A primeira gota de chuva

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Capítulo 1

Todos os dias são iguais, exceto que hoje algo me chamou a atenção. Já faz um tempo que um certo rapaz sempre me acena e eu devolvo o cumprimento por educação, sem o mínimo interesse além disso. Mas hoje foi diferente.

Thomas não era aqueles rapazes que chamava atenção a primeira vista, muito pelo contrário, um sujeito tímido, magro e não despertava interesse nas meninas da cidade. Minha amiga disse que tinha hoje um almoço na igreja para a caridade e insistiu que seria legal nós irmos. No começo, disse que sim contrariada; vá lá, até aprecio sair um pouco para se distrair, embora gosto mais da companhia dos meus livros em baixo de uma árvore. Mas... Pelo bem da sociedade resolvi ir.

Havia muitas pessoas no salão, e eu comprei um ingresso que era um almoço no próprio local, sendo mais caro do que o normal porque era para ajudar os menos favorecidos. Minha amiga Annie reservou um lugar para mim ao seu lado naquelas mesas enormes onde geralmente se tiver sorte não sentará ao lado de um completo estranho. Bem esse foi mais ou menos o meu caso. Sentei-me ao lado da Annie, mas o que eu não tinha pensado era que ainda sobraria três lugares que influenciavam diretamente a minha refeição. Um nervosismo correu pelo meu corpo de repente ao pensar nisso.- Mas tudo bem, é por uma boa causa - pensei.

- Com licença - uma voz grave surgiu ao meu lado.

Ergui meus olhos e vi um par de olhos negros com um sorriso lapidado para mim. Tinha cabelo preto regado a gel usava um perfume muito refrescante. O cheiro era tão bom que quase esqueci de soltar o ar. Fiz que sim com aceno e voltei a olhar minha comida.

- Você poderia por favor me alcançar o guardanapo? Ele perguntou sem dar tempo de eu dar a garfada que eu estava segurando. É estranho, mas tinha a leve sensação que já tinha visto ele em algum lugar.

De repente quando aquela voz se direcionou a mim e percebi que estava encarando-o.

- Ah sim, me desculpe - imediatamente lhe entreguei meia dúzia de guardanapos.

- você é o moço que sentava sozinho nos bancos e olhava os ensaios da orquestra não? Perguntei antes de perder a coragem, e veio a calhar, pois assim tinha uma desculpa pelo momento constrangedor de ficar fitando-o minutos antes.

- Sim! Algumas vezes quando tinha passeios também fui junto com você, digo, na mesma excursão, mas acho que você não deve lembrar. No final de sua frase ele me pareceu um pouco chateado com sua constatação. Me forcei a lembrar meus últimos passeios e realmente sequer me veio o rosto dele em minha memória. Senti vergonha e menti - Sou muito distraída, e tenho memória fraca, para falar a verdade nem lembro o que comi ontem! Sorri para ele tentando parecer a mais pura verdade já dita no mundo. Bom, de fato não era exatamente uma mentira, afinal sou esquecida mesmo, mas ele eu não lembrava de nada! Nada.

- Bom, cá estamos nós não? Mundo pequeno. Prazer, meu nome é Beatriz.

Thomas pigarreou e disse - Hum, eu já sei... Bom, eu me chamo Thomas. Mas pode me chamar de Thom se preferir.

Conversamos bastante naquele dia, na verdade não foram assuntos exatamente interessantes, afinal eu era uma musicista e ele um mecânico. Descobri isso no meio da conversa.

- Mas então... Você salvou um Mustang das mãos do ferro velho e agora está reformando?- Não sei porque, mas aquilo quando ele me falou me chamou tanto a atenção que não pude resistir e indagar mais sobre o assunto.

-- Sim! Adoro consertar coisas, aliás penso que todas as coisas têm um propósito sabe? E não me agrada saber que algo está quebrado e não exercendo o que foi criado ou programado para fazer...

- Diga isso aos corações partidos... - Eu disse.

- É... Corações partidos são os mais difíceis de consertar. Porque a peça que os faz funcionar é justamente a mesma responsável de fazê-lo quebrar.

Refletimos por um momento em silêncio. Suspirei e concordei com a cabeça.

- Bia? Vamos, está tarde. Annie me olhou de soslaio um pouco entediada e fez sinal de cansaço. Quando Thomas olhou para o lado, Annie fez sinal para mim querendo saber se deveria dar uma desculpa e voltar sozinha ou se deveria me resgatar do barco furado. Segurei o riso e neguei.

- Thomas, foi um prazer te conhecer. Boa noite.

- Gostaria de ficar mais um pouco? Eu te levo em casa se quiser...

Pensei em ficar, mas estava tão cansada, e me lembrei que no outro dia deveria estar em pé bem cedo.

- Não, obrigada. Preciso acordar cedo amanhã. Terei uma apresentação na praça em comemoração dos 300 anos da cidade.

- Ah, entendo... Boa noite então.

Ao passo que me despedi dele, Annie enganchou seu braço no meu e me metralhou de perguntas sobre ele. Bem, até eu sanar todas suas dúvidas estúpidas e deixar bem claro a ela, que ele não passava de um estranho familiar que costumava ver sempre sem o menor entusiasmo, alguma coisa nela ainda não acreditava nisso.

Outono em mim, capítulo 1

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