Capítulo 9.

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*** No vídeo dançando Top Rock.

Na ocasião em que não consigo expor minhas emoções, ou apenas digeri-las, felizmente ainda existe a dança. Através dela sou capaz de me expressar. É uma pena que nem todos tem a percepção aguçada o bastante para me ler quando estou movendo meus músculos, ditado pelo sentimento que emana do meu ser. Alguns chamariam essa atitude de fuga, mas eu nomeio de liberdade psíquica. Quando a realidade é amarga, procura-se meios de escapar para tornar a rotina suportável; e é exatamente isso que eu faço desde criança. No início, confesso que essa faculdade de emancipação me assustou. Mais tarde, descobri que eu podia continuar executando isto, simplesmente dançando. No momento em que estou dançando, uma parte muito forte de mim, se transporta para um plano longínquo e sutil. Talvez seja a partir disso que as pessoas concluíram que alguém pode, de fato, dançar com o coração e a alma.

O suor que escorre por minha testa é absorvido por minha camisa, que a essa altura do improviso está empapada, mas não me importo. Aprecio tudo que me faz sentir excessivamente vivo. Por um bom tempo eu fiquei mórbido dentro de mim, e minhas ações eram puramente automáticas. Agora só o que eu desejo é; compensar essa fase dorida da minha existência com muita energia e vontade para passar pelos impropérios sem desanimar, e atingir meus objetivos.

Apesar de amar a salsa latina incondicionalmente, não tenho um estilo único. Com a consciência de que necessito me aperfeiçoar, considero-me um dançarino Freestyle*. Devo admitir que ter conhecido Maria e ela ter me apresentado ao ritmo, me influenciou muitíssimo em representar o "tempero" da junção latino-americano. Porém, sem abandonar os outros estilos. Para quê me prender apenas a um, se tenho infinitas possibilidades disponíveis? É isso que admiro em mim: a capacidade de experimentar sem orgulho e preconceito. Afinal, assim como na vida, a música e suas formas de expressão possuem inúmeras vertentes, que se unidas com sabedoria e originalidade dão excelentes resultados. Seria ignorante da parte de qualquer um não abrir os olhos e enxergar além dos próprios muros. A beleza da vida está em explorar o desconhecido e extrair o melhor que ele pode nos oferecer. Gostaria que todas as pessoas encontrassem uma maneira de se expressarem, assim como eu por meio da dança, e os artistas em geral.

Paro, me sentindo finalmente relaxado, depois da tensa discussão com Maria. Desligo a música e retiro os fones. Pego a garrafa e bebo toda água que estava contida nela. Deixei-a no apartamento dormindo há uma hora. Preparei um pequeno almoço e ajeitei um prato para ela no balcão. Nós acabamos de começar uma relação, não quero ficar chateado com ela. Eu demorei anos para me entender, acho justo dar um tempo para ela assimilar o que de fato é ser um homem trans que possui inadequação entre corpo e mente.

Desço os degraus do terraço praticamente correndo ansioso em revê-la agora que estou mais calmo, visto que atingimos um novo patamar na nossa relação, que parece casa vez mais íntima, e assim que adentro a ktinet, me deparo com a morena deitada no sofá trajando a mesma camiseta com a qual fizemos amor logo pela manhã. A visão do seu sexo despido debaixo dela, me faz ter um colapso.

- Yan... Está tudo bem? - sua ironia me pesca de volta.

- Cuidado com isso... - brinco, enquanto ela se diverte com meu estado, abrindo ainda mais as pernas.

- Seu bobo! - gargalha.

Coloco os objetos que carreguei para o terraço em cima da simples mesa de centro, e me encaixo entre suas pernas, procurando seus lábios para beijá-los com ardor.

- Você não comeu? - interrogo curioso, tendo uma breve visão do prato intacto, ao lado do bilhete em que eu avisava que iria me exercitar e logo voltaria.

Ela nega com um meneio.

- Deve ter milhões de calorias ali... - justifica, evitando fitar a cozinha, como se o cômodo fosse seu inferno astral.

Almas Dançando ( TRANS/BI/POLI)Onde histórias criam vida. Descubra agora