Capítulo 22.

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Para variar, cheguei atrasado mais uma vez. Se não bastasse, Dave; o filho de John, resolveu aparecer no restaurante - bem antes de mim, só para esclarecer - e ficou analisando todos os meus movimentos com um desprezo épico, bastante constrangedor. O resultado, mais que óbvio, foi deixar os funcionários apreensivos com tanta crítica, e olhares negativos, estes; exclusivamente, dirigidos a minha pessoa.

Já estou suando frio devido a raiva e a pressão, quando Calvin passa por mim, e discretamente, me cutuca.

- Tenta relaxar, ou você vai infartar a qualquer momento. - sussurra bem próximo do meu ouvido.

Quando abro a boca para responder, o infeliz surge não sei de onde, e pigarreia para nos advertir. Esse homem não pode ser menos desprezível? Será que ele não percebe que seu monitoramento ultrapassou os limites toleráveis entre empregados e patrões? Minha vontade é de cuspir isto na cara dele, mas me contenho. Respiro fundo e me limito a dar a devida atenção ao meu serviço do jeito que procedo normalmente, com ou sem sua presença, visto que não uso máscaras nem tenho duas faces e maneiras diferentes de me portar. Sou o mesmo em todas as circunstâncias e com qualquer pessoa.

Calvin, que está de costas para Dave, faz uma careta para demonstrar todo seu desgosto encubado, como o resto de nós, e eu tenho que me segurar para não rir. Observo meu amigo se afastar, e termino de ajeitar a bandeja.

As horas parecem intermináveis. Quando finalmente o expediente chega ao fim, sem nenhum contratempo, apesar da figura inconveniente vigiando-nos sem descanso, posso respirar aliviado.

No momento em que, já estou me preparando para sair com Calvin, Dave nos aborda com seus passos prepotentes.

- Ei, você, - me aponta - peço que aguarde uns minutinhos. Preciso trocar umas palavras com você. E quanto a você - ele avalia Calvin com indiferença - pode ir.

Assim que Dave dá às costas para Calvin, este volta a ilustrar uma careta, muito mais cômica que a outra. Depois silaba que me aguardará lá fora. Assinto, e assim que meu colega se afasta, Dave volta a falar:

- Mei Wang- - o interrompo.

- É Yan, senhor Stuart. - corrijo com o tom de voz mais natural possível, mesmo que eu esteja explodindo por dentro.

Seu olhar penetrante, fuzila-me dos pés aos fios do cabelo.

- Não é isto o que consta no seu registro civil. Yan está como apelido, e eu, como um homem de negócios, senhorita Mei, não costumo me referir aos meus funcionários com esta informalidade.

- Yan não é apelido, é meu nome e meu gênero é masculino, e eu peço encarecidamente que o senhor se dirija a mim como se deve, com os pronomes corretos, porque não é nosso sexo biológico que nos define - retruco, com as mãos tremendo. Coloco-as para trás, e cerro os punhos de nervoso.

- Hum, é mesmo? Quem disse?

- A lei, senhor.

Ele se aproxima tanto de mim, que consigo sentir sua respiração no meu rosto. Mesmo me sentindo intimidado, continuo sustentando o olhar.

- Existe lei para essa barbaridade, insolente?

- Sim, inclusive o processo - explico enfático para que entenda que caso não respeitar minha identidade de gênero, posso fazer o mesmo com ele - de retificação está correndo judicialmente.

Dave pestaneja, e se afasta logo em seguida. Pelo que fiquei sabendo, ele não está numa posição muito favorável para enfrentar uma batalha na justiça. Sei que estou arriscando meu emprego, mas eu não posso simplesmente ficar calado. Quantas vezes fui massacrado e aceitei em silêncio? Não quero impor minha transexualidade a ninguém, porém mereço respeito como qualquer ser humano.

Almas Dançando ( TRANS/BI/POLI)Onde histórias criam vida. Descubra agora