Estou impedindo qualquer um de sair. A porta atrás de mim está fechada e as janelas igualmente. Ao mesmo tempo em que sinto uma excitação percorrendo meu corpo, sinto uma tremenda insegurança, mas tento deixa está última coisa de lado. Olho para àquela família e depois falo:
— Sentem-se.
Eles estão me olhando, abismados. Deve ser porque seguro uma das facas do faqueiro na minha mão direita e a esquerda está em cima de uma das caixas de som.
Honie tenta falar alguma coisa, mas Paulo toca em seu ombro e o impede.
— Hanna, o que está fazendo? — Carmen pergunta.
Me sinto livre para sorrir para ela neste momento. Não só porque agora posso "desrespeita-la", mas pela simplicidade não obedecer, já que meu nome não é Hanna. Fico calada.
Nathan está olhando para mim enquanto senta-se ao lado de Oliver, estão de mãos dadas. Mesmo tentando transmitir um olhar de desculpas para meu irmão, ele sabe o quanto isso não vai adiantar.
O sofá agora parece pequeno para eles.
As luzes piscam no corredor antes nebuloso e sombrio. Nas paredes do mesmo corredor, os papéis de Carmen e Paulo, colados de modo aleatório com fita. Espero que todos que passaram os olhos por ali, tenham lido com atenção. Olhei no rosto dos dois para saber o que eles diriam, ou gostariam de dizer, mas ambos não se mostravam afetados. Nenhum pouco.
A caixa de som ainda explode com minha voz, mas está incoerente demais para que eles entendam alguma coisa. Coloco meu próprio podcast para repetir enquanto mando todos ficarem em silêncio. Minha voz ecoa pela casa silenciosa.
Nathan nunca foi um exemplo de bom irmão e, sinceramente, não tenho esperanças que venha a ser agora. Sou muito melhor escrevendo do que falando, mas agora entendo a profundidade de falar de verdade, mesmo que em quatro paredes e com a porta e a janela trancada. É libertador de certa forma. Bom, eu não vou falar apenas do meu irmão mais velho, vou falar dos meus pais, de Honie Albertelli, algumas outras pessoas. Bom... Nathan Oliver Voz é meu irmão mais velho e antes de dizer que ele me abandonou quando nossos pais morreram quero dizer que ele já foi uma pessoa legal, nós éramos minimamente unidos... Mas parece que essas lembranças não valeram de nada quando ele virou as costas para mim e disse que iria embora. Nossos pais tinham acabado de morrer caramba! Eu precisava dele. Meus pais... Morreram em um acidente de carro há alguns meses, os médicos disseram que foi uma morte instantânea, apesar de eu não acreditar nisso, porque não acho que nada é instantâneo. Eles eram os melhores... estou me passando por outra pessoa, estou cometendo um crime muito grave com um advogado na casa... Que idiotice a minha. Mas o que eu poderia perder? Ser presa pode ser um luxo se eu não for morta. Confiar é uma palavra muito forte, mas existe algum sinônimo que não consigo lembrar agora que relaciono a Honie Albertelli, irmão mais novo de Hanna. Ele é um homem misterioso e até surpreendente, ele é fofo e eu sinto que não devia gostar dele, mas não consigo controlar esse negócio chato no meu peito, que às vezes é algo bom e às vezes é algo ruim, como um chute no estômago. Ou sei lá. Não tenho nenhuma chance com ele, lógico, mas isso não impede minha mente de imaginar como sempre faz. Honie se sente culpado pelo que aconteceu com Vanessa, mas ele era uma criança tentando chamar a atenção do irmão mais velho e houve a infeliz coincidência de sua mãe chegar na hora. A pegadinha não iria dar certo com Oliver, nem com ninguém, Oliver daria um jeito de reparar tudo, mas aconteceu. Aconteceu e eu sinto muito mesmo. Vanessa é uma pessoa maravilhosa, uma mãe que não deixa de amar seu filho e Honie a odeia por isso, por ainda amá-lo, mas tenho que dizer sinceramente Honie que pare de ser um idiota total e aproveite o amor da sua mãe enquanto você ainda a tem, porque pessoas matariam por um amor materno de novo. Outra pessoa de quem quero falar é Paulo, eu tenho que concordar com Hanna, você não presta. Não insista nesse seu patriarcado, pois não vai durar. Eu sinto aversão por você ser chamado de pai, mas saiba que para ser um bom pai tem de fazer mais do que ejacular. Seu babaca! Se eu não estivesse tão revoltada xingaria você com tudo que conheço. Mas não vou fazer isso agora, vou falar de Carmen e Oliver. Sim, os dois juntos. Oliver não tem grande afeição por mim, mas isso é só porque ele pensa que eu sou a irmã dele e não a cunhada. Sei que ele é uma boa pessoa, mas aconteceu que a própria tia o assediou, não sei o tamanho da gravidade e nem quanto tempo durou, mas eu sinto muito. Por todos vocês da família Albertelli, que não tiveram tanta sorte no quesito "Harmonia". Meu nome é Amanda Voz e este é o primeiro, e espero que último, podcast que gravo.
Silêncio.
Me sinto uma idiota segurando uma faca deste tamanho para eles, como se eu realmente soubesse como esfaquear alguém. Espero que alguém comesse a falar, fazer perguntas em cima de perguntas ou qualquer outra coisa, até xingamentos estou esperando. A primeira pessoa que fala, para minha surpresa, é Oliver e ele não se dirigi a mim, se dirigi a Nathan.
— Você abandonou sua irmã?
— Eu... Não... Oliver...
— Hanna! Que merda é essa?
— Meu nome não é Hanna. É Amanda.
— Ela bateu a cabeça.
Olho para Carmen após ela dizer isso.
— Não. Hanna...
— O que está acontecendo? — Oliver grita para ninguém em particular.
— Amanda... Pare por favor.
— Nathan... Você não sabe de nada.
— Vocês... O que é isso? — Honie está ficando vermelho.
— Eu não sou... Quem vocês pensam que eu sou. — Olho para cada um. — Nathan é meu irmão mais velho. Eu sou só uma mulher que... Está na frente de vocês por que...
— Onde está minha filha? — Paulo exige saber, o pescoço dele está vermelho e temo que as veias explodam.
— Morta. Ela está morta.
Um a um, sentados naquele sofá, ao tempo que absorviam a notícia, empalideciam.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Eu, Hanna
Ficção GeralVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...