Encontrei-me com Sely às oito da manhã; ela havia trago a bolsa.
—O que vai fazer agora?
—Você está namorado o Nolan? —Pergunto.
Ela franziu o cenho mas afirmou.
—Na festa tinham aparelhos de som grandes, será que ele sabe de quem são?
—Mas... São dele. Porque não perguntou isso a ele, Hanna?
—Tem razão eu vou... Falar com ele.
—Quer me contar o que aconteceu?
—Já te falei por telefone antes de sair de casa, é complicado.
—Sei que é, tenho pais separados e caramba, é uma barra.
—Minha mãe acha que é a pior pessoa do mundo porque fez sexo com outro homem.
—Mas seu pai...
—É eu sei, mas ela não. Ninguém, eu acho.
—Então os papéis são para contar a todo mundo?
—Mais ou menos. É uma parte do meu plano. Sely eu... Não posso contar mais nada, mas você ter guardado isso para mim já é muita ajuda.
—De nada. —Ela dá um sorriso envergonhado. —Sua amiga chegou.
Sim, Christina chegou. Vestindo um vestido laranja e usando óculos escuros ela senta a minha frente e coloca sua bolsa ao meu lado. Uma mesa agora completa.
—O que houve com você? —Sely quem pergunta.
—Olheiras. Não é nada. Porque estamos aqui? Achei que não me quisesse por perto.
—Não queria você na casa. É diferente.
—Tanto faz. Qual o ponto?
—Preciso da sua ajuda.
—Para quando?
—Não sei ainda, talvez amanhã, talvez depois eu só preciso de tempo para organizar tudo.
As duas mulheres trocam um olhar esquisito.
—Não olhe para mim, ela também não me contou nada.
—Não posso. —Retruco. —Ainda não.
Passamos alguns segundos em silêncio. O cheiro de café e fritura estava me deixando com fome ao passo em que Christina estava ficando enjoada. Acabei me levantando e indo ao banheiro.
Me olhei no espelho e novamente repeti as palavras que vem estado na minha cabeça por horas.
Vai dar tudo certo. Você está fazendo isso para protegê-los, tem que saber quem matou Hanna. Tem que salvar seu irmão, o biológico e os postiços. Paulo provavelmente matou a filha e não tenho sombra de dúvidas que foi ele.
Sai do banheiro e voltei à mesa.
Christina, assim que me sentei, fingiu uma tosse e retirou os óculos escuros grandões. Seu olho esquerdo estava roxo, vermelho, arranhado. Péssimo.
—Quem fez isso? Espere... Meu pai?
—Não. Minha mãe. Eu contei ao meu pai. Ela surtou comigo quando meu pai decidiu expulsa-la de casa.
—Seu pai e você estão bem? —Sely pergunta.
—Estamos melhores do que nunca. Minha mãe era uma bruxa que deixava uma nuvem negra naquela casa, estamos melhores sem ela. Quando contei... Nossa eu me livrei de um elefante que sentava na minha coluna. Claro que, foi horrível ver meu pai chorar, mas acredito que talvez, consigamos nos reerguer. Tenho medo do que minha mãe pode fazer.
Agora um elefante está sentado na minha coluna. Uma culpa enorme que não vou conseguir sustentar como Hanna sustentava as coisas dela.
Toquei a mão de Christina e falei as palavras mais sinceras desde que a conheci:
—Você não é igual a sua mãe. Sinto muito por eu te fazer acreditar nisso.
—Você... Obrigada. Eu nunca pensei que fosse escutar isso de você.
—Sou uma nova pessoa.
Tive que me levantar e a fazer levantar. Depois nos abraçamos enquanto Sely sorria para nós duas. Esqueci um pouco o clima pesado desde que cheguei a lanchonete. Começamos a conversar sobre alguns assuntos e e um momento Sely contou que havia transado com Honie. Sim, isso me abalou, mas não pude deixar transparecer então apenas sorri e perguntei se havia sido bom. Christina rejeitou três ligações ao longo da nossa conversa, na primeira vez ela havia dito que quem ligara havia sido sua avó materna e nas palavras dela "outra cobra". Recebi duas mensagens de Nathan, mas não me dei ao trabalho de olhá-las.
—Tenho que ir. —Sely interveem. —Tenho que passar em casa. Hanna, se precisa me ligar e Christina... Você foi corajosa, parabéns.
—Obrigada. —Eu e Chris dizemos.
A porta emite um estalo quando Sely sai.
Olho para Christina e abro a boca. Ao mesmo tempo um som de pneus rasgando o asfalto corta minhas falas, olhei para o lado de fora a tempo de ver um carro de cor escura fazer com que Sely seja jogada no capô e depois rolar até a traseira e, por fim, cair no chão com um baque. Me levantei rápido e fui para fora da loja, avancei entre as pessoas que se aglomeravam e congelei vendo o rosto dela.
—Alguém chame uma ambulância! —Alguém grita.
—Chamei, estão a caminho. —Outro fala por cima.
Fui teletransportada para o dia 8 de Agosto, o dia em que achei Hanna naquele beco horrendo sangrando e sangrando mais ainda, tentando falar, me falando sobre quem pode tê-la matado. Sely não fala e tampouco sangra.
Ela não havia tido essa mínima sorte.
Ela já havia morrido.

VOCÊ ESTÁ LENDO
Eu, Hanna
General FictionVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...