Capítulo 19.

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Afrouxo a gravata, respiro fundo e entro no banheiro. Vou direto para o mictório. Abro o zíper da calça, porém quando seguro o botão, ouço passos apressados e risadas atenuantes. Bufo revirando os olhos. Desisto de usar o sanitário masculino. Me sinto extremamente desconfortável em urinar perto dos outros caras. A última vez que tentei, quase fui demitido por ter reagido a uma piadinha transfóbica com um soco bem no meio da cara de um dos auxiliares do chef de cozinha. Pouco tempo depois, foi ele quem perdeu a vaga, após cometer um deslize grave na preparação de uma refeição que, fora destinada a um ilustre cliente do restaurante. Dou um replay nos meus gestos, e caminho em direção de um dos box. Antes que eu chegue até este, os dois garçons adentram. Juan entra no box em que eu iria, e Calvin se dirige para o mictório.

Tudo acontece tão rápido que fico sem ação, então, apenas olho do mictório para o box.

– Está tudo bem aí, Yan? – Calvin questiona, arqueando a cabeça para me olhar.

– Ah, estou... estou sim. – omito, escorregando a mão nervosamente pelo cabelo.

Ele dá com os ombros e volta sua atenção para o mijo – bem longo por sinal.

Reúno coragem não sei de onde, e volto a me posicionar no mictório. Dou uma olhadinha de lado para Calvin; o garçom que parece estar sempre de mau humor, e noto que está bastante concentrado em finalizar sua necessidade fisiológica, sem dar a mínima para minha presença. Seguro firme no meu packer, e suspiro aliviado, me recordando das inúmeras vezes que passei constrangimento quando ainda era pré-T*. Eu evitava entrar no banheiro masculino com receio de sofrer alguma agressão além das verbais que ainda me perseguem, e também não era bem-vindo no feminino por conta dos meus trejeitos masculinos. Ah, a vida de um trans não é fácil nem nessas benditas horas! Um ato natural que acaba se tornando um transtorno imensurável. No entanto, não sou a favor da criação de um banheiro a parte, para pessoas transgêneras. Na teoria, é a sociedade que deve adaptar-se a nós, e não ao contrário. Respeito é uma virtude que deveria provir da educação, e não algo imposto. Mas, eu aprendi que não podemos esperar nada de ninguém, e sim nos armarmos até a alma para enfrentar o que der e vier. Se recebi só antagonismo da minha família, dos outros não poderia ser diferente, o que é bem triste.

Termino de mijar e ajeito o packer dentro da cueca. Vou para a pia lavar as mãos. Observo Calvin através do espelho. Ele continua lá, entre uma careta de dor e outra. Juan com certeza está fazendo o número dois ou batendo uma punheta. Vai saber. Dou de ombros.

Calvin finalmente acaba e estaciona ao meu lado, para executar o mesmo processo de higienização.

– Algum problema? – investigo, mais por preocupação do que por curiosidade. Não que justifique, mas Calvin deve ter seus motivos para ser turrão. Ele me fita com suas safiras hipnotizantes.

– Pedras nos rins... Elas estão grandes demais e o médico me receitou uns remédios pra dissolvê-las. Se o tratamento não funcionar, vou ter que operar.

– Que péssimo, cara. Espero sinceramente que dê tudo certo – ele ri. – Qual a graça? – questiono desentendido.

– Na maioria das vezes eu sou grosso com você, e você – ele dá uma pausa para jogar a toalha de papel no lixo – é sempre tão legal comigo e com todos aqui...

Sorrio sem graça.

– Relaxa – digo apenas.

– Não... É sério. – Calvin segura meu ombro, e me fixa nos olhos. – Você é um cara bacana, Yan, não tem porquê se sentir desconfortável, ou diminuído perto de qualquer um de nós, ok? E muito menos deve aceitar grosserias e ofensas... Entende?

Almas Dançando ( TRANS/BI/POLI)Onde histórias criam vida. Descubra agora