Retiro os fones de ouvido.
Não consigo parar de ouvir sua voz dizendo que somos a mesma pessoa, é perturbador, é sinistro. Não tenho ideia se os cinco áudios gravados são sobre todos dessa família, mas se for, já tenho uma ideia de que Hanna sabia coisas sobre eles, coisas essas que fariam com que eles a matassem?
Não tinha ideia se Hanna já pensou que alguém além da sua família pudesse ouvir seus podcast's. Mas aqui estou eu, ouvindo seus pedidos e relatos para uma ela do futuro que nunca vai existir. Por que ela está morta. E eu estou fingindo ser ela.
Não posso ouvir o próximo agora, sinto—me enérgica demais para ficar aqui só ouvindo sua voz, preciso escrever alguma coisa agora, preciso relatar tudo que estou compreendendo atualmente.
Paulo Albertelli bate na porta do quarto às 16h, quando escrevo 4.000 palavras, minimizo a janela do Word assim que ele entra.
— Como está?
— Bem.
— Honie me contou sobre sua perda de memória.
— E?
— Estou preocupado.
Está mesmo? Queria saber o que Hanna diria para ele agora, um comentário sarcástico ou um sincero olhar de apreciação? Sei quando alguém realmente está preocupado comigo, também tive um pai e ele foi o melhor, mas a sinto que a preocupação desse homem não é por sua filha.
— Estou legal. — Acabo olhando para o closet. Onde a senha está mais alguém entrou aqui e desvendou a brincadeira dela? Ele?
— Ótimo. O que achou da coisa de Oliver?
— Que...
Acabo me calando. Ah! Ele está falando da homossexualidade de Oliver.
— Honie contou.
— Claro que contou. Péssima escolha.
Não sinto a necessidade de replicar, não quero conversar com ele sobre mais nada, não quando tenho coisas a fazer e estou louca para pedir que ele saia. Acabo esperando que ele perceba isso. Ele volta a falar, claro.
— Oliver me decepcionou. Você já sabia? Isso não é a coisa que vocês irmãos fazem? Contar segredos uns para os outros.
— Não sabia nada sobre ele.
— E sobre Honie?
Senti minha boca secar. O computador emitiu um som, mas nem eu nem Paulo paramos de nos encarar. O choque da revelação me deixou paralisada, me senti mais burra do que normalmente me sinto. O olhos verdes dele são uma mistura deslumbrante de aurora dourada e erva, transmitiam poder e mais poder. Como não pude perceber que Honie tem os mesmos olhos, que quando me encontrou, quando me olhou, não disse nada que um namorado diria ou fez algo que faria? Os bebês nas fotos, tudo isso eu não conectei as peças.
— Não tenho nada a falar sobre ele.
— Você o odeia?
Fiquei calada de novo. Ele está segundo o caminho da desconfiança, está me testando e não posso negar que sinto que na falhei. Viro—me para a tela do computador novamente e coloco os fones de ouvido. O ignoro.
— Não force a memória. — Foi a última coisa que ele falou antes de sair.
Acabo escrevendo 4.362 palavras ao fim da tarde, depois que o pai de Hanna veio ao meu quarto, toda a minha linha de pensamentos sumiu. Comecei a pensar demais em Oliver e em Honie. Antes que eu pudesse desligar o computador, vejo a mensagem que chegou.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Eu, Hanna
General FictionVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...