➵ Extra | Pequena Estrela

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— Ryven...

— Sim, meu amor? O que foi...? — meu marido cessa o falatório assim que vê o líquido transparente descendo nas minhas pernas. Parece xixi, mas sem a cor amarela. Primeiramente ele fica parado, então os olhos se arregalam gradativamente. — A bolsa estourou? A bolsa estourou, Beverly!

Faço que sim.

— Você precisa me levar ao hospital.

Claro que eu já estou com meus nove meses de gestação e sei que o bebê pode nascer a qualquer momento. Tenho quarto da nossa filha arrumado e a bolsa da maternidade pronta..., mas simplesmente não sei se estou preparada pra ter um bebê. E se rolar alguma complicação? E se não der certo? E se eu for uma mãe ruim? Eu tive quarenta semanas pra me acostumar com a ideia, e até levei numa boa... Agora que estou diante o derradeiro fim da gravidez, o desespero me domina como nunca fez antes.

— Vamos logo. — Ryven me puxa escadas abaixo com rapidez e delicadeza. Sem se preocupar em trancar a casa, me leva em direção a entrada. — Meu Deus, a bolsa da maternidade! — ele solta-me e volta correndo para dentro da casa. Volta um minuto depois, ofegante. — Ah, a chave do carro! — lembra-se, tornando a correr. Na terceira vez, diz: — Os documentos!

— Ryven, todos os documentos necessários estão na bolsa! Dá para se acalmar? — o nervosismo dele chega a ser cômico. Parece que é ele quem dará à luz daqui a pouco.

— Tudo bem, tudo bem. — Ele respira fundo. — Vou pegar o carro. Espere aqui. — E novamente meu marido se vai. Um minuto depois reaparece, já dentro do automóvel comprado a pouco tempo. É tão moderno e bonito que não consegui gravar o nome do modelo ainda — sei que é asiático ou coisa do tipo. — Entre, Bevs. — Abre a porta do passageiro por dentro. Seguro meu barrigão sob o vestido e acomodo-me com cuidado. Ryven coloca a primeira marcha e aperta o botão do controle no porta-luvas para abrir o portão. Ele dirige como um louco pela cidade, usando mais velocidade do que é permitida. Eu apenas me seguro para não bater contra o painel. Blackthorn está tão nervoso que estaciona atravessado na vaga do hospital. — Espere aqui. — Murmura.

Não respondo. Estou muito concentrada nas contrações dolorosas. Oh, céus! E eu achando que as cólicas menstruais eram sofridas...

— Deus...

— Bev! — consigo enxergar Ryven e mais uma enfermeira. Ele me tira do carro e senta-me numa cadeira de rodas. — Vai ficar tudo bem, ok?

A enfermeira me empurra.

— Você fala isso porque não está sentindo essa dor! — rosno, irritada. — Eu vou morrer! Vou morrer!

Mais uma contração chega. Solto um grito. Ah, eu odeio isso! Em alguns minutos eu me separo de Ryven para me trocar enquanto ele fornece as informações na recepção. Duas enfermeiras me ajudam a substituir o vestido pela camisola horrenda e nos encaminhamos a sala de parto. As contrações vêm e vão com mais força e intensidade. Meus urros ecoam por todo o hospital. É o momento em que decido: não enfrentarei uma gravidez outra vez. Nunca mais.

— Olá, sra. Blackthorn. — O doutor que fará meu parto entra na sala — Vamos lá?

— Doutor, pare de falar e tire essa criança de mim!

Para completar, Ryven chega de touca e máscara.

— Cheguei, meu amor.

— Por que demorou tanto?

— Desculpe. Já estou aqui. — Ele corre para segurar minhas mãos. Aceito de bom grado.

A coisa toda é uma tortura. Com uma dor insuportável, enfermeiras irritantes pedindo para eu me acalmar e um médico idiota mandando fazer força — como se fosse possível fazer mais do que eu estou fazendo.

— Estamos quase lá, Beverly! Só mais um pouco e... — Acaba.

Literalmente, acaba no segundo que ela sai de mim e um alívio gigantesco percorre do dedo do pé ao último fio de cabelo. Meu corpo exausto desfalece na maca, um choro baixo e infantil invade a sala. E de repente nada mais importa. Nem a dor, nem as contrações ou a raiva. O único som para mim é o da criança.

— Parabéns, Beverly. — O médico enrola cuidadosamente o corpinho pequenino num pano azul limpo. — É uma menina linda e saudável.

— Posso segurar...? — peço. Ele me ajuda a pegá-la.

Ela é a coisinha mais linda que eu já vi em toda a minha vida. A pele corada e suja, minúsculos fios de cabelo pretinhos, a boquinha rosada aberta no chorinho de quem acabou de chegar ao mundo. O pesinho em meus braços oferece a sensação de que é com ela que eu me importarei o suficiente para proteger a todo custo. A minha filha.

— Oi, bebê. — Lágrimas de alegria deslizam na minha bochecha. Com o som da minha voz ela começa a se acalmar lentamente até parar de chorar. Sabe que sou sua mãe e eu nunca abandonarei. Nunca mesmo... Em menos de um minuto de vida é a pessoa mais importante. — Minha pequena Mary...

— Eu posso? — Ryven desperta-me do transe. Olha para a nossa filha visivelmente emocionado.

Assinto e, muito cuidadosamente, ele toma Mary de mim. A encara cheio de um amor tão incondicional, tão puro e paternal que me derreto.

— Oi, linda. Eu sou o seu papai... — a voz grossa jaz embargada. É lindo vê-lo segurar a pequenina nos braços. Um gigante e uma sementinha... — Você mal chegou e eu te amo mais que tudo. Você e a sua mamãe são as pessoas mais especiais para mim nesse mundo, sabe? E sua tia, a vovó também... Eu prometo que vou te proteger até meu último suspiro. Nunca vou deixar nada de mal acontecer a você, Mary.

E agora até às enfermeiras estão aos prantos. O momento é marcante. É o nascimento de uma criança. O nascimento de uma pequena estrela. A minha pequena estrela... Mary-Elizabeth Blackthorn. 

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