Era uma terça-feira a noite em um dos restaurantes mais caros e sofisticados da cidade. A música ambiente era calma e sutil como aquela conversa que se iniciava naquela mesa. A não ser pelo fato de a música estar ali apenas para suavizar um pouco o clima do local, enquanto a conversa que tinham naquele momento estava presente para incendiar o clima, não do local, mas delas.
— Então quer dizer que sua pose de durona é só durante o trabalho? Fora dele você não é assim, doutora?
— Nada disso - sorriu fraco de canto - Eu ajo assim sempre que a situação permite, senhorita - falou com a sobrancelha arqueada enquanto observava a mulher de olhos verdes a sua frente sorrir maliciosa enquanto levava a taça de vinho a boca. — Agora me diga. O que faz então no seu tempo livre?
— Bom, gosto de ir à praia, me exercitar ao ar livre, viajar, mas nunca chorar com filme infantil - sorriu ao relembrar o motivo de ter tirado sarro da advogada.
— Em minha defesa foi uma vez só e só contei isso pra quebrar o gelo do primeiro encontro.
— Ah, não sabia que a temperatura entre nós estava fria. - se fez de desintendida enquanto mordia o lábio inferior.
— É … - pigarreou - mais vinho? - após a outra mulher assentir, serviu ambas as taças. Gizelly não sabia ao certo mas estava desconsertada. Rafaella era misteriosa demais. Isso a instigava ao mesmo tempo que a fazia ter dúvida se arriscaria um convite para saírem dali o mais rápido possível até sua luxuosa mansão.
10 minutos depois.
O sedan preto de Gizelly corria veloz pelas ruas do Rio de Janeiro enquanto a mesma estava atenta à pista movimentada e ao trânsito. Rafaella por sua vez divida o seu tempo entre olhar a cidade pelo vidro da janela do carro e olhar Gizelly concentrada ao volante.
Em pouco tempo chegaram a luxuosa casa da advogada.
Estar em um ambiente de luxo não era novidade para a mineira. Era habitual, ela estava acostumada com isso, assim como era para a morena a sua frente que a guiava de mãos dadas adentrando a enorme sala de estar daquela casa.
Não precisaram de muitas palavras a serem ditas. A linguagem corporal falou mais alto ali. Gizelly guiou Rafaella até o seu quarto.
O ambiente era enorme e possuía uma decoração minimalista em tons pastéis, o que combinava muito bem com os móveis amadeirados que ali estavam presentes. A iluminação daquele cômodo estava baixa mas Rafaella conseguiu notar um enorme conjunto de lustres em formato de espirais que compunham a cena.
Não demorou muito até a mineira sentir os braços da morena em sua cintura e um beijo firme e apressado em seus lábios.
No dia seguinte, ao acordar, Gizelly percebeu que a cama estava vazia e seu corpo cansado. A outra havia ido embora ainda na madrugada. Isso não era segredo. O trato era se divertir sem apego, se é que elas tinham um trato. Sorriu boba ao lembrar da noite passada e de como Rafaella a surpreendeu positivamente.
Percebeu seu telefone vibrar, havia chegado uma mensagem. Era Duda, sua melhor amiga desde a infância e confidente principal nas horas vagas. Elas marcaram de se encontrar em algum lugar para almoçar e depois voltaram aos seus respectivos trabalhos, pois ainda era quarta-feira. Aliás, quem marcava encontros numa terça a noite? Gizelly se perguntou isso várias vezes durante o dia.
O dia de Rafaella passou como todos os outros. Caso você não saiba, a mesma não costumava fazer muita coisa. A casa gigantesca que dividia com seu primo Erick era repleta de funcionários prontos para serví-los a qualquer momento. Rafaella tinha uma vida de princesa, tirando a parte extremamente cruel em que assemelhava-se a uma bruxa por destruir a vida de várias pessoas ao longo de 2 anos seguidos. Ela só dormia, comia e transava.
