➵ 46 | A espera de um milagre

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— Me conte mais sobre o que aconteceu naquela época da escola. — Mesmo estando arrasada, a curiosidade é tentadora.

Estamos no quarto do hospital, abaladas, mas vivas. Mamãe limpa as lágrimas antes de relatar:

— Foi no colégio. Nós tínhamos diversas aulas em comum. Um dia, Joseph e eu começamos a conversar no meio da aula de biologia. Fiquei encantada. Ele era o garoto mais bonito do colégio, todas as meninas se estapeavam por uma chance. Alto, popular e cobiçado. Nós passamos a interagir mais e mais durante o semestre. Ele me levava flores e deixava bilhetes no meu armário. Algum tempo depois me chamou para o baile de formatura. Comprei um vestido lindo, fui até o salão de beleza e passei a tarde me arrumando... Joseph tirou minha virgindade no banco detrás do carro dele naquela noite. — Mamãe conta. — O pedido de namoro foi feito no verão. Logo depois eu soube das traições e aos pouquinhos ele se tornou um cara ruim. Não me batia nem nada disso, mas era manipulador, ciumento e possessivo. Sempre dava um jeito de botar a culpa dos próprios erros em mim. Demorei algum tempo pra me livrar. Por sua causa, na verdade. — Ela segura uma de minhas mãos. As descrições que dá se comparam a mim e Flynneas, o que me enoja. — Quando descobri que estava grávida, repensei em tudo. Eu percebi que eu não seria uma boa mãe se me deixasse continuar naquela situação. Não pude imaginar você crescendo num ambiente tóxico. Foi quando dei um basta e vim para Skarye Fall passar uns tempos com a sua falecida avó.

A história me emociona. Como pude quase brigar com ela por causa desse idiota?

— Mãe, eu sinto muito. Devia ter te escutado desde o princípio.

— Não sinta, nada foi culpa sua. Só saiba que não me arrependo. Apesar de tudo, Joseph me deu você. — Ela sorri e toca minha bochecha. — Você é o meu maior tesouro, o melhor presente que a vida me deu.

— Eu acho que ele sempre soube da minha existência. — Tenho esse sentimento comigo. — Estou feliz que não tenha vindo antes. Não quero um pai assim. Não quando tenho uma mãe que vale pelos dois.

Hermione me beija na testa.

— Amo você, filha.

— Eu te amo mais, mãe.

A vantagem de estudar jornalismo é se ter alguns contatos muito úteis, como por exemplo Jennifer Mayland, a jornalista local que ao meu pedido vem pegar todo o furo de reportagem junto ao delegado Daniel Mosh. Conto tudo sobre a experiência que tive com Joseph Byers, detalhe por detalhe. Jennifer extrai o máximo de informações possíveis de contrapartida.

— Obrigada por me confiar a sua história, Beverly. — Mayland enfim troca um aperto de mãos comigo, satisfeita por nosso progresso durante a tarde. — Tenha certeza de que Joseph será exposto como merece e preso por tentar te fazer mal.

Talvez eu tenha acrescentado um certo detalhe de que meu pai por pouco não me asfixiou com um travesseiro, e sinceramente não me sinto culpada por isso. Aprendi na Lodge que a verdade sempre deve prevalecer, mas nesse caso escolhi deixar a regra de lado se for o suficiente para colocar alguém como Byers detrás das grades.

— Tem algo que queira acrescentar ou modificar? — o delegad pergunta.

— Não, nada a acrescentar. Eu disse toda a verdade... Espero que use bem o material, Jen.

Ela sorri diabolicamente.

— Pode apostar que vou.

"O empresário Joseph Byers foi preso esta manhã no aeroporto de Jhun'Nipper Hills. Dezenas de processos estão em aberto contra o político no Brasil e esta manhã houve uma denúncia de sua própria filha, Beverly Anderson, por tentativa de homicídio".

— Pare de ver isso, Beverly. — Mamãe entra no quarto, pega o controle remoto e tira do noticiário. 

— Ele teve a punição que merece, só estou desfrutando. — Dou de ombros.

Ela se senta ao meu lado.

— Chega do assunto Joseph Byers. Ele já tomou muito tempo nosso. Além disso, tenho boas notícias.

Pela primeira vez noto que ela está animada. Achou um tesouro escondido.

— O que foi? Qual o motivo dessa alegria? 

— Beverly...

— Conta logo!

— Conseguimos um doador!

Meu cérebro para um milésimo de segundo para processar a informação direito. Hm? Como assim "conseguimos um doador"?

— O que isso quer dizer?

— Quer dizer que você vai ser salva! Beverly, você não vai mais morrer!

Os braços da minha mãe ficam em volta da minha cintura por pelo menos uns cinco minutos, o tempo que demoro para processar. Minha ficha não cai. Não é possível que algo assim esteja acontecido comigo.

— Mas quem doou? Como isso é possível? Eu não estava no final da lista de espera? — talvez seja um engano.

— Eu não sei quem foi e não pergunte como, só agradeça por isso. — Mamãe fala rapidamente. — Querida, eu estou tão feliz!

— Mãe, você não armou nada, armou?

— Eu juro que não. Beverly, é um milagre!

Checo para ver e ela não está mentindo. Cada pedaço do meu corpo é tomado por esperança.

— Ah, meu Deus!

— A doutora Stanley me avisou que a cirurgia tem de ser feita o quanto antes. Eles só estão esperando você estar pronta. Tudo foi preparado pra hoje mesmo. — Hermione seca os olhos lacrimejantes. As mãos quentes repousam nas minhas. — Pronta para viver?

Sorrio, apesar de estar me sentindo egoísta. É injusto que um rim salve a minha vida quando pode salvar a de outro alguém. Não sou mais importante ou melhor..., mas não posso deixar minha mãe e as pessoas que amo para trás. Ainda não estou pronta.

— Sim, mãe... Eu estou pronta para viver. 

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