Capítulo 44

13 3 0
                                    

Yan sugeriu que seria bom pegar algumas roupas do Josh para o próprio Josh e, claro, seria ótimo. Mas antes de respondê-lo, a minha cabeça se revirou.

Eu não penso em esconder do meu irmão que estive aqui, não, mas algo me impede de entrar em seu quarto. Algo que aterroriza meu coração e repele toda e qualquer vontade de entrar lá.

Em uma explicação injusta, o meu cérebro diferenciou o Josh dono daquele quarto com dinossauros na porta e o Josh que eu havia deixado na escola. O Josh que ainda é uma criança inocente e o Josh que já presenciou as piores imagens que alguém pode imaginar. E eu me martirizei por isso.

Independente do que viu, ou do que passou, Josh ainda é o meu irmão mais novo e precisa de mim. 

Entretanto, existe a mais provável possibilidade de que o problema seja eu.

Me rendendo a minha própria cabeça, eu pedi para Yan pegar algumas roupas para o Josh e voltei para a sala.

Da janela, apesar da escuridão da noite se aproximando, eu consegui ver os monstrengos se dispersando pela rua junto ao seus grunhidos que perdiam volume.

Meu melhor amigo voltou até mim com a mochila cheia em uma mão e, na outra, uma miniatura do caminhão de bombeiros que costumava ser o brinquedo favorito de Josh. 

Eu congelei.

— Ele vai curtir, não vai? — perguntou Yan, empolgado com a ideia. Enquanto eu era, mais uma vez, afogada em lembranças.

Josh corria por toda a casa com o brinquedo nas mãos. Ele o levava sempre consigo, até para a escola, quando permitido. Ele o segurava enquanto assistia filmes sobre bombeiros com o papai e dizia que queria ser um quando crescesse, mas isso faz uns dois, ou três anos.

— E-eu não sei — eu limpei a garganta antes de continuar: — Acho que sim.

— Claro que vai! — ele me corrigiu e fez força para descansar a mochila e o brinquedo no sofá, indo até a janela em seguida.

— Os monstrengos se foram — eu o avisei — E eu acho que nós conseguimos sair agora sem chamar muita atenção.

— Certo — Yan concordou, me surpreendendo, e ainda completou: — A energia ainda está sendo distribuída pela cidade e os postes de luz ainda se acendem, então não está tão escuro.

— Vamos?

Eu assisti Yan guardar o carrinho em sua mochila e colocá-la nas costas. Sem mais delongas, mochila nas costas e facas nas mãos. Eu estava pronta para sair.

Yan destrancou a porta com cuidado e eu mal conseguia respirar diante do silêncio que estabelecemos. Mas meu corpo desfrutou de uma pequena nostalgia ao ver Yan trancar a porta atrás de nós e devolver a chave para o mesmo jarro em que a encontramos, como sempre fazíamos quando íamos sair.

Eu sorri para ele, na tentativa de um silencioso agradecimento e ali, olhando nos olhos castanhos do meu melhor amigo, eu prometi que, se algo acontecesse no meio do caminho, seria eu.

[...]

O caminho de volta foi uma tortura. O silêncio no escuro deixa nossos movimentos tensos e atentos a qualquer ruído diferente. Uma sensação quase semelhante ao sufocamento.

Yan concordaria, se pudesse falar. A postura do garoto ao meu lado estava cada vez mais cansada.

E é impossível descrever o alívio que nós sentimos apenas ao ver as carcaças dos monstrengos, também inchados, nos muros da escola. Eu agradeci a todas as entidades existentes dentro de um só suspiro.

DEVIROnde histórias criam vida. Descubra agora