Meia hora depois de escutar o que escutei, procuro acalmar meu coração e acalentar meu estômago fervente. Ela disse tudo isso, quais as chances de ter feito algo horrível também? O que ela fez com Oliver, o que Honie fez para ela? Preciso ouvir os próximos áudios. Não. Não. Agora preciso registrar, a cada áudio, penso se consigo escrever pelo menos mil palavras do que estou compreendendo, tentando, no caso. Minha narrativa em terceira pessoa tem ajudado, acabo notando nos detalhes logo depois que escrevo; ou depois do que escuto; do que vivenciei. A conversa com Paulo acontece no livro, não consigo lembrar todas as suas palavras, mas sei o que ele quis dizer, o modo como não disse. Detalho a situação de Vanessa, de como ela é sorridente quando está com Oliver ou comigo; nunca a tinha visto sorrir perto de Honie. Não falo tanto sobre Oliver, o inclui e tudo, porém... ele ainda me é um ponto de interrogação. Honie Albertelli não, ele me parece disposto a ter uma conversa comigo, com sua irmã, se eu aceitasse. Não sei se seria por culpa ou expectativa, não sei o que ele fez e estou com medo de descobrir. Não posso encarar ele, não o mesmo que falou comigo ainda pouco no corredor antes de chutar minha perna e começar a rir da minha cara por achar que ele não praticaria Motocross. Ou qualquer algo perigoso.
Joguei os fones de ouvido de lado, estiquei as pernas dormentes e depois acabei de novo no closet de Hanna. Revirando suas caixas de sapatos, avaliando seus saltos e experimentando algumas sapatilhas e rasteirinhas, uma impressionante colação de botas de couro. Felizmente o lugar reservado aos calçados era baixo, era menor que o lugar das roupas de cama, procurei sem pressa e acabei achando vinte reais em uma bota. Quanta sorte.
Evito olhar para os espelhos — Existem três. Quatro se você contar o de dentro da parte das roupas. —, eles me fazem ter arrepios, então eu acabo pensando "Ei, esta sou eu", então que para eles eu sou Hanna. Ainda não acredito no quanto somos parecidas, uma hora alguém irá notar, e é neste momento que penso que tenho que tentar achar mais fotos dela no computador.
Escuto o barulho de porcelana batendo uma nas outras, acho que Vanessa já deve ter descido. O closet, debaixo da cama, e na gaveta de calcinhas; nada que possa me atualizar. Na verdade, sem o celular dela, é quase impossível saber de algo útil, queria que ela não o tivesse perdido. Assim poderia saber mais afundo que é Christina, as conversas com mais pessoas do que provavelmente saberei. Seria uma coisa útil, uma coisa maravilhosamente útil.
***
O barulho de passos pesados chegando ao corredor foi o que me fez congelar em cima da cama de Hanna, não eu não tinha me deitado nela, meu plano era tentar observar o quarto e pensar em mais coisas, me manter ocupada para não escutar os áudios por agora, ainda preciso digerir todo o... resto. Os passos foram até o final do corredor, ou seja, ao quarto de Vanessa e Paulo, depois desceram as escadas e acabaram no corredor do lado dela, perto da porta de trás.
Acabo me levantando, talvez ingerir doce me faça pensar mais rápido, talvez esticar-me para além deste quarto me faça pensar em mais coisas que não estou percebendo agora.
A cozinha está vazia, Lucie não está nem no quintal, nem na área de serviço, acabo pegando um pote de leite condensado e uma colher. Sentei a mesa. Tenho quase certeza de que há mais coisas no armário, mas nem preciso olhar para ele quando vejo um pote de biscoito recheado em cima do balcão, eles são de Honie, certeza. Pego dois e misturo com o leite condensado, feliz por finalmente sentir o gosto de algo além da bile. Os passos se aproximaram, mas não me dei ao trabalho de me desconcentrar do doce, Paulo poderia certamente ter chegado em casa mais cedo, ou Oliver.
—Hanna?
Tive de virar. Era Vanessa, ela estava sorrindo, mas estranhamente estava olhando para mim, totalmente para mim. Abri a boca para fala-lhe algo, então acabei esbarrando no pote de vidro onde os biscoitos estavam.
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Eu, Hanna
General FictionVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...