Capítulo 51

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Depois de perceber que você só faz merda atrás de merda, é natural que você pare de externar qualquer opinião e passe a apenas obedecer. É natural que, depois de ter sua autoestima abalada, você comece a questionar até o mais fútil pensamento e passe a desacreditar até mesmo o que sente.

Você idealiza que, desde o dia do caos, a única certeza que todos nós temos é a que está diante de nossos olhos, a que está disponível ao nosso toque e a que se faz consequência das nossas atitudes.

O resto é esperança, se é que ainda existe alguma. Ou pessimismo.

Eu deveria obedecer ao pedido de Yan para que eu fosse comer, mas como eu poderia? O meu corpo não quer saber dos poucos carboidratos se convertendo em energia, ele quer descanso, quer voltar no tempo porque, a cada segundo que passa, nós estamos nos afundando nesse poço sem fundo!

— Josephine — a voz de Yan surge abafada no fundo do meu cérebro cansado, antes de me sacolejar e finalmente me puxar de volta para o refeitório. — Josephine!

— Acordou, Josephine? — Dener se materializou à minha frente. — Então aproveite para sair do meu caminho e nos deixe fazer alguma coisa corretamente, já que você não faz!

Seus olhos severos rapidamente passaram em mim e logo foram para porta que eu abrira segundos atrás.

— Não — Ayo puxou nossa atenção. — Nós temos que usar a lógica! É muita gente para pouco espaço! Nós deveríamos nos dividir: dois bons grupos limpando dois lugares ao mesmo tempo! Ou eu devo lembrar que a outra escola ainda está como a deixamos?

— É, realmente, importante? — rebateu Haven. — Digo, nós não temos previsão para usar aquele lugar, então, vale o trabalho?

— Haven tem razão, nós vamos focar aqui! — O xerife concordou. — Vocês precisam aprender a conviver com isso porque nós não vamos nos livrar de cada corpo podre da cidade.

E nós obedecemos.

Eu nunca fiz algo tão nojento quanto tocar em um cadáver e, infelizmente, acabei o fazendo mais vezes do que podia imaginar. Entre os inúmeros cadáveres que eu toquei, está o cadáver da minha melhor amiga, enterrado em um xucro fundo de escola, coberto por terra e uma pilha de outros cadáveres.

Mas nada é tão nojento quanto sentir eles tocando em você. O desespero subindo à medida que a mão fria e áspera te puxa com força, tentando te levar até a boca.

À deriva da minha própria cabeça, eu soltei os pulsos entre meus dedos de uma vez e vislumbrei o impacto horroroso entre um crânio podre e o chão.

Haven, que dividia o peso do cadáver comigo, o segurando pelas pernas, tentou amenizar o impacto por reflexo e ergueu os tornozelos mais acima, mas nada adiantou.

Em câmera lenta, a cabeça bateu no chão como uma melancia e, de repente, ele parecia dormir com uma discreta coroa sanguínea e pedraria cerebral.

Por sorte, a queda foi apenas de uma dezena de centímetros, sem altura para fazer um grande impacto, mas impacto o suficiente para o coroar.

Haven, tão impactada com a cena quanto eu, entre suspiros e bufadas, soltou um sincero:

— Merda!

É, merda!

— Olha, Josie — começou ela. — Passou, está bem? Você estar aqui agora é o que importa e nós estamos resolvendo...

Eu queria que fosse fácil assim.

— Tem coisas que não saem da cabeça — eu rapidamente admiti.

Haven fica diferente com os cabelos loiros presos, ou talvez seja a ausência da sombra azul que expandia seus olhos quando o caos ainda não tinha se instalado. De qualquer forma, está ficando cada vez mais difícil lembrar.

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⏰ Última atualização: Aug 29, 2023 ⏰

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