➵ 23 | Heroico amor

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| RYVEN |

Andejo pela floresta pálida a procura do meu amor. Não sei onde ela está, não sei como está e não tenho certeza de quem a levou, mas sei que a amo o suficiente para não desistir da busca, porque não posso deixá-la por nada neste mundo.

Mason e Olívia buscam no lago congelado e em minutos eu os encontro lá também.

— Alguma coisa?

— Não. — Ele nega.

Droga. Quero gritar para extravasar minha raiva, mas se fizer isso eu sei que vou me descontrolar. Estou prestes sair para procurar em outros lugares quando uma movimentação do outro lado do rio me chama a atenção. Uma mulher loira rola pela declinação na neve junto de um cara. Aperto meus olhos quando ela corre pela água congelada, o vestido turquesa e os fios dourados do cabelo oscilando no vento... É Beverly.

Ajo instintivamente ao me livrar do meu casaco grosso, o paletó e correr para lá um segundo depois que o gelo se parte e Beverly afunda. Mason e Olívia gritam. Estou desviando das rachaduras para não aumentar o buraco irregular, por onde mergulho de cabeça. Meu corpo queima pela água negativa ao contraponto que queimo por dentro em calor e energia. Aperto os olhos diante da água e, com muita dificuldade, consigo avistar um ponto verde mais abaixo de mim em meio ao azul-escuro da água. Eu nado mais rápido até lá, percebendo que é o vestido de Beverly. Ela está imóvel. Os fios de seu cabelo, mais claros contra a água, espalham-se ao seu redor assim como o vestido esvoaçante. Tem uma porção de dedos ao redor do pulso. Seguro a mão dele e uso toda a minha força para libertar minha namorada do aperto mortal. Pego Beverly pela cintura. Não tenho tempo a perder. Quando nado para cima, me impeço de pensar em Flynneas lá embaixo. Ele a machucou, e eu nunca o perdoarei por isso. Se conviver com o peso de sua morte em minha mente é o peso para mantê-la segura e proteger o mundo de mais um babaca, conviverei com ele. Assim que alcanço a superfície, puxo todo o ar que meus pulmões conseguem. Ergo o corpo da loira até que seu tronco esteja firme no gelo para que eu possa me levantar, pegá-la em meus braços e seguir para a margem do rio, onde meus amigos me esperam. Deixando de lado o frio, a coloco na neve para ganhar apoio. Numa rápida olhada vejo que o peito dela não sobe ou desce... Ela não está respirando.

— Beverly, acorde... — sussurro. Começo a fazer massagens respiratórias e respiração boca-boca nos certos intervalos com a esperança de que a traga de volta. — Vamos, Beverly... Eu não posso te perder! Volta pra mim! — não vou desistir dela. Nunca mesmo. Eu não desistirei do amor da minha vida, por isso tento repetidas e incansáveis vezes trazê-la de volta. Ninguém fala nada, o único som é o choro da minha irmã. Ela chora porque acha... Não me deixo pensar nisso. Eu vou conseguir, vou trazê-la.

| BEVERLY |

Meu peito queima e a água que preenche os pulmões sai pela minha garganta. Cuspo e vomito todo o líquido do rio instantaneamente. Alguém levanta meu corpo e me ajuda a sentar enquanto tusso incontrolavelmente. Quando finalmente a fase infernal para, noto que meu queixo treme. Todo meu corpo treme. Cada célula sofre com o frio extremo. Minha pele tem um tom levemente azulado de quem passou por uma situação de quase-morte.

— Graças a Deus. — Uma voz familiar chega aos meus ouvidos e braços me envolvem até quase quebrarem minhas costelas.

Estou encharcada. É muita informação para assemelhar.

— Como você está? — Olivia chora descontroladamente.

— C-Com... f-frio... — meus dentes batem uns nos outros repetidas vezes. Falar não é uma opção.

— Eu também. — Ryven ri, pega um grosso casaco e passa ao redor dos meus ombros. Mason tira seu casaco e dá ao amigo.

Aos poucos memórias turvas tomam minha mente confusa.

