Eu fui a última a sair da sala, assisti todos eles descerem pela escadaria e seguir para o refeitório, mas, discretamente, eu fiz o caminho contrário.
Não, eu não parei para pensar. Porque, obviamente, se parasse, perceberia que não é uma boa ideia sair da escola sem aviso prévio. Eu poderia morrer, ser levada por monstrengos e lentamente devorada sem ninguém sequer saber. Entretanto, eu não pretendia demorar, ou fazer barulho, então apenas segui em frente.
Não é uma sensação agradável passar pelos corpos na parede. Na verdade, é enjoativo e, por isso, eu evito olhar.
A grama da fachada da Carter Hill High School estava quase seca, mas limpa de cadáveres. Uma pena não poder dizer isso da lateral do prédio também.
Homens, mulheres e adolescentes, participantes do tiroteio da equipe de força tática, incluindo os próprios agentes da equipe. A maioria com um buraco na cabeça e tão encharcados de sangue que era impossível reconhecer a procedência.
Por que eles ainda estão aqui? Por que estão aqui e não na parede? Qual critério estão usando para colocá-los na parede?
Eu resisti à vontade de reconhecer cada um ali, poderia levar um dia inteiro e seria difícil com alguns. O cheiro não é a única coisa que fica podre ao deixar cadáveres expostos.
Meu corpo tencionou quando comecei a andar entre os caídos, sentiu culpa antes que meu cérebro percebesse. Eles estão mortos. Eles estão mortos e eu, viva. Por quê?
Seguindo as janelas laterais, eu encontrei 452.
Não consegui respirar fundo quando me deparei com a sua cabeça mais estourada que as demais. Um enjoo me encheu, revirando e quase pondo para fora todo meu suco gástrico.
A ideia de que 452 fez isso a si mesmo apenas piora tudo. Por quê? Nós podíamos ter o ajudado, não podíamos? Nós teríamos pensado em algo!
Eu me agachei perto de seu tronco, também evitando sua mão pela metade, mas eu já estava enjoada o suficiente e não pude fugir de sua farda ensanguentada. Bom, pelo menos, eu não precisei vasculhar seus bolsos para descobrir seu nome.
452 tinha, no canto de seu colete, junto ao seu coração agora parado, algum tipo de bordado. Martin O+.
Martin? Apenas isso? Martin o quê?
Eu vasculhei seus bolsos, o arredor sujo do seu corpo e nada. Nada. Nada além de cartuchos carregados de balas, nada além da arma ainda presa a sua mão. Nada.
Caralho, Martin! Quem é você? De que parte do litoral você veio? Por que decidiu terminar assim?
Eu ouvi passos se aproximando pela grama, passos equilibrados e seguros, então não me movi.
— Como eu adivinhei que você ia estar aqui?
Fui incapaz de não revirar os olhos ao ouvir o tom irritantemente casual de Seth.
— É, parece que eu virei mesmo uma pessoa previsível — eu murmurei, alto o bastante para Seth ouvir bem.
— Já acabou? — perguntou, me fazendo, ainda agachada, virar em sua direção.
Eu passei a encarar a silhueta escura de Seth, ofuscada pelo céu ensolarado. Mesmo sem ver seus detalhes, eu conseguia imaginar cada um deles, já que os tons de azul e amarelo atrás dele me forçaram a lembrá-los.
Mas isso não me deixou menos irritada.
— Por quê? Você vai me contar mais sobre sua família? — eu sugeri, em um tom mais sarcástico do que eu planejava. — Acha que eu vou ignorar a discussão ridícula que acabou de acontecer?
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DEVIR
Novela JuvenilDE.VIR [S.M] 1. Constante mudança. Vir a ser. Tornar-se. 2. Lei geral do universo, que cria, destrói, reconstrói e ensina. Eu li uma vez que o ser humano é desadaptado do mundo. E talvez seja mesmo, por isso está sempre no topo da cadeia. Vida ou m...