Não dormi na cama dela. Peguei lençóis limpos na parte de cima do closet onde as gavetas grandes ficam, fiz uma cama perto da janela entre o computador e a porta do banheiro. Deixei o abajur aceso e tranquei a porta. Não temia nenhum monstro debaixo da cama, já que eles estavam dormindo nos quartos ao lado. Escutei vozes no corredor, acho que era Oliver no telefone.
Foi uma noite mal dormida, sonhei com aves e fogo, no final, acordei emaranhada no mar de edredom. Acabei esperando o relógio marcar sete horas para levantar ㅡNa mesma hora em que ouvi a porta de Oliver abrir ㅡ, e decidi comer logo para poder ficar no quarto o dia todo.
Lucie estava parada perto da pia, com uma pequena xicara ao seu lado, ela parecia cansada. Assim que me viu insistiu para que eu me sentasse porque iria me preparar o que comer, mas meu desejo era pegar alguma coisa naquela imensa geladeira e voltar para o quarto. Oliver apareceu atrás de mim, com Marley ao seu alcanço, mordendo um osso.
—Oi.
—Oi.
Honie apareceu também, cheirando a colônia. Ele me olhou por um tempo antes de sentar junto a Oliver, mas os dois nem se olharam direito. Decidi me sentar também.
—Você passou perfume.
—Obrigado por notar. Você vai para algum lugar?
—Não. —Olhei para Oliver. —Você vai?
—Sim, tenho que resolver algumas coisas. Você vai para onde?
—Tenho treino.
—Ah, tá.
Observei a fumaça dos ovos fritos.
—Nossa mãe? Cadê?
—Ela não quer descer agora. Pode tentar falar com ela depois?
—Depois.
A ideia de estar perto de Vanessa Albertelli ainda me era esquisita, porque, ela pensa que sou Hanna, que assuntos elas teriam que eu poderia tentar me encaixar? Roupas? Acho difícil. Músicas ou o tempo? Sou uma completa perdida. Eles falavam com ela? Acho que Oliver sim, mais que todos, mas não posso chegar e perguntar o que especificamente devo conversar com a mulher que, na visão deles, é minha própria mãe e...
Minha mãe. Minha própria mãe é nela em que devo pensar, não em como era a conversa com Vanessa e Hanna, e sim entre minha mãe e eu porque ambos são diálogos de mãe e filha, é uma coisa que acontece naturalmente e não tem macete para isso, acho que a partir do momento que abri a boca, as coisas fluirão.
Lucie me colocou café, um prato com ovos, tapioca com recheio e biscoitos. Acabo comendo de tudo, pensando que se estivesse na minha própria casa o que eu estaria comendo seria apenas uma xicara de café e um pão com manteiga. Oliver dialogou com Honie quase o tempo todo, mas não tive vontade nenhuma de prestar atenção, antes mesmo de dormir tinha feito a promessa de ficar no quarto o dia todo, ouvir mais um daquelas coisas de Hanna e agora prometi que falaria com Vanessa, não sei o que o olhar de Honie quis dizer de inicio, mas o chute me meu calcanhar confirmou que ele queria conversar comigo. Albertellis tem essa mania de chutar uns aos outros durante uma refeição? Não pode usar as malditas palavras? Oliver, pelo que percebi, é sempre o último a sair da mesa, então finjo que vou para o quarto quando na verdade paro no corredor, espero Honie aparecer, o quarto dele está logo atrás de mim, a porta não está aberta de qualquer modo, mas me sinto curiosa ao pensar que tipo de coisas ele esconde lá. Hanna sabia das coisas que ele escondia? Existe um áudio sobre ele? Algo de ruim, talvez.
Ele apareceu depois que me proibi de pensar isto. Estava sorrindo, por algum motivo.
—O que foi? —Pergunto.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Eu, Hanna
Fiction généraleVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...