— O que aconteceu? Eu só me lembro de me sentir sem ar e afogar... Depois tudo ficou escuro...

— Ryven pulou no lago e te pegou. — Alguém explica.

Bato os cílios congelados. Ryven? Ryven fez isso? O encaro. Ele sorri com culpa. Escancaro a boca. Ele... me salvou. E eu não sei o que sentir além de gratidão e uma enorme vontade de cair em lágrimas. Infelizmente minhas glândulas lacrimais estão congeladas.

— Onde está o Flynn...?

Ryven se mexe, desconfortável.

— Eu não consegui pegá-lo.

— Então o Flynn morreu!? — Rachel exclama, surpresa e com uma pontadinha de felicidade implícita.

— Acho que sim.

— Ele cavou a própria cov... Quer dizer, sinto muito por ele. — Reynolds bota a mão no peito, falsamente comovida.

Minha mente para por um momento. As engrenagens no meu cérebro lutam para funcionar. Flynn está morto... É simplesmente inacreditável. Não consigo digerir. Mesmo tendo me feito muito mal, nunca desejei a morte dele. Não de verdade. Ele era uma pessoa, ao final de tudo. Os braços fortes de Ryven me puxam novamente e me deixo ser embalada. Fecho os olhos. A escuridão nunca foi um bom lugar para se estar.

Luzes vermelhas e azuladas invadem meu campo de visão conforme a viatura da polícia e um carro da ambulância iluminam nossos rostos. Os paramédicos nos levam para o interior da ambulância e fornecem cobertores quentes. Eles fazem exames rápidos, cuidam dos nossos machucados enquanto meus amigos explicam todo o ocorrido. Meus cortes são tratados. Devo estar um caco. Com o lábio cortado e ferido pela temperatura, os cabelos duros e uma pele nada saudável. Os policiais dirigem até a delegacia, oferecem seus chuveiros e roupas secas. Eu e Ryven explicamos todos os detalhes. Meu celular e o de Rachel ficam confiscados. Eles alegam que confirmarão o que foi dito com o padre. Não deixo que avisem minha mãe. Não quero estragar o casamento. Esse ainda é o dia dela. Depois de muito tempo nos liberam. Peço para Carter, Rachel, Olívia e Mason voltarem para a festa e me darem cobertura. Mesmo no meu apartamento, depois de outro banho quente e um conjunto de moletons, não me livro do sentimento aterrorizante do terror e do gelo. Ryven também faz o mesmo processo e se veste com algumas roupas que achei de Mason no quarto da Rachel. Na sala, afundo no sofá e simulo que estou vendo TV.

— Como... Como você está? — ele se acomoda embaixo do edredom grosso comigo.

Suspiro.

— Na verdade, eu não sei. É muita coisa para processar...  E Flynn está morto... Eu não queria isso, Ryven. Eu não queria... — lágrimas escorrem pelas bochechas.

Ryven retorce a face.

— Eu não sei o que dizer, Beverly. Eu não ia deixar você morrer para salvá-lo. Eu nunca deixaria você morrer.

Seguro seu rosto imediatamente, temendo que ele ache que o culpo por algo.

— Amor, não foi sua culpa, ok? Você não pode salvar o mundo todo. E se eu pudesse escolher, nem teria deixado você entrar naquele lago e se arriscar. — Fito as íris castanhas e profundas até encontrar a janela da alma. — Mas eu sempre vou ser grata por você ter me salvo. Eu faria o mesmo por você. Eu faria tudo por você, porque eu te amo, Ryven Blackthorn. Sempre vou amar.

Ele encosta o alto da testa na minha e fecha os olhos.

— Eu também faria tudo por você, Beverly Anderson. — Responde. — Amo você.

Quando nos afastamos, me deito no sofá, a cabeça em seu colo. Os dedos dele envolvem meus cabelos e começam a acarinhar. Não sei quando ou como, em algum momento eu adormeço graças ao cafuné quente, carinhoso e amoroso. Depois de uma tragédia dessas não posso querer estar em nenhum outro lugar que com meu verdadeiro amor. 

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