ྉ22ྉ

4K 308 287
                                    


Seattle, 24 anos atrás.


- E por que não pode ficar?

- Eu gostaria de poder, mas como já te expliquei é complicado. - Minha mãe arrumou um pouco mais as cobertas e em seguida acariciou meu rosto. - Mas não tem que se preocupar, quando você menos esperar estaremos juntos novamente.

-Eu não posso ir com você agora? - negou deslizando as costas de sua mão pelo meu rosto, parecia triste e sempre respirava fundo antes de falar. Minha mãe tinha um cheiro doce de balas ou algodão doce, pelo menos é o que me lembra. Ela sorri para mim, mas seus olhos não parecem felizes.

- Não pode, mas não vai ser por muito tempo eu vou voltar por você.

- E então vamos embora?

- Só nós dois. - Seu corpo cobriu o meu, beijando minha testa ela permaneceu ali por mais tempo que o normal.

Minha mãe sempre me dava beijos antes de dormir, mas eles nunca duraram tanto como naquela noite. - E o astronauta.

Eu a lembrei apertando o urso nos braços, ela riu abafando o som melancólico com a mão.

- E o astronauta. Mas tem que me prometer que vai se comportar enquanto eu estiver longe. Você pode me prometer?

- Eu prometo.

- Ótimo...agora você precisa dormir.

- Pode ler para mim antes?

Seus lábios se curvaram, seus olhos buscaram ao redor antes de pararem no relógio em seu pulso. - O pequeno príncipe.

- Por que não fazemos diferente? Sabe a história de cor pode recita-la até que o sono chegue.

- Eu gosto de ouvir sua voz quando lê para mim.

Suspirando ela segurou minha mão e a levou a boca para beija-la. - Então eu começo e você termina, pode ser?

- Tudo bem...

Ela voltou a pôr um sorriso em seu rosto quando começou a recitar as palavras para mim tão familiares. Eu amava aquela história, mas amava ainda mais quando ela a contava, amava suas caretas e interpretações, amava as entonações de sua voz, amava como ela sempre se referia a mim por meu Petit Prince ao fim da história, sem importar quantas vezes eu a tinha implorado para lê-la para mim.

Sua voz soou baixa enquanto eu aproveitava para me aconchegar um pouquinho mais ao corpo esguio e longo da minha mãe, tentando gravar seus sons, seus cheiros e talvez, seu rosto.

Por mais estranho que fosse aquela sensação vazia no peito, por mais ingênuo que eu fosse ainda, por mais que eu soubesse quanto ela me amava. Algo me dizia que aquela seria a última vez que ela leria para mim.

- "Certa vez, quando tinha seis anos, vi num livro sobre a Floresta.

Virgem, "Histórias Vividas", uma imponente gravura. Representava ela uma jiboia que engolia uma fera." - Eu ri imaginando a figura engraçada no livro guardado na estante do quarto. - "Dizia o livro: "As jiboias engolem, sem mastigar, a presa inteira. Em seguida, não podem mover-se e dormem os seis meses da digestão"

Refleti muito então sobre as aventuras da selva, e fiz, com lápis de cor, o meu primeiro desenho." - Minha mãe acariciou meu cabelo e deixou sua mão ali, apoiando sua cabeça na minha eu a escutei fungar enquanto inalava meu cheiro.

Nós recitamos um para o outro, pareceu mais rápido do que quando ela lia para mim, talvez fosse a questão do adeus, e por mais que eu tenha recitado as minhas partes com uma lentidão além do comum a última frase tinha acabado de chegar.

Duas vezes você |✅|Onde histórias criam vida. Descubra agora