Theodora de Lins Duarte - Apresentação

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Theodora batia o pé no chão de modo mais ou menos disfarçado, sem conseguir esconder completamente sua impaciência. Ela observava as pessoas ao redor daquele funeral e o modo como riam e sem cumprimentavam como se fosse um evento de confraternização entre políticos e não conseguia deixar de pensar em como aquele ambiente estava errado.

Um funeral era para ser triste, ou comicamente trágico no máximo. Os sorrisos das pessoas a incomodava, mas mais ainda o modo como estragavam toda a seriedade do momento, como se não soubessem para qual papel foram designadas ali: prestar os pêsames, pensar sobre a finitude da vida, refletir sobre a eternidade, consolar os familiares e se compadecer da dor deles.

É verdade que nem todos estavam saindo do personagem. Sua irmã, Catarina, parecia suficientemente abalada e comovida pela filha dos Bragança estar, de um dia para o outro, órfã. Era disso que Theodora estava falando: um trágico acidente! Uma morte repentina! Aliás, duas. Era duplamente trágico.

— Já imaginou se isso acontece conosco, Dorinha? — Catarina ainda encarava a Bragança ali parada como uma estátua na frente dos dois caixões, recebendo as condolências dos que se prestavam a se lembrar que ela era a única dos familiares ali.

— Hum. — Theo não conseguia se conformar — Comigo já aconteceu. Pela metade. Mas aconteceu.

— Que horror, Dorinha!

— Ora, é a verdade. Minha mãe morreu. E eu não sei o que é mais trágico... — Ela indicou a Bragança com a cabeça — perder os pais já estando grande o suficiente para entender o que isso significa... ou nem sequer se lembrar deles.

Ela não desejava nenhum mal à sua madrasta, a poderosa Apolônia Duarte, mas era bem verdade que não sentiria falta alguma dela. De seu pai... talvez um pouco. Ficaria triste, sim, como qualquer ser humano normal. 

Só queria conseguir se lembrar de sua mãe. Talvez as coisas fossem diferentes se ela estivesse viva.

— Como será que vão ser as coisas para a Bragança a partir de agora? — Ela deixou escapar o pensamento.

Theo só sabia como era perder a mãe. Como havia lido certa vez: "morte de mãe era a quebra de um simbólico primitivo. Era a ruptura com quem a havia primeiro hospedado. Era ficar órfã e desabrigada, de repente, pois a figura de mãe era também a de uma eterna habitação. Corpo que um dia foi seu corpo, fonte para seus ossos e sua carne, espírito e sangue. Um desalento." E a ela nem foi permitido as lembranças: a sensação do abraço, o olhar que a desvendaria antes mesmo de poder dizer, o consolo para situações inconsoláveis, a compreensão sensível de alguém que talvez fosse o ser mais próximo de outro ser na face da terra.

Isso só a deixava ainda mais revoltada pela incongruência daquele momento. Porque ela nem poderia imaginar o que significava a perda de um progenitor, fosse ele presente ou não, mas sabia que a perda de uma mãe quase em situação nenhuma seria vista como uma banalidade.

— Ah... — Catarina respondeu à pergunta, que Theodora nem sequer se lembrava mais de ter feito — acredito que algum dos irmãos deva voltar e cuidar dela a partir de agora.

A mais velha suspirou pela falta de profundidade de Catarina, mas não a culpou. Ela pensava no óbvio, no que mais fazia sentido e no que era mais fácil de ser entendido. Resolveu não implicar com aquilo, porque além de tudo ela também não estava lá para muito papo enquanto observava cada vez mais pessoas chegarem e cumprimentarem seu pai, o influente Governador Duarte, conversando sobre assuntos nada pertinentes ao momento.

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