Capítulo 68 - Ressaca

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Pov Gizelly

Eu sentia a dor latente aumentar a cada vez que alguém proferia palavras. Ou melhor, talvez fosse qualquer estúpido som.

O noticiário passando na televisão cedo demais do dia. O despertador do celular sempre programado para apitar com veemência. O barulho do ar-condicionado do quarto. Um liquidificador ligado. Aquela voz irritante e extremamente alta.

- Olha só, a princesa acordou. Pensei que ia dormir o dia todo.

- Bianca! Tá cedo! Me deixa em paz e cala a boca. - me virei em direção oposta a ela e reparei que estava em sua casa.

- Que cedo? Tá passando o jornal do almoço e você aí largada.

- Quê? - em um ímpeto, pulei sob os lençóis, o que provocou mais uma onda de dor em minha cabeça.

- Se eu soubesse que queria assistir, tinha te chamado antes.

- Eu não costumo acordar tão tarde assim - resmunguei enquanto coçava os olhos.

- Você não costuma fazer várias coisas, mas ultimamente está passando dos limites.

- Como assim?

- Ah, agora vai dizer que não se lembra. Típico de bêbado mesmo - disse com desdém ainda na porta do quarto.

- O que eu fiz? - rapidamente olhei para meu corpo a fim de saber se estava vestida - A gente não... Bianca, eu e você não...

- Cruzes, Gizelly! Claro que não! Eu não tô solteira a esse ponto.

- Amém! - suspirei aliviada.

- A Duda tá chegando. Então, se prepare pro pior. E vai lavar logo esse rosto!

Eu poderia ter fingido não entender suas palavras e apenas ignorá-las, afinal eu estava de ressaca. Contudo, eu realmente não havia compreendido o que a demônia da Bianca quisera dizer. Ainda bem que a mesma era advogada, pois se fosse educadora, lhe faltaria didática.

Caminhei até o banheiro e lavei meu rosto várias vezes. Em seguida peguei uma escova de dentes nova que havia ali e terminei minha higiene.

Quando saí do quarto, a menor já havia chegado e, juntamente com Bianca, me esperavam na sala com uma cara de poucos amigos. Eu realmente não recordava que porra eu tinha feito, mas sabia que não passaria ilesa pelas mulheres.

- Toma o remédio e senta aqui! - Bia mandou e eu obedeci pegando um comprimido separado com um copo d'água em cima da mesa.

- Posso ao menos tomar café antes?

- Não! - Eduarda vociferou com uma ignorância jamais vista.

- Eu tô com fome. É a principal refeição do dia.

- Olha só! A bêbada é desmemoriada, mas cuida da saúde. - a outra debochou e eu bufei.

- Ok. Sem café. - andei até elas e sentei no sofá, as encarando.

- Que história é essa de fazer as coisas e não lembrar depois? - a menor questionou.

- Se chama "porre". Eu fazia mais isso no período da faculdade.

- Eu não sabia que estragar a festa da Rafa estava incluído nesse pacote. - Eduarda proferiu e eu senti meu corpo gelar.

- O quê? Mas eu n-não fiz isso. - respondi já temendo o pior.

- Ah não? Você só teve um crise de ciúmes na frente de todo mundo; - começou a contar nos dedos os meus feitos - quis bater várias vezes no Rodolffo; xingou o segurança que veio tentar te acalmar; deixou todo mundo extremamente irritado e depois fez a Rafa sair chorando da festa dela.

A cada nova frase dita por Bianca eu sentia um novo arrepio atravessar minha coluna. Minhas mãos começaram a suar frio e dei graças a Deus por estar sentada.

Eu tinha flashes de memória com relação a Rodolffo. Lembro-me de ir até o mesmo e falar algumas coisas, mas não lembrava de ter interrompido a festa e muito menos de ter magoado Rafaella. Se aquilo fosse verdade, eu não me perdoaria por ter acabado com sua noite.

- Não vai dizer nada? - Duda quis saber.

- E-eu não sei o que dizer- proferi angustiada. - O que eu disse a ela?

- Que eles dois se mereciam. Que ela só estava ali se formando porque tinha transado com ele. Que ela não passava de uma puta qualquer e que nunca seria ninguém na vida.

- Bia, não se esqueça da parte onde ela disse que a Rafa merecia estar sozinha mesmo, assim como ela sempre foi.

Em condições normais eu nunca cuspiria tais palavras, principalmente contra a mineira.

Entretanto, como eu poderia ter certeza de algo se estava fora de mim, tomada por ciúmes e raiva? Meu coração parecia grande demais para o meu corpo. Tentei respirar fundo, mas as lágrimas presentes em meus olhos começaram a teimar em sair.

Fiquei atônita naquele sofá, tentando me lembrar do momento no qual tudo acontecera. Eu só queria lembrar! Senti o ar rasgando meus pulmões enquanto ambos guerreavam internamente dando espaço aos soluços e ao choro alto.

Eu a magoei.

A fiz sofrer.

Eu quem merecia sofrer.

Minha boca estava seca, meus braços e pernas se mexiam agitados sem meu consentimento, eu não sabia se estava no controle ou se o mesmo já tinha se esvaído.

Mais lágrimas.

Eu a magoei.

Tentei recobrar os sentidos enquanto Eduarda e Bianca assistiam minha crise.

Meus sentidos.

Cinco coisas que posso ver. Quatro que posso tocar. Três que posso ouvir. Dudas que posso cheirar. Uma que posso sentir o gosto. Respirei fundo. Era difícil fazer aquilo.

- O que eu faço agora? - minha voz saiu mais fraca e contida que o normal e observei que os semblantes das duas à minha frente demonstravam preocupação.

- Vai se desculpar - a menor sugeriu.

- Mas como? - quis irromper novamente num choro, mas me segurei. - Ela é preciosa demais e a melhor coisa que me aconteceu. Eu nunca quis machucá-la - baixei o olhar.

- Então vai dizer isso a ela. - Bia falou me oferecendo uma xícara de café.

- E se ela não quiser me ouvir?

- Mesmo assim você terá tentado.

- Eu não a mereço. - constatei.

- Verdade!

- Oh, Bianca! - deu um tapa em seu braço.

- É brincadeira. Vai logo fazer as pazes, ela vai te entender. Anda, Gizelly, quanto antes melhor.

Verdade seja dita: eu não sabia nem como agir diante daquilo.

Nos minutos seguintes, voltamos à mesa para tomar um café que já não despertava mais minha fome.

-x-

Volto amanhã ❤

O TRATO - GirafaOnde histórias criam vida. Descubra agora