Erick também não era diferente. Ao contrário, era muito pior. Ele parecia inofensivo por fora mas era ele quem realmente comandava aquele esquema de furto.
Ele era a mente pensante que vasculhava a vida dos jovens mais ricos da cidade e os estabelecia como alvos, dava um jeito de Rafaella se infiltrar no meio destes para os fazer se apaixonar. Essa parte ela entendia bem. Porém, Erick sabia o momento certo de tirar a prima de campo e roubar a fortuna de alguém. Independia o sexo, o que apenas contava era o quanto você tinha, financeiramente falando.
Por falar em dinheiro, a mineira não via nem sua cor, ela apenas usufria dele, pois era na mão de Erick que este ficava. Ele monopolizava tudo e cabia a prima apenas aceitar. Caso contrário, a porta da rua seria sua serventia. Era uma espécie de trato entre eles, não o principal trato que veremos nessa história, mas era mais um presente aqui.
Ao anoitecer, Erick chegou a mansão portando seu melhor traje. Traje este que Rafaella estranhou mas não contestou pois eles não costumavam interferir na vida um do outro. O homem mais velho, de cabelos loiros, olhos claros e sorridente sentou-se à mesa diante da mais nova que havia começado a jantar a pouco.
— E aí? Como foi o encontro? - perguntou esperançoso.
— Normal, o mesmo de sempre. - ela agora o olhava.
— Não imaginei que chegaria tão tarde em casa.
— Não sabia que eu ainda tinha pai. - respondeu ríspida enquanto o loiro desviava o olhar e se servia para comer.
— Que diabos você tem?
— Como assim o que eu tenho? Você por acaso esqueceu o que combinamos? - a mulher alterou a voz enquanto sentia um nó formar-se em sua garganta.
— Não esqueci, Rafaella - suspirou levemente irritado pois não gostava que alteassem a voz numa conversa.
— Combinamos de a Alice ser nosso último caso.
— Eu já te expliquei que isso não seria possível.
— É sempre assim. Nunca é possível.
— Eu sou o cérebro por trás disso. Se não fosse eu, você estaria onde? Na rua? Ou melhor, se deitando com qualquer um em qualquer lugar para sobreviver. - o homem estava possesso.
— Vai pro inferno, Erick! - ela chorava baixo.
— Já está combinado. Vamos esperar a advogada cair e encerraremos nosso trato. Você poderá terminar sua faculdade como sempre quis e prosseguir sua vida. Porém enquanto isso não for concluído, você continuará a depender de mim. Se você vive aqui, terá que seguir minhas ordens. - sentiu-se vitorioso por a prima apenas assentir com o que acabara de dizer.
— Vou subir pro meu quarto. - disse a mais nova enquanto saia rapidamente da sala de jantar limpando suas lágrimas.
Um banho demorado em sua banheira foi o suficiente para a mineira perceber que nutria muito mais que ódio pelo primo e por aquela situação conflitante. Em contrapartida, ela continuaria o plano por apenas mais uma vez e era nisso que se apegaria. Ela nunca concordou com aquilo mas sempre o fez porque se via presa ao primo por este ser seu meio de vida e sustento. Seria apenas mais uma vez e tudo estaria acabado. Seria finalmente livre.
Foi tirada de seus pensamentos com uma mensagem de Gizelly. Elas haviam trocado os números ainda no início do encontro na noite passada. A advogada estava a convidando para saírem novamente no fim de semana e a mesma prontamente aceitou.
Gizelly era fácil.
Seria fácil.
Só mais uma vez.
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O TRATO - Girafa
FanficRafaella Kalimann é uma golpista que deixa suas involuntárias vítimas atormentadas quando percebem que foram usadas e roubadas de tudo, incluindo seus corações. Mas a dinâmica muda quando seus dois últimos alvos - Pedro e Alice - se juntam para ir a...