Capítulo 16

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Não foi fácil abrir os olhos, mas, quando o fiz, olhei embaçadamente o teto de madeira escura mal iluminado pela pouca claridade dos postes que passava pelas finas cortinas na janela logo acima de mim e ouvi com nitidez os grunhidos ainda altos do lado de fora. Eu tinha razão sobre o tsunami, afinal.

Demorei um pouco para perceber onde eu estava, tanto em tempo, quanto em lugar. O sofá rechonchudo e confortável dos Sherwood me trouxe de volta. Merda.

Eu tive dificuldade para olhar ao redor, além da imediata dor de cabeça forte, eu senti o incômodo da gaze colada à minha pele com fita adesiva, mas consegui encontrar Seth, que estava sentado em uma poltrona não muito longe e tão rechonchuda quanto o sofá, com sua faca segura e suas mãos apoiadas aos braços do móvel, me analisando em cada piscada de olho.

Não foi um pesadelo?

— Eles ainda estão castanhos — Seth confirmou, talvez se referindo aos meus olhos, e suspirou ao soltar o objeto afiado sobre a pequena mesa de centro entre nossos acentos. — Maravilha!

Mas a faca de Seth não era a única coisa sobre a mesa.

— Isso é o que eu acho que é? — eu me arrastei pelo sofá para sentar, ignorando a cabeça a latejar e focando apenas no excesso de saliva na boca, porque é claro que é!

— Se você acha que é bolo, é!

Seth não precisou confirmar nada, ou sequer oferecer, eu me apressei em pegar o prato com três fatias de bolo e comecei a partí-las com um garfo que, cuidadosamente, fora posto ali também.

— Nós devíamos ter olhado a geladeira antes porque, para um casal de velhos, eles comem bastante besteira! — ele contou.

Suspeito que Seth já tenha comido, seria tonto se não tivesse e asseguro que desse prato não vão sobrar migalhas!

— Por quanto tempo eu dormi? — eu resolvi perguntar mesmo de boca cheia. Na verdade, eu não estava interessada nisso, mas Seth me analisando mastigar estava ficando um pouco embaraçoso.

— Mais do que na noite passada — respondeu Seth.

Noite passada; a noite em que eu o lembrei, sem querer, do pai de merda que tem? Não que seja algo que dê para esquecer, mas eu deveria ter dito alguma coisa? E por que eu acho que sim? Qual a probabilidade deste homem estar morto agora?

— Você anda velando meu sono, Cohen? — Poderia ser uma pergunta retórica e eu me distraí em levar mais um pedaço de bolo à boca.

— De propósito, não — mas Seth respondeu.

Claro que não.

Demorei para comer todas as fatias no prato, fiz questão de saborear cada pedaço e minha barriga agradeceu por cada um deles!

— Você está sentindo alguma coisa? — depois da pergunta, eu percebi o olhar do garoto vacilar entre meu pescoço e meu rosto.

Agora entendo toda essa análise! Seth está se certificando de que não vou virar um monstrengo e devorá-lo! Bom, não posso julgá-lo!

— Apenas uma dor de cabeça, mas eu não acho que tenha a ver com o pescoço.

Seth concordou, deixando seus ombros relaxarem e eu aproveitei para vagar os olhos pela casa escura, parando na janela, que era próxima o bastante para que eu visse monstrengos se amontoando nos círculos iluminados pelos postes, como mosquitos sendo atraídos pela luz.

— Faz muito tempo que eles passaram? — questionei Seth. Aqueles poucos monstrengos do lado de fora nem se comparavam com a onda que me atingiu.

— Sim — ele disse, mexeu a boca, mas permaneceu parado como a estátua memorial de Abraham Lincoln. — Foi difícil te carregar desmaiada até o sofá sem fazer barulho e eu não sei como, mas passamos despercebidos.

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