➵ 39 | Tudo por ele

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Estaciono na floresta atrás do carro que reconheço como o de Ryven. A tristeza no meu peito intensifica porque sei o que acontecerá daqui alguns minutos.

Seja forte, Beverly. Seja forte, minha mente repete e repete. Eu estou tentando, tentando mesmo, mas é difícil ser forte quando se está prestes a terminar o melhor relacionamento amoroso que já teve. Limpo as lágrimas e faço um retoque rápido antes de descer. O céu se mantém negro e rajadas de frio me atingem com força. Eu me aproximo da clareira e... finalmente o vejo. É difícil; difícil estar no nosso local sabendo que possivelmente nunca estaremos juntos aqui como antes. Nós não nos beijaremos ao pôr do sol sentados nessa grama, não nos deitaremos para olhar as estrelas ou nadaremos no lago. Prendo o choro. Ryven está deitado no meio da vegetação baixa, os braços atrás da cabeça e o rosto voltado para cima. Afasto uma mecha de cabelo que chicocheteia minha bochecha de acordo com meus passos. Os anos de teatro que fiz no colégio vão me ajudar a entrar na personagem que eu criei durante o meu trajeto até aqui — uma mulher fria, mesquinha e fútil. Por um momento, terei de ser ela e fazer a atuação mais brilhante da minha vida para convencer o expectador — Ryven — de que é o fim. Eu endireito o corpo, arreto a coluna — ombros para trás, nariz empinado, pose de modelo — e limpo a mente. Ryven vira a cabeça e me vê, abre o sorriso mais brilhante que já vi na vida e eu me derreto por dentro. Minhas pernas fraquejam, o coração erra as batidas. Não é a hora de desistir do plano — idiota.

— Oi. — Ele fica de pé num pulo, me agarra pela cintura e me beija. Apesar de me sentir mal, não afasto. Deixo que nossos lábios se unam em um beijo único... — um beijo de despedida. Gravo seu cheiro — o delicioso perfume amadeirado —, seu toque... E quase não consigo mais fingir ser uma garota gelada. — O que era tão importante pra você querer conversar comigo de madrugada? 

— Eu te trai. — Digo, sem rodeios, sem preparo.

Eu te trai. Te. Trai. Ryven ergue as sobrancelhas, pisca os olhos e então ri.

— Que brincadeira é essa, amor? Não estou entendendo? — ele enche-se de expectativa. Isso me quebra. Minhas glândulas lacrimais transbordam, comprimo os lábios para não tremerem e descubro que não adianta nada. — Qual a pegadinha? Isso já tá começando a ficar um pouco macabro. — Ele tenta se apegar na esperança de que tudo não passa de uma travessura de mal gosto.

— Eu te trai, Ryven. Eu te trai... Hoje. — Repito, mais alto, com tanto pesar que não consigo olhá-lo nos olhos.

O silêncio nos doma. Ryven não faz nada. Acompanho minha respiração... As lágrimas escorrem devagar, posteriormente vem com a força de um furacão. Meus ombros tremem e afogo. Por um segundo, olho para cima, fito as árvores da paisagem e respiro um pouco de ar puro. Meu peito está destroçado. Arrisco olhá-lo por um segundo e vejo Ryven finalmente tomar conta da gravidade da situação. Seu semblante muda, se transforma. Eu preferia vê-lo coberto de ódio, mas a maneira que as íris tomam tons de um reflexo marrom entristecido me quebra.

— Você não tá falando sério. — Diz baixinho. Coloco o pulso na frente da boca. Uma traição é a maneira que arrumei de um término, algo que sei que ele não suportará e ainda assim que vai doer menos que saber que estou morrendo. Eu não quero dá-lo esperanças; não quero que ele fique lutando ao meu lado para no final me ver perecer lentamente. Não posso deixá-lo passar por essa longa jornada comigo. É um peso que eu tenho que carregar sozinha, algo que aguentarei melhor sem ter um Ryven esperançoso chorando a cada novo resultado de exames. Ele se aproxima de mim e segura as laterais dos meus ombros. — Pare com isso, Beverly. Por que está mentindo assim? É claro que você não fez isso, eu sei que não.

Afobo o mar na minha garganta.

— Eu fiz, eu fiz sim. — Tento nos convencer da mentira que criei.

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