Esses dias eu estava deitada, eram três da madrugada, eu me sentia presa e sufocada como nunca. Christina não atendeu as minhas ligações, infelizmente. Deixei um monte de mensagens para ela. Levantei da droga da minha cama e fui para a cozinha, bebi um copo e meio de vinho, nem deveria colocar álcool na boca. Aqueles goles bastaram para que eu ficasse irritada, eu estava irritada por alguma coisa, acho que o ar estava me sufocando. Então fui para o quintal e acabei vendo meu pai falando no telefone e ele estava tão irritado quando eu. Desde pequena eu costumo ouvir as conversar do meu pai e até mexia no celular dele enquanto ele dormia; até que parei de fazer isso porque perdeu toda a graça. Agora, ele está cochichando, e se tem uma coisa que meu pai não faz é cochichar.
Não pude ouvir muito aquele dia, faz dois meses enquanto gravo isso, como esperado, ele continua cochichando pelos cantos, o único que percebeu foi Oliver, mas ele não é tão importante agora, meu pai é. Tenho dúvidas se ele realmente queria ser pai, se veio apenas com aquela conversa de gozar do lado de fora, eu costumo rir muito disso. Bem, ele falhou. Três vezes. Oliver nasceu e todo mundo achou maravilhoso porque finalmente teriam alguém para deixar a fortuna que ele certamente merecerá. Duvido que pai vá deixar algo para ele quando descobrir que ele gosta de paus. Então eu nasci, foi a felicidade da minha mãe ter uma garota, o que foi o sentimento totalmente contrário do meu pai, que tentou de todas as maneiras me prostituir para seus colegas de trabalho. Nível baixo pai, muito baixo. Mas ei, deixa eu te contar, eu realmente peguei um deles, e aproveitei muito. Nolan adorava nosso sexo. Depois de mim, meu pai decidiu renovar os ares e impor mais uma criança no mundo; Honie preferia que você tivesse morrido no parto, seu babaca. Nunca vou esquecer-me das suas palavras. Você lembra? Você disse "Pare de respirar, Han. Pare." E eu fiquei assim até meus olhos lacrimejarem. Acho que isso não conta para o papai. Que coisa. Acho que podemos focar primeiro na parte do natal, quando você me comprou um lindo vestido vermelho e foi um bom presente, mas isso foi antes de eu cortá-lo em milhões de pedacinhos e depois jogar em uma fogueira. Foi depois de ver você colocar seu peru onde não devia. Deplorável. Totalmente deplorável.
Mas o natal foi só o começo, eu imagino. Porque logo em seguida veio o ano novo, carnaval e tenho certeza que você deu um jeito no São João ou sei lá, no dia dos pais. No dia das mães. Mas eu não os presenciei, graças a Deus! Eu estava me divertindo também, mas claro, você não poderia saber, quase soube, tive que me esforçar para calar a boca de Oliver e consegui. Foi difícil, mas divertido! Eu amei! Voltando... Aí Deus eu nem sei mais o que falar, como é que acabamos de contar que seu pai provavelmente é o pior do mundo? Porque o meu certamente é! A cada dia que passa a cada minuto que eu passo na mesma casa que você eu percebi o quão desprezível a presença de um ser humano pode ser desconfortável e tóxica, aprendi muita coisa com você, coisas bem chatas. Você sabia que eu queria me mudar com Christina? Mas isso foi antes de você estragar a droga da nossa amizade, foi baixo. Muito, baixo, senhor Paulo Albertelli. Gostaria de te empurrar da escada um dia desses. Um dia eu convencerei minha mãe a te largar, nem que eu faça o que mais desejo enquanto gravo isso. O que eu desejo? Bem... Dizer a verdade. Para todos. V-E-R-D-A-D-E. Só isso. Vamos pensar por um momento que todos estão escutando nisso, o que vocês acham? Eu, Hanna, vou rir até meus olhos lacrimejarem em algum lugar da casa. Gostaria de poder ver a cara de vocês enquanto escutam, talvez em um jantar de família? Isso seria muita cena de novela. Eu seria a vilã? Não, acho que não, mas tampouco seria a vítima. Acredito no que acredito.
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Eu, Hanna
General FictionVer uma pessoa morrer não é nada de tão incomum. Mas se a pessoa que você visse morrer for idêntica a você? E se ela lhe pedisse um último favor? E se você aceitasse? A vida de Amanda Voz, uma escritora amadora, agora se resume no "e se". Decidida...