➵ 43 | Surpreendente

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A dor de saber que Ryven vai embora é tão grande que destroça meu peito.

— Não chore, Beverly. Não sei o que aconteceu para o meu irmão estar sendo um idiota, mas não vale a pena ficar assim. — Olívia me consola durante o cafuné.

— Não, Ol. — Enxugo as bochechas. — Ele não é idiota, só é uma pessoa que não quer sofrer mais. Eu entendo e até gosto da ideia. É o certo. Vai fazer bem a nós dois.

— Não precisa mentir, Bevs. Eu sei que você sente a falta dele.

Claro que sinto. Eu o amo de verdade.

— Vai ser melhor assim, Ol.

Minha amiga me abraça com força e funga. Nos separamos ao ouvir batidas.

— Pode entrar.

A porta se abre e num breve momento tenho a esperança de ser Ryven voltando, se declarando para mim e dizendo que não me deixará..., mas não acontece. Para a minha surpresa — e decepção — quem aparece é Bettany Marsh. Ela está modesta, de cabelos presos e postura comedida, meio sem jeito por estar aqui.

— Oi, Beverly... Nós podemos conversar?

Me ajeito no colchão.

— Bettany, entre. — Convido.

— Você está bem?

— Na medida do possível, sim.

— Isso é bom. — Ela coloca as mãos diante o corpo e tamborila os dedos uns nos outros, alterna o olhar entre as paredes, faz alguns comentários modestos sobre a decoração e enrola o máximo que consegue até chegar ao ponto: — Eu vim te pedir desculpas por tudo, Beverly. Depois que soube do seu estado de saúde... Sabe, agora eu consigo ver que nossas brigas sempre foram algo muito infantil e supérfluo.

Uau... isso sim é surpreendente. Não imaginaria nem em um milhão de anos Bettany Marsh vindo se desculpar comigo pelo tempo de intrigas. Afinal estar morrendo tem lá seus benefícios e surpresas.

— Foram coisas bobas. — A verdade é que aconteceu tanto comigo que isso não parece mais importante. — De todo jeito, eu também tenho que te pedir desculpas.

— Eu te provoquei muitas vezes, né?

— Nós duas fomos culpadas. — Digo amigavelmente. — Eu aceito suas desculpas e peço as minhas.

— Desculpas aceitas. — Ela estende a mão para trocarmos um rápido aperto. — Fico feliz que tenhamos nos resolvido. Digo em nome de todo o pessoal da faculdade que desejamos melhoras a você. Lodge não é a mesma sem Beverly Anderson para render entretenimento.

— Obrigada.

— Até mais, Bevs.

— Tchau, Bettany.

Depois que a porta se fecha ainda estou meio chocada com o que aconteceu.

— O que foi isso? Ela te chamou de Bevs? — Olívia arregala os olhos.

— Meu Deus, não imaginei isso acontecendo nem em meus sonhos mais loucos.

— Nem eu.

Nos encaramos, então caímos na gargalhada — uma das primeiras vezes em dias que me sinto bem o suficiente pra rir.

Não me deixam mais ir para casa. Tenho de ficar no hospital recebendo soro constantemente. Venho recebido visitas de pessoas da faculdade — a diretora Mary inclusive passou uma hora conversando comigo e trouxe um lindo buquê de lírios em nome do corpo docente. Carter entra no quarto segurando dois salgadinhos Doritos, latas de suco e uma barra de chocolate.

— Como você conseguiu trazer isso pra cá?

— Eu dei meu jeito. — Ele ri. — Achei que você estivesse enjoada da comida do hospital. — Meu amigo desaba na poltrona ao meu lado e me entrega um saquinho. O abro.

— Você tem razão, a comida daqui é péssima.

— Eu sempre tenho. — Ele se gaba. — O que você faz aqui pra passar o tempo?

— Vejo tevê.

— Só isso?

— Caso não tenha percebido, não estamos num SPA e não tenho muitas opções aqui.

Carter da de ombros.

— Vamos assistir algum filme?

— Pode ser.

Ele agarra o controle e liga a televisão. Depois de muita discussão decidimos ver Os Simpsons.

Uma enfermeira estraga tudo ao nos ver com a comida contrabandeada.

— O que é isso? Você sabe que não pode trazer essas coisas para a paciente. — A mulher baixinha de cabelos encaracolados não tem uma expressão nada agradável no rosto de meia-idade. — Senhor, vou ter que pedir para que se retire.

— Mas por quê? Ele só tentou me alegrar. Os amigos geralmente fazem isso quando alguém está morrendo. Bem, nem todos, mas a maioria. — Eu argumento.

Ela se cala na hora. Fica dividida entre ver graça na minha maneira de falar ou se sentir culpada.

— Dessa vez eu vou deixar passar, mas da próxima não serei tão boazinha.

— Ah, você é dez, gatinha.

— Muito obrigada, enfermeira.

Ela vem até mim e fez alguns procedimentos — checar a pressão, trocar o soro e coisas do tipo.

— Você tem muito poder de persuasão. — Elogia Carter após a saída dela.

— Usar esse argumento de que estou partindo dessa pra uma melhor tem sido muito útil.

— Beverly, você é uma danada. Essa é a minha garota.

— Aprendi com o melhor.

Quando acordo de novo mamãe está ao meu lado.

— Oi, querida. Como está se sentindo?

— Bem... Cadê o Carter? — dormi enquanto ele ainda estava aqui.

— Ele saiu assim que eu cheguei, uns vinte minutos atrás.

— E o Marcos?

— Trabalhando. Deve vir mais tarde.

— Como ele está com tudo isso? Não demonstra estar abalado quando vem me ver, mas acho que é para não me preocupar.

Mamãe confirma.

— Ele está péssimo. Você sabe que ele te considera como uma filha, não sabe?

Faço que sim com o rosto. Toc, toc! Ambas viramos o rosto de rumo a porta.

— Pode entrar.

Um homem adentra. Usa um terno bem polido e um penteado engomado para trás. Aparenta quarenta — cinquenta talvez — anos de idade.

— Acho que entrou no quarto errado. — Quebro o silêncio repentino que se forma.

— Não, estou no certo. — Os olhos verde-mar brilham. Está emocionado ou é impressão minha? 

— Hã?

Espio mamãe e ela está pálida como um fantasma. O Desconhecido me estende algumas flores arrumadas num envelope circular.

— São para você, Beverly.

— Como você sabe meu nome? Quem é você?

Ao nosso lado, minha mãe suspira.

— Beverly, este é Joseph Byers. — Sai com amargura e frieza. — Ele é o seu pai. 

Tudo Por VocêOnde histórias criam vida. Descubra agora