➵ 40 | Tempos sombrios

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— Beverly? — Olívia bate no vidro da minha janela.

Minha cabeça pesa cem quilos quando a afasto do volante e endireito a postura. Estou atordoada e demoro um tempinho pra destrancar a porta. Aparentemente dormi no carro do outro lado da rua do nosso prédio depois de chorar por horas e horas durante a madrugada. Minha amiga me ajuda a manter o peso em seus braços, me segurando pela cintura.

— Eu nem dormi de tão preocupada com você. Não te vi saindo ontem. — Ol nos atravessa na rua e me leva para o nosso apartamento pelo elevador.

— Eu fui falar com o Ryven, Terminei com ele. — Disso eu me lembro bem. Uma lembrança que nunca vou esquecer enquanto estiver viva.

Olívia não insiste em saber sobre. Acho que ela entende o meu lado e se preocupa comigo. Minha melhor amiga me deita na cama para que eu descanse. Não reclamo do gesto, inclusive adormeço em instantes — essa anda sendo a melhor parte dos meus dias ultimamente.

— BEVERLY! — o furacão Rachel Reynolds me socode — não literalmente.

Tanto eu quanto Olívia nos mexemos.

— O que foi...?— esfrego os olhos.

— O que você tá pensando? Só porque está morrendo não pode afastar as pessoas da sua vida por achar que é o melhor! — Reynolds grita.

— Do que você tá falando?

— Ryven. Eu estou falando de Ryven. Sei muito bem o que fez e não vou deixar que cometa esse erro, mocinha.

Ah, Ryven... Suspiro.

— Eu não quero que ele sofra, Rach. Você não entende...

— Você está fazendo ele sofrer em dobro, sabia? Do mesmo jeito de quando ele tentou esconder que não te traiu com a ex-namorada por medo de Lily fazer algo com você. — Rachel refresca minha memória.

Estou exausta para isso agora.

— Talvez sim, talvez não. Ele vai sofrer mais se ficar ao meu lado me vendo definhar aos poucos sem que possa fazer nada para me ajudar. Conheço Ryven pra saber que isso o mataria por dentro. Você realmente quer vê-lo assim? Eu não quero, porque o amo demais pra isso. — Puxo um travesseiro e me agarro nele. — Vai ficar mais fácil. O tempo cura todas as feridas... Infelizmente só não cura a minha.

Rachel não me responde e Olívia se pronuncia pela primeira vez:

— Eu só não quero que o meu irmão sofra mais.

Me direciono a ela.

— Ryven é a pessoa mais forte que eu conheço. Ele vai superar. Vai passar por isso tudo e no futuro achará outra pessoa que dê o valor que ele merece. Ele vai ter filhos... Será um bom marido e um ótimo pai... — esboço um sorriso triste.

— Eu sinto muito... Sinto muito... — sinto muito que não possa ser você, é o que ela quer dizer.

Rachel se nega a dar crédito.

— Não, nada disso. Você e Ryven vão se casar e me dar sobrinhos. Os dois juntos, porque mudei de ideia e quero ser tia. Eu quero levar meus pequenos pra tomar sorvete nas custas de Carter enquanto você e Ryven aproveitam o tempo sozinhos na maravilhosa casa dos dois pra fazer mais sobrinhos. E quando olharmos pra trás, vamos rir de toda essa situação. — A voz dela está carregada. Me surpreendo. Rachel sempre foi a mais controlada de nós três emocionalmente dizendo. — Eu me recuso a entrar nesse estado mórbido de pessimismo. Vocês também deveriam. — Contrariada, nos deixa para que não a vejamos chorar.

Ryven Blackthorn passa pela porta nesse instante, surpreendendo tanto a mim quanto a irmã.

— Quero que saiba que eu nunca, nunca vou desistir de você. — Ele diz. Depois simplesmente sai.

Minha semana não poderia ser pior. Me demiti do meu emprego, tranquei o curso na faculdade e passei boa parte do meu tempo no hospital com a doutora Stanley. Mamãe me acompanha em tudo — gosto disso.

— Como vai hoje, Beverly? — Kendra é uma mulher alta de cabelos curtos e crespos. Ela tem um sorriso contagiante.

— Bem, eu estou morrendo, então... — dou de ombros. — Bem na medida do possível.

Kendra ri.

— Fico feliz que esteja de bom humor pra fazer piadinhas. Hoje chegaram os resultados dos exames que eu pedi. Estou otimista com eles. Mas vamos pra hemodiálise antes, sim?

— Uh, claro, mal posso esperar...

A sensação horrível de boca seca me faz despertar. Cambaleio na madrugada e saio pela porta do quarto. O ambiente parece diferente quando eu vou para a cozinha. É madrugada, as meninas estão dormindo, nenhuma por perto. Pego uma jarra d'água na geladeira e um copo. Encho na maior pressa e tomo tudo de uma vez, mas meu estômago rejeita e vomito. O líquido se transforma em vermelho. Quando toco a boca, percebo que há sangue. Uma tosse compulsiva me doma e cuspo mais uma vez a saliva misturada ao carmesim. É tão forte que eu caio no chão, curvada feito um feto no útero. Tento gritar por socorro, mas estou muda, incapacitada de falar. Nenhuma palavra saí da minha boca, nenhum som além do grunhido debilitado. A dor piora, é terrível, está queimando e sufocando. Não consigo respirar. Meus olhos vão sair das órbitas a qualquer momento e sangue escorre do nariz, dos ouvidos e da minha boca. No exato segundo sei que estou morrendo de um jeito terrível. A escuridão vem, domina meu campo de visão, e de repente não sinto mais nada. 

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