldito ator. Abandono o carro. Dou um "oi" para todos os meus amigos, complementando com seus nomes, e ignoro o meu atual ex-namorado. Também não espero ninguém pra ir para as aulas. Quando Ryven tenta se sentar do meu lado na primeira aula, Rachel o puxa pela manga da jaqueta e o manda ir pra longe com um peteleco. O horário se arrasta lentamente. Mal ouço direito o sinal para o almoço tocar e saio apressada. Minhas amigas prometem que nos sentaremos numa mesa longe dos rapazes. Antes mesmo disso nossos celulares vibram. Todos eles.

— É um vídeo do canal do Walter Jordan. — Rachel olha a tela.

Walter Jordan, um nerd da área de tecnologia que vive tentando crescer num canal do Youtube contando da vida em Skarye Fall. Sua postagem mais famosa foi um vídeo curto de mim brigando com Bettany Marsh. O título é como "AS LOIRAS SE ATACAM!"

— N-Não é nada demais... — Olívia empurra o próprio telefone para o bolso detrás do jeans. — Vem, acho que é melhor você sair daqui mesmo e...

Pego meu próprio celular e o abro na notificação. A filmagem retrata um banheiro. O jeito e posição da imagem me faz pensar que foi gravado pela janela em algum detrás da escola. Mostra duas pessoas se beijando, e uma terceira chegando para atrapalhar o momento. São Lily, Ryven e eu. Enfio o celular no bolso e giro os calcanhares para sair correndo antes que as pessoas assemelhem as informações e comecem a rir da minha cara. Quando atravesso as portas duplas, esbarro num ser e caio de bunda no chão. A pessoa logo me puxa, pondo-me de pé. Ao ver Ryven, o sangue foge do meu rosto. Suspiro, balanço a cabeça e passo por ele correndo. Nem mesmo quando já estou longe o bastante posso respirar em paz. Enquanto perambulo pelas ruas, sem saber o que fazer, meu celular vibra.

— Alô? — atendo.

— Beverly, graças a Deus! Como você está? Você saiu correndo e não conseguimos te alcançar... — a voz de Olívia está carregada de angústia.

Encerro a ligação sem dizer nada. Não é como se eu estivesse com ânimo para falar pelo telefone agora. De qualquer modo, minhas chaves estão com Rach. As aulas que vão ao inferno. Minutos de caminhada depois e eu chego na minha residência. Tem uma mulher me esperando no sofá, e para a minha felicidade, é Hermione Anderson.

— Mamãe?

Hermione é uma mulher em seus quarenta e tantos anos, loira e muito bonita. Parece uma atriz de cinema hollywoodeana. Só a vendo percebo que ficamos meio afastadas. Sinto culpa por não ter respondido suas mensagens mais recorrentemente ou tê-la ido visitar nos fins de semanas por estar em festas ou de ressaca.

— Eu vim te ver, querida. Entrei com a chave reserva debaixo do vaso de planta. — Responde calmamente. — Não ganho nem um abraço?

Me uno a ela no sofá. Um cheiro reconfortante de lavanda e lírios preenche meu nariz.

— Mãe... — reprimo um soluço. — Você foi um presente agora.

— Eu sei, querida. Olívia me ligou hoje e contou tudo. Vim correndo. — Um sorriso doce e carinhoso está em seu rosto. Ela indica que eu me deite com a cabeça em seu colo. Obedeço. — Como você está?

Soluço.

— Eu amo ele... — a sinceridade felizmente é algo que cativamos uma na outra muito cedo. Me sinto confortável em me abrir. — Eu não tenho vontade de fazer nada ultimamente. Estou tão desanimada...

Mamãe alisa meus cabelos.

— O tempo cura tudo, querida... Até as feridas mais profundas. Vai passar, meu bem. Vai passar. — Sua carícia vocálica é como xarope de mel. — Por que você não dorme? Descanse um pouco, Bev.

Confirmo.

— Acho que tudo bem...

Meus olhos estão se fechando quando pronuncio. Momentos depois, eu durmo. É a primeira vez em dois dias.

Acordo no meu quarto horas depois. No caminho para a sala, pego o pedaço de uma conversa.

— Ela está tão abatida. — Mamãe diz tristemente.

— Herm, eu prometo que ajudaremos. Vamos resolver toda essa confusão. Posso cuidar pessoalmente disso. — Olívia a acalenta.

Entro na sala — e na conversa ao mesmo tempo.

— Posso saber como você vai fazer isso?

Olívia me fita. Não está muito surpresa que eu as tenha pegado no flagra.

— Ainda não faço ideia... Só o que sei é que eu vou dar um jeito nessa bagunça em nome do meu irmão. E isso é uma promessa. 

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