Ela estava usando uma blusa justa verde, jeans desbotados, cabelos castanhos em um rabo de cavalo iluminado pela luz que vinha da casa. Não conseguia ver os pés dela, estavam dentro d'água como os meus, mas não há um movimento se quer deles; ela também não se mexe. Não tenho ideia se devo me mexer. Se eu devo chamar o nome dela, se eu devo andar até ela.
A água da piscina muda de cor, de um azul dourado para um verde lodo. Sinto o medo sendo aceso em mim, começa devagar, como um papel pegando fogo, sou consumida por essa chama de medo até que o papel se revelar ser maior, então mais chamas, mais e mais.
Levanto com um pulo.
Como da primeira vez, eu vou para onde ela está e não para o lado contrário, sempre soube que tinha a tendência de ser idiota.
—Eu sou você agora.
Seus olhos acabam por ser iluminados pela água esverdeada, estava brilhando demais, estava iluminando o quintal inteiro e me pergunto como ninguém lá dentro está notando isso. A água muda de cor quando Hanna começa a rir; a risada é a mesma que ouvi no primeiro podcast, destinado à Hanna do futuro. Gotículas escarlates saem de um ferimento aberto na barriga dela; a blusa verde ganha uma cratera de vermelhidão. Os pingos escorregam até a água da piscina e a transformam e uma banheira de sangue, um puro vermelho que se ilumina mais do que o verde de antes, uma banheira de lava.
Hanna levanta-se.
Sou incapaz de olhar para outra coisa além do seu rosto. Por sorte o reflexo na água estava extinto.
—Péssima. —Ela fala. Mas a voz dela soa arrastada, seca, ruim. —Você é uma péssima eu.
—Estou fazendo tudo que posso. —Minha voz sai ao mesmo tom que o dela, minha garganta arde.
—Está sendo péssima.
—Eu não sei como fazer mais, eu quero ir embora.
—Hanna.
—Meu nome é Amanda.
—Péssima.
—Eu...
Hanna se joga dentro da piscina escarlate, estico meu braço para o nada, não ouso tocar na água, mas meu braço continua estendido em direção a ela como se esperando que Hanna a pegasse de repente. Não aconteceu nada. Então acabo recolhendo a mão e escuto o vento forte demais trazendo uma voz até meus ouvidos, me arrepiando.
—Qual a história da vez, Amanda?
Meus pais estão no mesmo lugar que me deitei e...
É isso então, estou sonhando, é claro que estou sonhando. Sinto raiva, sinto alivio, tudo junto e misturado.
A água da piscina voltou a ser azul, mas dessa vez ela borbulhava.
—O que aconteceu?
—Qual a sua história Amanda? —Ele pergunta de novo.
Não respondi, estava com medo de eles fazerem o mesmo que a mulher que estava há pouco aqui comigo, fico quieta e me pergunto se consigo correr até eles. Não eu não consigo.
O vento bateu de novo, levantou meus cabelos aos olhos e então eu já não estava mais no quintal, e sim na sala. Na sala da minha casa, meu computador estava na mesinha da cozinha, estava tudo normal, estava tudo ao velho normal deprimente. No meu sofá, vejo Nathan dormindo e um livro jogado em seu peito. Ele desperta de repente e me pergunta se quero andar com ele.
—Você não mora comigo.
Engasgo-me.
Olho para o céu noturno antes de olhar para a piscina de novo. Normal. Sem Hanna, sem meus pais, sem água mudando de cor ou fervilhando. Normal.
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Eu, Hanna
Ficción GeneralVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...