I.
Ana Francisca, a filha mais nova, era espoleta e, como a mãe dizia, "quase um moleque", e seus irmãos incentivavam muito isso, porque era divertido, afinal (e isso também já foi explicado no capítulo de apresentação do mais velho, André, que fazia questão de tratá-la como igual, fingindo ser mesmo um irmão, e não uma irmã). Talvez por isso as definições de "gênero" sempre tenham sido bagunçadas na cabeça de Aninha, ou então ela seria assim, independente da criação e tratamento que recebesse. Não tem como saber.
O que não mudaria seria seu tratamento. Por ser a mais nova tinha certas regalias, como a de quase nunca ser repreendida. Quando ela aprontava, a bronca sempre caía nas costas de seus irmãos. A Sra. Francisca dizia que eles eram os culpados por incentivarem esse tipo de coisa. André lidava com a bronca como um bandido a ser repreendido por um policial: não fazia efeito algum. Em sua cabeça, ele estava certo.
Quando eram mais novos, os Bragança, como já foi dito, eram garotos populares. Até mesmo Carlos, que vivia escondido atrás de livros, tinha seu nome conhecido por todas as crianças da cidade. Pouquíssimos desses amigos, porém, eram de confiança para adentrarem sua casa, conhecerem sua família e, principalmente, passarem pela rigorosa seleção da Sra. Francisca de Matos Bragança.
Um dos que passou nesse rigorosíssimo controle foi, para a surpresa de todos, Victor, o filho bastardo do Sr. Luís Rodrigues. Pergunte-me como e eu vou lhe dizer o óbvio: com um pai daqueles, como é que o garoto poderia ser indisciplinado ou mal educado? A Sra. Francisca amava o jeitinho de garoto reprimido dele, que erguia as mãos sempre que era pego em uma peripécia, e até mesmo passava alguns momentos dentro da casa dos Bragança, perguntando tudo a respeito de tudo. Era um garoto curioso sim, e ninguém tinha tempo para respondê-lo em sua casa, mas na dos Bragança, sim.
Sua mãe, Jeanne, estava sempre mais interessada em outras tarefas de extrema importância, como desfilar pelas ruas com o título de amante do Sr. Luís Coelho Rodrigues, um homem podre de rico, dono de diversas fábricas que inclusive Victor nunca descobriu o que produziam. Ele não via muito o pai, para começo de conversa, e quando o homem os visitava passava o tempo todo interessado em sua mãe, fingindo muito bem que ele não existia. Victor não nasceu querendo chamar atenção, isso ele desenvolveu ao longo da vida.
Mais tarde, quando era adolescente, por chantagem de Jeanne, seu pai o chamou para morar em sua casa, na qual ele se tornou ainda mais invisível, sem saber que isso seria humanamente possível. A não ser que ele fosse pego em bebedeiras, tentando conquistar uma garota da classe alta ou então tocando violão na calçada, seu pai não se dava o trabalho de olhá-lo na cara. E, assim, seguia sua vida: usado pela mãe para controlar o pai, que por sua vez o ignorava completamente a não ser quando precisava mantê-la satisfeita.
Em vista desse cenário familiar horroroso, é claro que o ambiente da casa dos Bragança parecia um lugar melhor para se viver, ainda que imperfeito como qualquer família deveria ser (e apenas isso, ao invés de horrorosamente imperfeita como a sua) e ele passava boa parte dos seus dias, partindo direto da escola, e muitas vezes passando a noite lá para o dia seguinte.
Augusto era seu melhor amigo, apesar da diferença de quatro anos, e André o segundo melhor amigo, apesar dos seis anos que os separavam. Essa diferença pode não ser tão gritante na juventude, mas quando adolescentes sim, era. Augusto tinha dezesseis, Victor doze e André já estava com dezoito, partindo para a faculdade na Inglaterra. Não é perceptível como estavam distantes em realidades? Até mesmo Carlos era mais velho, e a única que ele vencia em idade era Ana Francisca.
Nunca fez diferença ela ser uma garota, não, porque ali na residência dos Bragança, onde a garota se juntava aos irmãos, não era para isso ser um diferencial. Ana Francisca realmente não era vista como uma garota por eles na infância, e Victor também aprendeu a tratá-la assim: como igual.
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Bragança & Cia
Romance[...como efeito colateral dessa brincadeira, eles acabam vivendo lindas histórias de amor. ] O cargo almejado por João de Matos Bragança era o de Senador, mas infelizmente ele e sua esposa sofreram um terrível acidente antes mesmo que pudesse inic...