Desperto e não há nenhum sinal de Maria pelo apartamento. Volto a apoiar a cabeça no travesseiro, suspirando fundo. Acabo me lembrando que hoje é seu primeiro dia de trabalho na cafeteria de Frank. Estou me sentindo como se tivesse sido atropelado por um caminhão em alta velocidade. Da próxima vez, passarei bem longe de tequila. Em compensação, nossa rapidinha durante a madrugada foi simplesmente sensacional. Maria me tocou de uma forma que eu jamais imaginei que ela conseguisse e, graças aos céus, ela não falou merda alguma depois de consumado. Ah, como gostaria que nosso relacionamento fosse sempre tranquilo assim!... Por outro lado, acho que sem os atritos diários, provindos das percepções divergentes, nosso namoro seria uma monotonia deveras maçante. Enfim... Estou impressionado comigo mesmo. Sexo sem o packer não foi um desastre total como eu imaginei e talvez eu repita outras vezes. O fato é que, eu não me senti menos homem transando sem minha prótese. Doutora Phillips tem razão. Há homens cis que perderam seu membro e tem que se adaptar de alguma maneira, assim como pessoas que perderam uma perna, ou um braço, e tem que se acostumar com a nova condição. A questão é que, segundo a concepção deturpada da sociedade, a masculinidade se define pelo órgão genital, e essa convicção equivocada fica enraizada em nossa mente, por vezes, mais destruindo que somando. Não que eu vá aposentar meu packer, pois ainda necessito dele para me sentir mais eu, no entanto fico feliz de estar me desprendendo da parte negativa destes conceitos. Além do mais, há várias formas de proporcionar e sentir prazer.
Ontem eu quase fiquei solteiro. Admito que passei dos limites. Usei a bebida como desculpa para fugir dos meus problemas com Maria, e psicologicamente foi a forma que encontrei de atingi-la indiretamente. Um ato extremamente covarde, quando eu deveria apenas sentar e conversar seriamente com ela, para entrarmos num consenso. Mas, o medo de perdê-la grita mais alto que meu bom senso. Entretanto, eu quase provoquei isso fazendo papel de babaca. Também não sou hipócrita de negar o quão interessante Elena é, mas ambas não merecem que me aproveite da situação. Acordei com o barulho da porta se fechando, e deduzi que Maria saiu para tomar um ar. Aproveitei para tomar um banho, e tirar a inhaca do porre que ingeri. Como ela não havia retornado, saí em sua busca e a encontrei no terraço, dançando para relaxar, assim como eu costumo fazer. Por sorte, nada grave aconteceu com seu pé, e no fim nos entendemos.
Meu celular vibra em algum lugar do quarto, pescando-me das minhas reflexões. Levanto e saio procurando-o. Encontro-no de baixo de uma peça de roupa.
É a quinta ligação perdida de Denni, o advogado que minha psicóloga indicou para tratar da mudança legal de nome e gênero nos meus documentos. Retorno. Ele atende prontamente e anuncia, bastante eufórico que, a liberação do juiz finalmente saiu e agora Yan passou de social para oficial. Dou um pulo com a notícia. Após extravasar toda minha alegria, ele me pede para ir imediatamente até seu escritório e acertamos os últimos detalhes. Já faz quase dois meses que fui numa audiência, e decidi deixar as coisas fluírem para não me estressar. Visto que foi um pouco mais difícil por eu ter nascido na China. E olha só, agora vou poder esfregar na cara de todas as pessoas que me destrataram e duvidaram de mim. Digo que estarei lá em menos de vinte minutos e desligo.
Saio festejando em direção do banheiro, e quase caio. Tomo um banho fugaz e me arrumo às pressas. Pego um táxi para facilitar minha chegada, e sou recebido com um abraço caloroso. Denni tem uma irmã que é transsexual, e que por algum tempo fez terapia com Doutora Phillips, até se mudar para a Alemanha com o namorado. Foi ele quem também cuidou de seu processo de retificação.
Depois das parabenizações, Denni pede para que eu me sente e me coloca a par de tudo. Minha nova certidão de nascimento será emitida e a partir dela é só modificar os outros documentos. Ele diz que faz questão de me acompanhar caso haja qualquer problema e eu fico sem palavras para agradecê-lo. Quando o assunto inevitavelmente chega na forma de pagamento, pois ele combinou que só faria a cobrança após o sucesso do processo, avisa que fará um contrato, onde facilitará a quitação em parcelas razoáveis para não doer no meu bolso, visto que se sente muito feliz em ver a satisfação dos seus clientes transgêneros. Não respondo nada, apenas o abraço com lágrimas nos olhos. É gratificante encontrar pessoas que estão dispostas a lutar por nossa causa. Saio de seu escritório com um sorriso largo e o coração explodindo de exultação.
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Almas Dançando ( TRANS/BI/POLI)
Romance+🔞 Yan é um experiente dançarino de salsa, trabalha em um restaurante no porto, e é apaixonado por sua melhor amiga. Um ser humano como qualquer outro, com dificuldades e problemas, sonhos, qualidades e imperfeições. Enquanto para alguns é consider...