Olho para as pessoas andando despreocupadamente pela calçada.
Será que pelo meu olhar, elas sabem que eu estou desesperada? Minha aparência quando sai daquela casa não era das melhores então no máximo acham que sou uma louca.
Outrora eu estaria em um Mcdonald's, reclamando o quanto não estou fazendo nada para melhorar minha situação deprimente, reclamando que Nathan é um safado por ter me abandonado quando eu mais precisava. Estaria criando uma história na minha cabeça quando não teria coragem de coloca-la no papel, me pergunto como posso continuar escrevendo quando ouvi Nathan dizendo que não confia nisso; nem eu mesmo confiava até Honie. Observo mais pessoas, afim de não pensar no irmão mais novo de Hanna. Vejo uma mulher sentada na parada de ônibus em frente a uma loja de roupas, será que ela está observando o vestido vermelho de decote que está à esquerda ou o casaco da Gucci vintage à direita? Imagino o quanto ela se imagina na roupa, qual o tamanho da vontade dela de experimentar aquelas roupas caras? Diretamente imagino a mulher entrando na loja, roubando, talvez armada com uma faca, faria uma atendente irritante de refém e depois fugiria quando uma moto aparece misteriosamente. Ela dá um sorriso triunfante para o dono da loja, que a observa ir embora à alta velocidade.
Pisco.
Ela ainda está na parada, mas agora, entretida com o celular.
Mudo minha direção de pensamentos.
Acabei pegando a moto há uma hora, o almoço foi tão constrangedor que o ar poderia ter sido palpável, ninguém ousou se encarar. —Nem mesmo Oliver e Nathan. Honie não tinha olhado na minha cara hoje e Carmen não tinha sumido afinal, só estava em uma versão sexual de Vanessa. E Paulo estava sorrindo pela primeira vez nas refeições.
Quando Lucie apareceu no quarto, ela quase desmaiou pela sujeira que eu tinha feito, não ousei explicar nada, apenas fiquei jogada no chão enquanto ela passava desinfetante no piso. E quando foi embora eu tive forças para me lavar, mesmo me sentindo humilhada, como nunca fui como nunca pensei que fosse. Passei mais uma noite em claro, o quarto apesar de ter sido onde aconteceu não me deixou com medo, ao trancar a porta e a janela, me senti segura. O máximo que a situação me permitia.
Sentada em uma lanchonete perto da conveniência onde Sely está atendendo, me pergunto se devo voltar para Price.—Para aquela família.
Posso ir a um salão e pintar e cortar e até raspar o cabelo, posso comprar lentes azuis, posso conseguir uma notável cicatriz no rosto e mudar tudo. Pegaria a moto de Hanna e iria para uma rua perto de onde morava e a deixava ali, abandonada, depois abriria minha porta, iria para o meu quarto, deitaria na minha cama. —Mesmo não sabendo se conseguiria dormir.
Felizmente esse poder eu tenho.
Mas para fazer isso eu teria que dar adeus a meu livro, as mais de 40.000 palavras que ele já possui, teria que começar com algo novo, algo que seja irreal.
Teria de dar adeus a Honie e a promessa silenciosa que fiz a Hanna.
Volto ao meu passatempo normal. Observo as pessoas que passeiam.
***
—O que você quer? —Sely pergunta.
—Me desculpe. Eu não devia ter falado aquelas coisas.
—Agora já é tarde. —Ela diz indiferente. Não esperaria menos que isso quando pensei em vir aqui.
—Honie não está com ninguém. Eu menti, foi apenas uma brincadeira.
Ela assumiu um interesse genuíno pelo rumo da conversa, largou a revista que lia e olhou para mim, finalmente. Apesar de seu olhar ainda está ácido, ela conseguia não ser tão intimidadora.
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Eu, Hanna
Fiksi UmumVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...