CAPÍTULO DEZESSETE

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Nem mesmo comecei a digitar quando o áudio acabou; eu não conseguia me mover.

Perdi meu conceito de inspiração no momento em que Oliver foi citado. Meu estômago revirou como de costume, mas havia algo mais que estou sentindo. Empatia, talvez. Estou com vontade de me levantar e ir ao quarto de Oliver, dizer alguma coisa que provavelmente não saberei como falar sem parecer uma idiota. Mas não faço isso de qualquer maneira. Nathan vai estar lá e não sei se Oliver quer falar sobre isso. Também não sei se Hanna pode ter mentido; todos mentem, é impossível não o fazer.

Acabo ficando exausta, mais exausta do que quando me encostei à grama e dormi. Monto um novo espaço de lençóis para mim ao chão, verifico se a porta está trancada e depois me deito.

Quase peguei no sono automaticamente, então lembrei que Honie leu meus rascunhos recentes e não havia perguntado se ele tinha gostado ou se achou o texto presunçoso. Ele não mencionou nada. É sempre uma péssima ideia dar suas palavras para alguém. Acabo não conseguindo dormir. Pego o celular de Hanna e mando uma mensagem para o irmão mais novo dela.

"O que achou do rascunho?"

Enviado.

"Promissor"

Olhei a resposta por tempo demais.

Respondi minutos depois.

"O que quer dizer?"

"Inspirou-se em alguém para fazer os personagens?"

"Pode ser"

"Quem é o Harry da vida real?"

Coloquei o celular de lado, quase o quis jogar na parede, quase quis escrever a resposta correta, a que eu sabia que não seria mentira. Fecho os olhos de novo e de novo desejo apagar, mas ainda existe eletricidade no meu corpo suficiente para não deixar meu cérebro parar de pensar, parar de criar, eu não consigo controlar a grande roda gigante dos meus pensamentos. Paro de tentar dormir quando batem na porta. Não escutei nada antes disso, nenhum som de passos ou portas abrindo.

Abro a porta segurando uma caixinha de joias de porcelana. Se fosse Paulo, eu não hesitaria em usar. Mas não foi ele quem bateu na porta. Foi Honie.

—Eu não... Posso entrar?

—Está tarde.

—Prometo não te abraçar. —Ele esboça um sorriso torto. A luz do abajur é suficiente para ver sua pele enrubescer. Abro mais a porta e ele entra.

Seu olhar de primeira cai no montinho de lençóis perto do computador, a cama está impecável pela arrumação de Lucie, intocável.

—Porque não dorme na sua cama?

—Eu já te disse.

—Eu não acredito.

—Não posso fazer nada se não acredita.

—Pode me dizer a verdade.

A verdade sobre o que? Eu queria cuspir a pergunta. A verdade sobre mim? Sobre vocês? Bem, eu demoraria a noite toda.

—Só não consigo mais dormir nela, então durmo ali. Só isso, não é nada demais.

—Porque não pediu para dormir em outro quarto?

—Porque não quero. O que você quer?

—Quero saber se... No que estava pensando quando criou seus rascunhos? Eles não parecem ter vindo do nada. Eles são... Exatos, eles são fortes e complexos, parece uma história que já sabia. Só que eu tinha me esquecido.

Nathan me fez chorar porque disse que não acreditava em mim.

Honie está quase fazendo o mesmo, mas por acreditar em mim.

—Eu só penso e escrevo.

—Se inspirou em que?

—Em... Tudo. Tudo que já vi.

—Eu estou nele?

—Não seja convencido. —Ele sorriu, um belo sorriso doce.

Acho que parei de respirar quando ele se aproximou. Ficamos frente a frente, ele continua sendo mais alto, eu continuo admirando seu corpo desnudo, nós continuamos nos encarando por longos momentos.

—Me espere aqui. —Ele vai até a porta e a fecha devagar depois de sair. Aproveitei o momento para respirar de verdade, para deixar o ar entrar e sair. Para parar de tremer.

Honie volta segurando uma pequena vasilha amarela.

—São biscoitos. —Ele explica. —Vamos comer?

Ele disse que podíamos sentar no montinho de lençóis mesmo, então cá estamos, sentados e comendo os seus biscoitos apenas com a luz do abajur acesa. Antes de sentar tive que trancar a porta de novo. A maior parte nós comemos em silêncio, vez ou outra ele perguntava-me sobre os personagens ou sobre o desenvolver. Quando chegamos ao último biscoito, nossas mãos se tocaram em cima dele, dos farelos, por um momento imaginei que ele roçou seus dedos na minha palma.

—Não vai dormir aqui, vai? —Honie pergunta usando a mão para se livrar dos farelos que ficaram em sua boca. E no corpo.

—Porque não iria?

—Está suja de farelos, vai dar formigas mais tarde. —Ele dá um sorriso convencido. —Vem cá.

Levantei-me com a ajuda dele.

Ele estava me levando em direção a cama. Ai. Meu. Deus.

—Pode deitar, eu vou ficar até você roncar.

—Eu não ronco coisa nenhuma.

—Ronca sim, igual um porquinho. —Dou uma tapa no ombro dele. —Deita logo.

Deitei.

Fui envolvida pelo desconforto de está na cama dela quando eu a vi sangrar até a morte. Não falei nada, nem mesmo ousei me mexer, fiquei congelada em uma só posição, tensa demais.

—Você ainda não me contou uma história. —Digo.

—Quer mesmo saber sobre isso?

—Quero sim.

Ele respira fundo. Duas vezes.

—Nossa mãe não me odeia, é claro que não odeia, mas ela devia me odiar. Ela devia muito. Não fico tanto perto dela porque quando chego, sinto como se estivesse fazendo a coisa mais errada do mundo. Antes de virmos para essa casa maldita estávamos bem, mas parece que quando pisamos aqui pela primeira vez; quando chegou a primeira empregada; quando começamos a crescer tudo desmoronou de um jeito absurdo. Han, eu me odeio tanto pelas coisas que fiz, já tentei esquecer, já tentei sumir, já tentei apagar tudo. Mas não consigo. Não consigo. Você consegue imaginar a dor que é ver uma pessoa que você ama fazendo de tudo por você, mesmo que você... Sua própria mente te coloque contra a parede? Estou enlouquecendo com tudo isso nas minhas costas, estou querendo tanto... Pular de uma janela, sofrer um acidente na minha moto de propósito e dentre outras possibilidades. Minha mãe... Nossa mãe é a melhor pessoa do mundo, mas eu não sou merecedor de um por cento se quer do carinho dela. Não quando fora eu quem a cegou. 

Eu, HannaOnde histórias criam vida. Descubra agora