➵ 30 | Retornos e partidas

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O aroma que preenche minhas narinas quando desperto é o inconfundível perfume do meu namorado. O inspiro profundamente, engolindo-o até que se fixe na minha memória.

Subo as pálpebras e ele entra em minha visão. Ryven está do meu lado, os olhos fechados, uma expressão serena, as sardinhas espalhadas no rosto, alguns fios castanhos grudados na testa e o peito subindo e descendo sem pressa. É um anjo tentador. Levanto a cabeça de seu peito para deitar-me ao seu lado corretamente. Meu olhar vai novamente ao rosto dele e um sorriso bobo se mantém nos meus lábios. As memórias da noite anterior dançam feito flashes deliciosos entre meus neurônios. Saio com cuidado da cama. Quando meus pés sustentam o restante do corpo, noto minhas pernas doloridas. Com uma careta, me arrasto até o banheiro. Escovo os dentes e tomo banho. Ryven ainda dorme. Me cubro com roupas íntimas limpas e a camiseta de botões que ele usou ontem — bate acima da metade das minhas coxas, é quase um minivestido. Tomo bastante cuidado para não o acordá-lo quando saio do quarto. Desço as escadas de dois em dois degraus e atravesso o portão. Aqui fora o mar está calmo e a areia um pouco quente. Ando sob os grãos até meus pés tocarem a água salgada, aproveitando o ar fresco que agita minhas mechas. Uma pequena onda chega até mim, cobrindo os calcanhares. Rodopio na areia molhada, levantando o rosto para que o sol me atinja e abro os braços para poder sentir o vento em sua totalidade. Estou leve, feliz e completa. Cansada, me deito na areia. Não sou nada mais que uma mulher realizada.

— Fugindo de mim? — nem preciso abrir os olhos para saber quem é, mas o faço mesmo assim e sou agraciada pela bela visão do rosto de Blackthorn e os cabelos desgrenhados de quem acabou de acordar.

— Nunca. — Respondo com outro sorriso abobalhado. — Eu nunca fugiria de você. Eu te amo demais... — meu pescoço sobe para que os lábios se toquem, e esse é um dos melhores beijos que damos. Na verdade, quase todos os beijos são os melhores. Tudo é melhor quando estou com ele.

Os dias passam depressa, em compensação aproveitamos ao máximo entre passeios na praia, banhos de mar, cozinhando juntos, assistindo filmes abraçadinhos, passeando pela cidade e virando noites fazendo amor — em todos os cantos da casa e fora dela. Antes do esperado as férias de primavera chegam e nós embarcamos num avião de volta para a Virgínia. Mamãe e Marcos esperam para nos receber no aeroporto com Rachel, Olívia, Mason e Carter. Batemos papo por horas numa lanchonete até os recém-casados decidirem ir e nos deixarem com nossos amigos. Estamos na metade do caminho para casa quando o celular de Olívia toca.

— Oi, mãe. — O tom alegre e inicial dela muda para preocupação. — O que foi? Por que está com essa voz? Mãe? O quê? Caramba, meu Deus. Tá bom, já estamos indo. — Ela desliga a chamada e, ainda chocada, se vira para o irmão.

— O que foi!?

— Ryven, é a vovó Mary... Ela morreu.

Chegamos ao casarão dos Blackthorn vinte minutos mais tarde. Marise nos atende. O rosto está cansado. Primeiramente abraça Ryven, porque obviamente ele é o mais abalado por ter sido com Mary que morou em sua ida para a Austrália. O avô dele morreu já faz tempo, então foram apenas ele, Mary e a tia Margot na Oceania.

— Oi, querido. Eu sinto muito. Sei que você a amava.

— Como aconteceu? — a ficha dele não caiu ainda.

Meu coração se aperta mais. Mesmo não tendo demonstrado, sei que está muito abalado.

— Sua tia Margot achou que ela estava demorando demais para acordar hoje de manhã. Quando ela entrou no quarto de Mary, a encontrou deitada. Ela já estava sem vida. Os paramédicos disseram que foi insuficiência cardíaca.

— E o enterro? — Olívia esfrega a mão na bochecha lotada de lágrimas.

— Vai ser lá... Temos de ir imediatamente se quisermos chegar a tempo.

Consigo convencer Ryven e Olívia a se acalmarem um pouco e arrumarem as malas com nossa ajuda, porque em meio ao luto esquecemos até mesmo das coisas mais simples. Estamos no quarto dele agora, eu terminando de fechar a mala. Sento-me atrás do meu namorado.

— Como você está? — Ryven está num estado meio mudo desde que saímos da casa da mãe.

— Bem.

— Não minta para mim. Você sabe que não precisa.

Ele suspira.

— Eu estou triste. Morei com ela por muitos anos e agora ela morreu sem chance de despedida. E o pior é que não nos falamos nos últimos tempos.

O abraço por trás.

— Eu aposto que ela não ficou chateada com você por isso e que agora tá em paz. Não se culpe. Tudo vai ficar bem.

Ele suspira.

— Você não quer ir comigo?

Nego.

— Não, acho que esse momento é da família. Vá com sua mãe e sua irmã, vou estar te esperando quando voltar.

Ele segura meus braços.

— Obrigado, Bev. Obrigado.

— Vai ficar tudo bem. — Repito.

— Eu confio em você. — Ele diz. 

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