Ana Francisca de Matos Bragança - Apresentação

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Ana Francisca tinha um tipo de relação diferente com cada membro da família.

Especialmente com seus irmãos mais velhos, a começar por André, que foi quem lhe ensinou muitas coisas sobre a vida, que ela considerava o mais inteligente, e a quem ela dava todo ouvidos.

Augusto era seu companheiro de trapalhadas. Por muitos anos eles se divertiram pregando peças na família, e ele era o único que a levava em lugares que os outros provavelmente reprovariam, como o baile vespertino e o topo da cachoeira que ficava perto da fazenda.

Carlos era sua bússola moral. Se ele dizia que alguma coisa estava certa, ela não tinha dúvida nenhuma de que era verdade. Por ser o mais próximo de idade, acabou sendo o seu melhor amigo, no sentido de que contava tudo para ele. O fato de que não a julgava também era algo que a fazia gostar muito do irmão.

A partir do momento em que André lhe falou que precisava entrar no universo feminino para sobreviver naquela sociedade, Ana Francisca procurou saber tudo a respeito de ser uma mulher admirável. Sua mãe brilhou os olhos quando a viu treinar a postura, a fala, manter-se quieta enquanto seu pai falava nos jantares, não emitir opiniões polêmicas quanto às outras pessoas ou à política, não arranjar briga com ninguém e, mais importante, interessar-se por cuidar da casa. A Sra. Francisca tinha certeza de que ela seria uma das mais educadas do Rio de Janeiro, e o exemplo de esposa perfeita.

Ana, no entanto, mantinha segredo a respeito de sua verdadeira personalidade. Seu maior desejo era ser esperta, e isso significava conseguir enganar a todos. Ela não se importava de fingir, não. Considerava fingir uma arte que poucos dominavam, e ainda menos conseguiam manter por longos períodos da vida. Ela sabia que precisava de uma válvula de escape, e a sua era Cristine, que era a única que sabia exatamente quem a garota era.

— Srta. Ana... o que estamos fazendo aqui? — Cristine entrou no escritório do falecido Sr. Bragança exatamente duas semanas após o acidente, observando as estantes de livros e a qualidade da mobília.

— Eu preciso colocar essa carta em algum lugar por aqui. — Ana procurava entre os livros um que fosse bom para esconder uma ameaça — Hum... aqui está um bom: O Systema representativo, de José de Alencar, que tal?

— O romancista?

— Ele era político também. Acho que isso pode acabar confundindo eles, sobre as intenções da pessoa que deu esse livro. Veja, está novinho. Ele era deputado na época do império. Podem pensar que meu pai foi ameaçado por um monarquista. Mas ao mesmo tempo...

— Ameaçado? Do que está falando, Srta. Ana?

— Ah, Cristine... — A garota suspirou, e colocou a carta dentro do livro, voltando-o para a prateleira na estante enquanto escondia um sorrisinho. — Eu fiz uma coisa, e agora nós estamos perdidas.

— Nós?! — A criada prendeu a respiração e encarou a garota com um olhar de pavor, sentando-se no sofá ao seu lado pelo medo do que estava por vir.

— É, porque você vai me ajudar Cristine. Quer dizer, eu não sou de obrigar ninguém a nada, sabe disso, mas não tenho mais ninguém com quem contar para essa... brincadeira.

— Se é uma brincadeira, então por que ainda estamos perdidas?

— Porque é uma brincadeira que envolve muita gente... e gente muito séria, que não sabe brincar. — Ana sentou ao lado dela para finalmente explicar — A carta que mandei para meus irmãos... escrevi nelas que meus pais foram, na verdade, assassinados.

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